Até engravidar, eu nunca tinha tido grandes problemas de ordem emocional. Sempre fui ansiosa, tive meus períodos de melancolia, mas nada muito desestabilizante. Mas com a gravidez, isso mudou. Comecei a apresentar sintomas de ansiedade maior e tive a minha primeira crise de pânico logo nos primeiros meses de gravidez. Em seguida veio a depressão pós-parto. E essa, longe de casa, pode ser bem pesada.
“Quem avisa, amigo é”… Será?
Por estar grávida de trigêmeas, desde o início os ginecologistas com quem me consultei me alertaram para uma longa série de eventuais problemas pelos quais eu poderia passar: possibilidade de um ou dois bebês (ou os três!!) não resistirem, hipertensão, diabetes gestacional, prematuridade extrema… Isso para citar apenas os que mais me marcaram.
Durante todo o período de gestação fui metralhada por mensagens de dúvidas, de receio, de conselhos para não comprar o enxoval antes dos seis meses de gravidez… A impressão que eu tinha era de que as únicas pessoas que levavam fé em que meus bebês nasceriam perfeitos e com saúde eram meu marido e eu. E claro, minha família no Brasil. Porém, como eles estavam longe, era um tanto difícil para mim sentir esse apoio.
Leia também: O sonho de ser mãe e a depressão pós-parto
A única consulta que me fazia bem eram as ecografias: o médico era super legal, me deixava à vontade. Ele não me tratava como um caso à parte, mas como uma grávida igual a todas as outras. E sempre me dizia coisas positivas! Se os fetos eram menores que o tamanho de outros fetos com o mesmo número de semanas de gestação, ele explicava que era normal, visto que eles eram três a brigar pelo mesmo espaço. Se ao ouvir os coraçõezinhos, um dentre eles era menos audível, explicava que era normal. Tudo dependia da posição em que cada um se colocava na barriga. E no final de cada consulta, sempre me dizia que tudo estava indo perfeitamente bem. Tudo dentro da normalidade para uma gestação múltipla.
Sage-femme pas trop sage (Doula não muito sábia)
Mas além do ultrassonografista, eu também tinha consultas frequentes com a minha ginecologista e com uma “sage-femme“. Trata-se essa de uma profissional da área obstétrica, que acompanha as futuras mães durante toda a gestação. É competente para realizar apenas partos normais (essa profissão será tema do meu texto de dezembro).
No meu caso, eu já sabia de antemão que o meu parto seria feito pela ginecologista chefe do serviço de obstetrícia. Entretanto, algumas consultas de acompanhamento eram com a sage-femme. Nem sempre eu me consultava com a mesma profissional. Um dia, uma delas, após me examinar, começou a dizer que os bebês estavam subdesenvolvidos. Disse que certamente eu teria que começar a tomar medicação para acelerar o desenvolvimento dos pulmões etc., etc. Saí da consulta a-pa-vo-ra-da!
Tive a presença de espírito de telefonar para o médico ultrassonografista. Ele na hora me tranquilizou: “Não se preocupe. Uma sage-femme não deveria dizer esse tipo de coisa numa situação dessas e ela não tem condição de diagnosticar o que quer que seja no seu caso. Fique calma, fui eu que fiz todas as suas ecografias e afirmo que não há nada de errado com seus bebês.” Renasci após esse telefonema. Fiquei com muita raiva da moça que me falou todos aqueles absurdos. E, claro, aumentei em mais um ponto meu capital ansiedade/medo.
Solidão, receios, hospitalização
Durante toda a gravidez fiquei muito sozinha. Devia repousar muito, meu marido trabalhava, minha família estava toda longe… Eu passava os dias em casa, sem companhia. As minhas únicas visitas eram justamente uma sage-femme (mas essa, muito simpática, positiva) que passava uma vez por semana para monitorar os corações dos bebês, e uma enfermeira em puericultura (também muito empática e agradável) que às vezes me acompanhava nas consultas. E uma ou outra amiga que passava para tomar um café. Entretanto, como todas trabalhavam, essas visitas eram menos frequentes. Essa solidão, a minha condição de grávida “doente” que precisa repousar e a distância da família foram criando um clima propício à ansiedade e à tristeza.
A hospitalização
Aos seis meses de gravidez fui hospitalizada com contrações. Não saí mais do hospital até o nascimento dos bebês, com 32 semanas de gestação. Esse período acrescentou muito medo e ansiedade ao meu estado já bem fragilizado. Depois do parto, ocorreu uma sucessão de eventos que só contribuíram para me fragilizar ainda mais: o nascimento prematuro, ver minhas filhas somente no dia seguinte, vê-las dentro da incubadora, não poder amamentá-las, ficar longe delas grande parte do dia…
Ainda no hospital, quando eu tentava em vão amamentar durante minha estada de duas semanas morando na unidade mãe/filho* (leia meu texto sobre isso aqui) comecei a ter momentos depressivos, principalmente à noite. Escondia-me no sono, para não ter que dar mamadeira ou ouvir o choro das meninas. Eu ficava em um quarto separado delas para poder descansar. As enfermeiras vinham me chamar quando era hora de dar mamadeira, trocar ou dar banho. Um dia, quando vieram me avisar que estava na hora de fazer alguma dessas três coisas, desatei no choro. Muito compreensivas, elas me explicaram que era normal sentir-me apavorada diante da minha nova realidade de mãe de três bebês prematuros. Tranquilizaram-me propondo-se a cuidar delas enquanto eu não me sentisse capaz.
