Mulher de expatriado: um rótulo que incomoda.
Eu não sei vocês, mas eu me incomodo muito quando as pessoas me rotulam por quaisquer razões que sejam. No entanto, quando vivemos uma expatriação, tenho a impressão de que rola uma acentuada neste movimento – risos. Aqui na China, é muito comum as pessoas perguntarem: “você é mulher de expatriado”? Mas gente, eu não estou expatriada também? Meu filho idem? Minha resposta sempre é: “sim, estamos todos expatriados”.
Claro que o rótulo ‘mãe do fulano’ não entra nessa reflexão que farei com vocês aqui porque ele, ao menos para mim, é um rótulo querido e bem quisto. Muitas vezes sim, nós nos esquecemos no meio dessa maternidade tão intensa que é a nossa na expatriação e deixamos nossas prioridades de férias por razão da família, adaptação logística etc, mas para mim é sempre um prazer ouvir ‘olha lá a mãe do João Pedro!’ A pessoa não precisa nem saber o meu nome, eu logo ja estufo o peito de mãe orgulhosa, entrego um sorrisão de orelha a orelha e confirmo com um aceno, esse rótulo, de mãe das nossas crianças, nos eleva a outro patamar.
Geralmente são referências aos bem feitos dos nossos filhos, sejam comportamentos, escolhas ou mesmo a comunicação que nossos pequenos expressam nesse mundão de meu Deus. Ser vista como mãe de alguém, meio que endossa nosso trabalho, dedicação e empenho em formar bons cidadãos, seres humanos de valor. Deste rótulo eu me orgulho! Mas dessa vez queria falar sobre o outro, o rótulo que colam na gente com superbonder quando a a família é expatriada: a mulher do expatriado.
Eu não sei se porque temos, teoricamente, mais tempo livre, ou se podemos buscar nossos filhos na escola, ou ainda se é algum comportamento que acabamos por ter que gera essa rotulação. Literalmente, sim, sou esposa de um homem que foi expatriado, mas também sou muito mais que isso. Sou Jornalista, Escritora, Coach, mãe, irmã, filha, amiga e também sou mulher de expatriado. Olha quanta mulher bacana, que contribui aqui.
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Já ouvi piadas de muitos homens em reuniões familiares ou empresariais, de diferentes partes do mundo, mas todas elas seguem o mesmo padrão: ‘mulher de expatriado se reúne para infindáveis cafés-da-manhã, compras pela internet (o que, aqui convenhamos, é uma facilidade. Te sugiro acessar e se deliciar com os produtos que chegam na porta da sua casa em menos de três dias, sério!) e para fazer incontáveis play dates’ – momento em que as crianças se reúnem para brincar na casa de algum amigo depois da escola.
Sim queridos, existem momentos em que precisamos nos encontrar para conversar e sair dessa vida doméstica imposta pela expatriação, sim, fazer compras pela internet e receber tudo em casa é uma maravilha, contribuir para as relações sociais dos filhos é tão importante quanto, mas daí a ser chamada de maneira velada de desocupada é demais. Me entristece saber que, com a variedade imensa de países e diferentes culturas que essa experiência de expatriação agrega, sejamos vistas como dondocas ou madames – no sentido pejorativo das palavras. Claro que não estou generalizando, estou compartilhando pontos de vista e alguns fatos baseados em minha própria experiência.
Eu sou muito grata por poder dedicar mais tempo à minha família e mesmo mais tempo para mim, para cuidar de mim, mas isso não me impede de sentir falta de me arrumar e sair todos os dias para trabalhar, de sentir falta das reuniões corporativas que eu tanto reclamava, de sentir falta de gritar ao mundo que eu não tinha tempo para nada. O que estou expondo, é que as vezes, somos colocadas em papeis e rótulos que, por escolha própria não estaríamos desempenhando exclusivamente.
Também não estou levantando bandeiras feministas, machistas ou qualquer outra que seja, no final, acho que estou apenas compartilhando um incômodo de ser rotulada como uma pessoa que não agrega, que minimiza a oportunidade e experiência de viver fora do país.
Eu estudo, não deixei de trabalhar, cuido do filho, do marido, da casa, da empregada, das compras, da roupa, do desempenho escolar, mas no fim ó…. ‘olha lá a mulher do expatriado…’ Eu tenho muita sorte de ter um marido parceiro que enxerga a importância do que eu faço e também que compreende meus dias de ‘mazela’ quando sinto falta da rotina que deixei no Brasil, mas me pergunto por que será que é tão mais fácil sermos vistas como somos.
Certamente questões culturais influenciam nessa visão, mas sou mais propensa a acreditar que isso virou aquele tipo de piada besta que foi feita tantas vezes que o mundo repete sem se dar conta do que está dizendo. Sabe quando tem festa de fim de ano com a família, todo mundo fala, canta, bebe e come sem medida e na hora da sobremesa sempre tem um que fala “e aí? É pavê ou pacumê”? Se referindo à sobremesa já tão conhecida, então, acho que esse rótulo está bem se encaixando nessa categoria. (e para não perder a piada, segue uma receita de pavê, mas pra cumê, claro!)
No final das contas, independente do porquê as coisas são vistas e colocadas dessa maneira, acredito que o que vale mesmo é o que a gente tira dessa vivência toda. São as reflexões que conseguimos desenvolver, sozinhas ou não, sobre nossos aprendizados e evoluções, afinal, é sobre isso que a vida trata não é? Sermos melhores como ser humano, como indivíduo, como parte de uma sociedade que ainda tem tanto à crescer. Sim, parece piegas eu sei, mas se não for assim, o que afinal você veio fazer nesse planeta, criatura?
Vou terminar com um vídeo do filósofo Mario Sergio Cortella que tem a intenção de contribuir com seus pensamentos, quem sabe, enquanto você prepara o pavê aqui do texto.
Boa leitura, bom apetite!
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