Para quem nos acompanha somente pelas redes sociais, nossa vida no exterior pode parecer muito interessante: viagens, filhos falando outros idiomas, acesso a novas culturas e um sem fim de possibilidades. A verdade é que a vida de expatriada tem muita coisa boa. Mas é uma vida que também cobra um preço. E hoje vamos falar sobre um deles: a síndrome do pânico quando se mora no exterior.
A falta irreparável
Só quem vive longe do Brasil sabe como é duro quando a solidão aperta. Ou quando sentimos saudade das coisas do nosso país, que nenhum lugar é capaz de substituir. Só quem vive mundo afora sabe a angústia que é se olhar no espelho um belo dia e não saber mais ao certo de onde se é.
Estamos ali, no meio do caminho, em algum espaço que não é nem lá nem cá. Acompanhamos a vida dos amigos do Brasil e sentimos que estamos sendo esquecidos. Acompanhamos a carreira dos colegas e tantas vezes pensamos que estamos ficando para trás. Acostumamos a ver a família via FaceTime ou Skype. Uma saudade mediada.
Resignamo-nos à ideia de que vamos perder pessoas queridas e que não poderemos nos despedir propriamente delas. Há muito espaço que fica vazio, mesmo com tanta novidade em volta.
Na maioria das vezes, é um vazio com o qual aprendemos a conviver. Mas o que fazer quando o peso da solidão no exterior fica maior do que podemos suportar? Como lidar com a depressão e outras doenças da alma, como a síndrome do pânico, que tantas vezes andam de mãos dadas com quem vive fora do país de origem?
É preciso força para encarar o desconhecido
Eu busco respostas. Depressão e ansiedade já eram velhas companheiras, mas digamos que eu vinha desenvolvendo técnicas para viver em harmonia com meus fantasmas. No Brasil, eu sabia exatamente o mapa para não deixar as coisas saírem do trilho.
O mapa incluía terapia, medicação, amor dos amigos e da família, um trabalho que me trazia realização profissional e atividades “complementares” que me davam extrema alegria, como dançar frevo e tocar num cortejo de maracatu. Sim, “minha carne é de carnaval e meu coração é igual”.
Aí, quando a gente se muda, todo esse mapa arduamente construído das coisas “seguras”, tudo isso que a gente acha que nos identifica na vida, toda essa nau frágil se desfaz e fica com as peças ao vento. E a gente fica ali, levando os dias meio sem saber se vai afundar. Não há mais âncora. A sensação de falta de controle nos joga cara a cara com o medo. O famoso medo do desconhecido.
Identificando a síndrome do pânico
Foi no meu primeiro inverno na Austrália que criei uma imagem para entender como minha alma vinha se sentindo: uma biruta de aeroporto, sendo jogada para um lado e para o outro. Meu filho já tinha mais de 3 anos e frequentava a escolinha alguns dias na semana, o que me garantia tempo livre. No entanto, eu simplesmente não conseguia administrar este tempo e ficava perdida entre minha melancolia e as tarefas da casa.
Quando eu dava por mim, o dia já havia chegado ao fim. E eu ficava frustrada por não ter conseguido fazer nada de “útil”. Era muito difícil aceitar este novo lugar de quem não trabalha fora e não tem um salário. Por mais que meu companheiro sempre tenha reforçado que o dinheiro é nosso e que esta é somente uma configuração provisória, a verdade é que nunca me senti em paz.
Nossa mente pode ser uma grande tirana. Enquanto tentava ficar bem, estabeleci o compromisso comigo mesma de escrever um livro infantil e praticar yoga. Fiz as duas coisas. Mas quem disse que o vazio foi embora? Comecei a ter crises de síndrome do pânico quando menos esperava.
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A primeira veio enquanto eu via um filme sozinha no meio da tarde. Meu peito apertou, a respiração ficou curta, as mãos adormeceram e passei a sentir uma hiperconsciência corporal bastante incômoda. Enquanto eu sentia que havia algo errado, eu racionalizava que não era possível alguém ter uma crise de pânico em uma situação agradável e amena como ir ao cinema. Pânico era, para mim, algo disparado por situações extremas.
Grande engano. A segunda crise veio quando eu estava atravessando a rua após buscar meu filho na escola. Fiquei tonta, senti minha cabeça dormente e o mundo todo girar. Quando cheguei em casa, tentei respirar e fazer yoga. O chão continuou a rodar e senti uma vontade incontrolável de chorar. Pensei que pudesse ser labirintite. Fui ao médico no dia seguinte.
A doutora me perguntou, por alto, o que havia acontecido na minha vida nos últimos meses. Enquanto eu contava, comecei a sentir a respiração ficar curta (o que, aprendi, se chama hiperventilação). Veio o choro, veio a dormência nos lábios, pés e mãos. Veio a tontura. E a sensação de estar fora do meu corpo. Ela me disse com todas as letras: você não tem labirintite, você está tendo um ataque de pânico.
Se observar pelo caminho é uma saída
As coisas ficaram melhores desde que passei a dar um nome ao conjunto de sensações horríveis que sinto de quando em vez. É como se o inimigo ganhasse um rosto. Passei a observar as situações que funcionam como gatilho. Pode ser pegar um ônibus para um bairro novo, pedir uma informação, fazer compras no supermercado. É como uma lente distorcida que transforma coisas banais em algo extremamente ameaçador.
