Trago aqui um olhar sobre a construção das nossas crenças em tempos de pandemia e a relação com a história que contaremos aos nossos filhos. Começo por um texto anônimo que li outro dia e que explicava de forma simples e clara o que estamos vivendo nesses tempos de isolamento na pandemia. O texto partia da ideia de que por mais que a gente queira acreditar estarmos todos no mesmo barco, a verdade é que não estamos. Torcemos pelo mesmo resultado: uma vacina que erradique o vírus e nos possibilite retomar nossas vidas. Mas de maneira nenhuma estamos vivenciando a mesma realidade.
Cada um está enfrentando esse momento de uma forma, e a análise do impacto vivido é muito subjetiva. O que pode parecer melhor para uns, para outros pode ser a última opção que escolheriam. Esse texto ampliou minha perspectiva sobre nossa atual realidade. Mas ainda faltava uma peça para dar um sentido mais profundo. Eis que um dia aconteceu o clique!
Estava lendo um livro sobre a importância de entendermos como nossas crenças e valores pessoais são criados, e o papel que eles desempenham ao longo de toda nossa vida.
De acordo com a autora, Marie Forleo – “Everything is Figureoutable”, nossas crenças são geradas pela influência de cinco fatores: Ambiente, Experiências, Evidências, Exemplo e Visão. A partir desses influenciadores criamos e/ou registramos as mensagens que se tornam verdades para nós e passamos a perceber e entender o mundo por meio dessas lentes mentais nos mais diversos âmbitos: trabalho, relações, sexo, dinheiro, nosso corpo, religião, etc.
Ao trazermos essa perspectiva para nosso momento atual, podemos pensar que tudo, absolutamente TUDO, está gerando um impacto em todas as pessoas a nossa volta, inclusive em nossas crianças – independente da idade que elas tenham. Por exemplo, o lugar físico em que estamos vivendo este confinamento – nossa casa. Os estímulos que nos circundam – tv, computador, livros, música, conversas, comida, pessoas. Como começamos o dia e o humor com que o encaramos. A forma como nos vestimos e comportamos. Nossos gestos, a forma como nos comunicamos e o que dizemos. A rotina da casa, os costumes e ritos espirituais ou políticos que exploramos, enfim.. tudo!
Crenças e as relações familiares
Nossas crenças são como lentes que usamos no dia a dia para ver o mundo. Se você acredita estar vivendo o seu pior pesadelo e replica esse pensamento na sua fala, gestos e expressões diariamente, então essa é a mensagem que está sendo repassada a seus filhos. É a forma como você está moldando a crença sendo construída em seu subconsciente.
Fica então a pergunta: qual história estamos contando aos nossos filhos sobre o que estamos vivendo? Quais crenças estamos formando, ou ajudando a formar, e que atuarão como referência na forma como eles veem o mundo, encaram os desafios e tomadas de decisão?
Primeiro, fica o convite para o seu olhar interno, pois o ponto de partida está na forma como você percebe o seu mundo. As suas crenças moldam suas escolhas, seus comportamentos e posicionamento na vida. O que você internalizou ao longo da sua criação e história hoje molda suas verdades, mas isso não significa que elas sejam verdadeiras.
Talvez você tenha crenças que estão fazendo com que você parta da zona do medo, da insegurança, da ansiedade. Talvez você estivesse lidando bem com tudo que estava acontecendo até o dia 56 do isolamento, mas agora, passados mais de 150 dias, você já não sabe pra que lado correr. E novas crenças estão sendo construídas pra você também.
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Um olhar para dentro de si
Existe um processo de cura interna que precisa acontecer. Normalmente quando operamos de um lugar de desequilíbrio – nervosismo, raiva, angustia, ansiedade – significa que alguma necessidade nossa não está sendo atendida. Do que você pode abrir mão nesse momento? O que funciona melhor para a sua família? O que você está disposta a negociar, abrir mão, ajustar? E a diversão, tem espaço para ela em algum momento do seu dia, da semana, do mês? Estou te convidando a pensar fora da caixa, algo totalmente diferente. Que quebre a rotina.
Eu acredito que muitos são os pais que estão vivendo um choque de criatividade neste momento, inventando as mais diversas brincadeiras ou buscando recursos para ajudar seus filhos a se engajarem em alguma atividade que dure mais de dez minutos! Um viva à era tecnológica que nos permite usar a internet pra trocar tantas ideias e criar.
Mas além de tudo isso que você tem feito por suas crianças, qual é a mensagem que você verbaliza no café da manhã, enquanto troca a roupa deles, enquanto organiza a cozinha e eles veem tv, nos intervalos do seu trabalho, ao conversar com seu parceiro? Qual o tom de voz que você usa para se comunicar? Como é sua expressão facial, seus gestos? O que a sua criança está vendo acontecer no dia a dia diante dos olhos dela?
Qual crença seu filho está criando neste momento?
Reflita sobre os cenários abaixo:
“Filho, a vida é assim, cheia de surpresas. Algumas podem nos agradar, outras não. Mas nenhuma delas nos impede de sermos criativos e felizes.”
“O momento é de incerteza e não sabemos quando tudo irá passar. Mas podemos conversar sobre isso.”
“A mamãe e o papai também tem dias bons e dias ruins. É natural nos sentirmos tristes às vezes. E está tudo bem. Você também fica triste e feliz, não é verdade? O que você gosta de fazer quando está triste? A mamãe gosta de assistir a um filme ou ficar sozinha e descansar, conversar com uma amiga ou com o papai. E você?”.
“Hoje o papai está mais cansado e nervoso, filho, mas não tem nada a ver com você. E também não é sua responsabilidade fazer o papai se sentir bem. Só preciso descansar um pouco.”
Quão diferente eles soam dos seguintes:
“Momentos difíceis são assim mesmo, a gente foca no trabalho e o resto que espere, então você também tem que esperar sua vez.”
“Não aguento mais tudo isso. Que saco! Alguém me tira daqui!”
“Essa pandemia está difícil pra todo mundo minha filha, você não é privilegiada, então aprenda a lidar com seus sentimentos você também, pois já tenho problemas demais pra cuidar.”
Ou simplesmente o silêncio. A ausência da expressão e verbalização dos sentimentos.
Nossas crianças buscam em nós o exemplo para condução de suas vidas. O ambiente em que vivem tem impacto direto na formação pessoal delas. O que ouvem, veem, sentem. Enquanto seres humanos que somos podemos e devemos sentir. Emoções e sentimentos estão diretamente vinculados ao nosso sistema cognitivo. A habilidade de aprender está diretamente ligada à forma como lido e processo os sentimentos. As escolas não falam sobre isso o suficiente. Não faz parte do currículo escolar ‘Como lidar com emoções e o impacto no seu aprendizado’.
Ao nos permitir sermos vulneráveis, mostramos aos nossos filhos a porta para o auto-conhecimento. Por meio da nossa vulnerabilidade eles aprendem que está tudo bem viver seus sentimentos e olhar para si com compaixão. Como bem disse Brené Brown: “Vulnerabilidade não é fraqueza, mas o berço para criatividade, inovação e mudança.”
E você, como gostaria que seus filhos contassem as histórias deles sobre os tempos de pandemia?
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