Conexão, autorresponsabilidade e presença: lições da quarentena por uma mãe
A quarentena trouxe à tona muitas questões sobre a nossa saúde mental. Estamos vivendo um período difícil, que agravou muitas questões que já estavam dentro de nós. Mas o “mundo exterior” conseguia nos distrair e nos desconectar momentaneamente delas.
Quando nos vimos presas em nossas casas, sem ter uma rotina que nos levasse para fora o tempo todo, ficamos sem saber lidar com tudo o que já sentíamos, com todas as questões que já estavam em nós. Penso que para a maioria a quarentena apenas agravou ou trouxe à superfície questões que escondíamos tão bem, que nem nós mesmas sabíamos que existiam ou a sua gravidade.
Por um lado, passamos a nossa vida cumprindo tarefas: levar as crianças para à escola, para às atividades, ir ao mercado, lojas… Por outro, quando ficamos sozinhas temos que cozinhar, lavar, arrumar a casa, trabalhar. Quando temos um tempo livre saímos para nos divertir, passear e encontrar amigos.
Conexão
Mas quando foi a última vez que você se sentou sozinha? Sem distrações, sem lista de tarefas, sem atividades e se conectou com você mesma? Muitas de nós têm a crença de que ficar sozinha não é bom. Ligamos isso à solidão e ficamos desconfortáveis quando temos somente a nossa presença.
O que temos medo de sentir quando fazemos isso? Do que estamos fugindo?
A pandemia nos trouxe a oportunidade de diminuir o ritmo e parar de fugir “para fora”. Provavelmente nos sentimos mais cansadas e estressadas, pois não nos permitimos seguir o novo ritmo da vida. Sempre colocamos problemas, empecilhos e damos peso para situações que poderiam ser encaradas de forma mais leve.
Estou falando muito por mim e minha experiência (mãe de duas crianças, de quatro e seis anos com todas as dificuldades de uma mãe expatriada). Entretanto, se você pensou: “ela não sabe o que fala”, tudo bem. Só faço um convite à reflexão de como você lidou e encarou os desafios da pandemia.
Autorresponsabilidade
Sou a favor da autorresponsabilidade. Isso não significa que não existam fatores externos relevantes, mas que sempre podemos escolher como lidamos e reagimos às situações. Essa é a nossa responsabilidade. Por isso é importante sair do lugar de vítima dos acontecimentos e assumir o papel de autoras de nossas vidas.
Sem responsabilidade nossa vida não se transforma. Responsabilidade gera movimento, um agir consciente”.
E o que você pode fazer hoje para se sentir melhor? Do que você precisa? Quais são as ações que você deve tomar para suprir as suas necessidades? Como você pode se comunicar amorosamente para que as suas vontades e necessidades sejam atendidas? Como reagir de forma diferente à determinada situação? Quais são os pensamentos que estão te atrapalhando?
Esses são alguns exemplos de questionamentos que uso no meu programa de coaching para nos ajudar a ter autorresponsabilidade por nossas vidas.
Presença
Outra questão sobre a qual refleti bastante foi que o mal do século é não vivermos a nossa vida em sua plenitude, pois estamos apenas passando por nossas vidas sem realmente viver. Assim, vivemos no automático, apenas riscando as tarefas de uma interminável lista.
Para mim, viver no automático é viver no ontem (culpa, frustração, cobrança, mágoa) ou no amanhã (medo, ansiedade, angústia, escassez – nunca temos ou fazemos o suficiente). É não viver o que está acontecendo em nossas vidas agora. Dessa forma, quando fazemos isso nos desconectamos completamente de nós mesmas, das nossas emoções e da nossa própria vida.
O nosso cérebro é programado para evitar situações ou sentimentos que nos causem dor ou sofrimento. Por isso, quando sentimos raiva, frustração ou medo, nós fugimos e não nos permitimos realmente sentir e lidar com esses sentimentos. Nós temos a ideia de que não podemos/devemos sentir coisas ruins, pois não seremos felizes.
Fomos ensinadas que felicidade é estar sempre feliz, se sentindo bem e não ter problemas. Entretanto, se pararmos para refletir por alguns segundos veremos que isso não é possível.
Esse é justamente o desafio. Somos luz e ao mesmo tempo somos sombra. Se não sentirmos esses sentimentos desconfortáveis, também não reconheceremos e não nos conectaremos com os sentimentos de alegria, paz, gratidão e amor.
Quando vivemos com essa desconexão, principalmente com aqueles sentimentos que consideramos ruins ou perigosos, nos desconectamos também da beleza e da alegria de viver e passamos os nossos dias no piloto automático.
“Muitas pessoas estão vivas, mas elas não tocam o milagre que é estar vivo”. Thích Nhất Hạnh
Um convite
Meu convite para vocês hoje é: conecte-se com você e com seus sentimentos. Permita-se ficar alguns minutos do dia em sua companhia, apenas observando seus pensamentos e sentimentos, sem julgamento e com compaixão.
Tenha autorresponsabilidade e tome as ações necessárias para viver uma vida mais leve e conectada.
Permita-se sentir prazer com os pequenos detalhes e momentos de sua vida. Um sorriso sujo de feijão. Uma dança na sala. Um abraço apertado ao meio do dia. O vento batendo nas árvores, o passarinho cantando. Cheiro de café pela casa… A vida tem muita coisa a ser apreciada e vivenciada.
Viva. Não passe por sua vida.
Um grande abraço, Talita
2 Comentários
Ótima reflexão Talita. Autorresponsabilidade de fato é uma habilidade que pouco exploramos e vivenciamos, enquanto mulheres, mães, e em uma sociedade patriarcal. Tendemos a colocar padrões e metas quase inalcançáveis ao invés de termos compaixão conosco e trazer mais leveza pro dia a dia. Parabéns pelo texto!
Lívia, você resumiu perfeitamente a mensagem do texto! Muito obrigada pela troca!