Percebi que o longo inverno australiano me deixava pior. Isso porque minhas taxas de vitamina D e B12 caem consideravelmente, além de eu ter sinusite por meses seguidos. Os dias que escurecem cedo me deixam extremamente melancólica e, quanto mais frágil nosso chão, mais o pânico se manifesta.
Conversei com meu marido e ele resolveu marcar as férias dele para o auge do frio, assim poderíamos viajar para um lugar quente. Viemos para a Califórnia. A sinusite foi embora. A melancolia de inverno também. Mas tive uma crise de pânico assim que entramos no carro em Los Angeles. Por algum motivo desconhecido, meu corpo deu um curto-circuito ao chegar nesta cidade grande, mais dura e que abriga tanto imaginário.
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Uma crise em plenas férias, no verão, na cidade que eu sempre quis conhecer, com meu filho e marido. Ou seja, em um momento feliz. O que estava errado? Onde estava o problema? Talvez ajude pensar onde não está o problema.
Não está na Austrália. Não está no inverno.
Está em mim e no caminho que preciso construir para aceitar de fato a escolha que fiz: a de “pausar” minha carreira e acompanhar meu marido fora do país, a de deixar família e amigos para trás.
E aceitar significa integrar. Aceitar com o coração. Fazer a escolha e estar na escolha.
Percebi que o ar continuará a faltar até que eu resolva esses conflitos internos. Não há outro caminho. Hoje, repito mentalmente todos os dias que o chão não vai se abrir. Busco também criar uma rede de apoio. Há muitas outras mães no exterior vivendo a mesma coisa. Saber que estamos de mãos dadas ajuda a respirar.
11 Comentários
Danyella, chorei, me reconheci… obrigada pelo relato! É bem isso mesmo, aceitar a escolha e a mudança é difícil, aqui passo por algo semelhante, mas consegui controlar antes de atingir o pânico (já tive na adolescencia, então criei diversas ferramentas, mas que quase me faltaram quando me mudei para a França).
Muito obrigada!!!
Força aí, e estamos juntas!
Viver longe é viver sempre no conflito de querer estar e não querer. É ter tanta vontade de ver os próximos e saber que isso só será possível meses e meses depois. É não se encaixar mais no país natal, e se sentir estrangeira no novo país. Fazer amigas brasileiras me ajuda muito! Mas a parte profissional é algo que pega realmente. Força para você! Obrigada pelo relato
Acho que esse texto é a realidade de muitas entre nós. Tive várias crises de pânico , a primeira quando estava grávida, sozinha em casa, meu marido viajando e ninguém da família em um raio de 11 mil quilômetros.
Também tenho umas técnicas para evitar a crise, mas sei que o “vírus ” só espera a boa ocasião para se manifestar.
Não é fácil se travestir em outra pessoa, em outro clima. falar outra língua, integrar outros costumes, muitas vezes sufocar seus impulsos porque não cabem na nova cultura.
E como bem disseste, não pertencer ao novo país e não mais fazer parte do antigo é ser um João ninguém, sem pátria amada, sem bandeira pra levantar. Parabéns pelo texto e bola pra frente.
Oi dany! Obrigada por seu texto tão sincero! Me identifiquei com o seu sentimento quanto a morar fora e ter essa sensação de não saber mais onde se pertence. Essa escolha que precisamos abraçar de coração aberto. Só assim mesmo para aceitar e viver bem toda a experiência. Que bom que sua médica identificou de cara a crise! Força ai! Abraço!
Dany, também me identifiquei e me emocionei com o seu relato. Muito obrigada por compartilhar! Força pra você! Abraços
Oi Dany! Nossa, parece que eu escrevi esse texto! Olha, conheço muito bem a historia das crises de panico, ansiedade e depressao. Tive crises constantes por 10 anos, foi horrível, e as crises eram iguaizinhas as suas. Já tive crise vendo filme, fazendo crochê..
Hoje ainda tenho que lidar com a depressão e ansiedade, mas fiquei sem crises por alguns anos. Sim, há uma luz no fim do túnel.
Se quiser, entra em contato para batermos um papo!
Dany, gratidão por compartilhar conosco a sua vivência. Mudar toda rotina/hábitos por muitos anos instalados, perder as referências/seguranças, reconstruir uma carreira, ficar longe de quem amamos é um mega desafio.. que por vezes causa grandes feridas na alma que se apresentam como distúrbios psíquicos e somáticos. Seu relato tão profundo e sincero nos faz um convite para olharmos com amorosidade para nosso processo de transformação. Seguimos juntas nessa rede de apoio chamada Maẽs Mundo Afora. Abração reconfortante e revigorante para você!!!
Obrigada pela força, Mônica! As coisas estão melhorando por aqui, mas é realmente um dia após o outro. O pânico é muito traiçoeiro. Só nos resta trabalharmos nossas ferramentas internas. Que bom que você está bem agora! <3
Obrigada pelo seu depoimento. Me identifiquei muito.
Me vi no teu relato. Mudamos para o Canadá em plena Pandemia e hoje passo exatamente por isso. Com a proximidade da primavera e os dias mais longos, já consigo me sentir melhor. Mas a sensação é muito ruim.
Agora sei que não sou a única…
Não é! Estamos todas juntas nessa!!! <3 Força aí