Durante as duas semanas em que permaneci na unidade, recebi visita diária de uma psiquiatra. Pude escolher entre descansar ou cuidar das minhas filhas, conforme me sentisse ou não em condições físicas e psíquicas para isso.
A volta para casa
Quando voltamos para casa, após quase dois meses de hospital, meus nervos estavam à flor da pele. Eu tinha medo de tudo: de enfrentar uma maternidade de três de uma vez, de não conseguir, de não ter vontade de conseguir…

E na cama, após dar de mamar às três… (Fonte: Arquivo pessoal)
Muito rapidamente a depressão pós-parto foi se instalando e eu simplesmente não tinha forças para sair da cama pra nada. Nem pra comer, nem pra ver minhas filhas. Aliás, retifico: eu tinha vontade apenas de vê-las, mas não conseguia imaginar trocar uma fralda ou dar uma mamadeira. Mesmo segurá-las cinco minutos estava acima das minhas forças.
Eu sentia uma canseira secular, como se tivesse segurado o mundo nas minhas costas durante muito tempo e que o peso de uma pluma pudesse me derrubar. Minha mãe, minha irmã caçula, meus sogros e meu marido estavam ao meu lado nas primeiras semanas logo que voltamos com elas do hospital. Foram eles que cuidaram das meninas nesse período. Eu me lembro de descer do meu quarto, e ainda nas escadas ver a cena das minhas filhas no colo de um e outro e me sentir totalmente impotente, incapaz de fazer o que as outras mãos faziam por mim. E subia de novo, mortificada. Deitava e dormia.
Ajuda que caiu do céu
Graças ao sistema público de saúde daqui que é muito bom (tem suas falhas, claro, mas considero muito bom) pude beneficiar-me de visitas domiciliares de um psiquiatra e de uma enfermeira. Ele prescrevia os remédios, ela conversava e tentava me tirar a culpa dos ombros. Porque além de estar deprimida, eu ainda tinha que lidar com uma culpa monstruosa de não sentir vontade nem capacidade de cuidar das minhas próprias filhas!
Não consigo lembrar ao certo quanto tempo levou para que eu saísse do fundo do poço. Talvez um mês e meio. Devo ter experimentado três remédios diferentes até dar certo. Minhas filhas nasceram no dia 12 de setembro. Foram para casa no fim de outubro. Lembro-me que passei a noite de Natal de pijama… ainda estava em plena depressão pós-parto.
Tá, e o fim dessa história?
Quando eu estava no começo da gravidez, contei a boa nova a um casal de amigos e eles me falaram do tal baby-blues. Lembro-me de que achei estranho falar de um sentimento negativo a uma grávida, como que antecipando uma coisa ruim. E pensei que comigo isso nunca iria acontecer, afinal estava tão feliz com minha gestação múltipla! Só que depressão pós-parto não é falta de amor, nem falta de vontade, nem falta de o que quer que seja.
A depressão é uma avalanche que nos pega desprevenidos e nos derruba, e não nos deixa levantar. Não bastam força de vontade e uma palavra amiga para sair debaixo dela. É preciso muito mais. Primeiramente é preciso reconhecer a doença ou o estado depressivo. E depois é preciso aceitar que se está doente ou em estado de depressão.
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Não sou especialista no assunto, a bem da verdade nem leio muito sobre, tenho um receio estranho de contagiar-me pelas palavras. O que sei é que a depressão (e a depressão pós-parto) pode ter causas físicas e psicológicas. É preciso procurar ajuda médica, psicológica e recorrer a todo o apoio de amigos e da família que se puder.
Não sei se é possível evitar a depressão pós-parto. Mas aprendi que é preciso ficar atento a seus próprios pensamentos, às crenças que alimentamos, à nossa rotina, a quem e ao que nos cerca. Toda avalanche acontece quando o terreno é propício.
Essa história ainda não teve fim. Porque de acordo com o que me disse um médico (e por experiência própria acho que é verdade), quem já sofreu de depressão fica de certa maneira mais vulnerável. Um evento triste, ou muito impactante, pode desencadear outra crise. Então continuo tomando um antidepressivo, numa dosagem bem fraca, mas que me impede, de certa forma, de abrir a guarda à depressão. E tento me observar, me conhecer melhor, mudar o que posso, para viver bem.
* Unidade mãe-filho: quarto para a mãe, na maternidade, contíguo ao do bebê, destinado às mães com dificuldade de acolher o filho, com dificuldade de estabelecer um vínculo afetivo. No meu caso, foi-me indicado pelo fato de eu estar apresentando sintomas de depressão e pela carga de precisar acolher três bebês de uma vez. Fiquei durante duas semanas na unidade mãe-filho. Esse serviço facilita a transição entre o hospital e a volta para casa. Durante a estada na unidade, as mães aprendem a se organizar na nova rotina com o bebê, e ganham um pouco de tempo para se recuperar antes de deixar o hospital.
6 Comentários
[…] As sages-femmes também intervêm em caso de gravidez de risco e gestação múltipla, em todas as etapas já mencionadas. Mas o parto, então, é realizado pelo obstetra. No meu caso, por exemplo, que soube desde o início que estava esperando trigêmeos, a cesariana foi decidida na primeira consulta com a minha ginecologista. Mas, além das consultas com ela, periodicamente uma sage-femme (enfermeira obstetra) realizava o monitoramento, pedia exames, fazia visitas domiciliares, conforme já relatei no texto que pode ser lido aqui. […]
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