De acordo com a Organização Mundial da Saúde (OMS), toda criança tem direito à saúde e à vida longe da violência. Porém, devido a alta prevalência e aos prejuízos que provoca no desenvolvimento psicossocial da vítima e de seus familiares, o abuso sexual contra crianças e adolescentes tem sido considerado um problema de saúde pública em vários países, incluindo o Brasil. Este mês falarei mais sobre o assunto e esclarecerei alguns pontos importantes.
O que é abuso sexual infantil
O pediatra polonês C. Henry Kempe foi o primeiro na comunidade médica a identificar o abuso infantil na década de 60. Kempe afirmou que o abuso sexual infantil ocorre quando uma criança é submetida à atividade sexual a qual não possa compreender, com a qual ela tem o desenvolvimento incompatível, e que não possa dar consentimento e/ou que viole as leis ou as regras da sociedade.
Entre as formas de abuso sexual infantil está: pedir ou pressionar a criança a se envolver em atividades sexuais; exposição indecente dos órgãos genitais para uma criança com a intenção de satisfazer os seus próprios desejos sexuais, ou para intimidar ou aliciar a criança; ter contato físico sexual com uma criança; e/ou usar uma criança para produzir pornografia infantil.
Impacto do abuso sexual
O abuso sexual infantil é considerado importante fator de risco para vários problemas de saúde na infância e na vida adulta, que impactam a saúde física e principalmente psicológica das vítimas, podendo desencadear psicopatologias, como quadros de depressão, transtornos de ansiedade, alimentares, dissociativos e transtorno do estresse pós-traumático.
Ademais, as vítimas podem apresentar alterações comportamentais, cognitivas e afetivas, tais como sentimentos de culpa, diferença em relação aos pares, desconfiança, conduta hipersexualizada, baixo rendimento escolar, abuso de substâncias, ideações ou tentativas de suicídio, fugas do lar, isolamento social e irritabilidade.
Como identificar o abuso sexual em uma criança
Geralmente, não é apenas um sinal, mas um conjunto de indicadores. Dentre eles estão:
– Mudança de comportamento
O primeiro sinal a ser observado é uma possível mudança no padrão de comportamento das crianças, que ocorre de maneira repentina e brusca.
Por exemplo, se a criança começa a apresentar medos que não tinha antes – do escuro, de ficar sozinha ou perto de determinadas pessoas; ou então mudanças extremas no humor – a criança era sociável e passa a ser introvertida, era calma e tranquila e passa a ser agressiva.
A mudança de comportamento também pode se apresentar com relação a uma pessoa específica, com comportamentos como rejeição ou pânico ao estar próxima a essa pessoa. Em outros, a rejeição se dá em relação a uma atividade. A criança não quer ir a uma atividade extracurricular, fazer uma visita ou mesmo voltar para casa depois da escola.
Alterações de comportamentos sociais como passar a querer ficar isolada, não ficar perto dos amigos, não confiar em ninguém ou fugir de qualquer contato físico, também podem ser preocupantes.
– Proximidade excessiva
Ao contrário da rejeição, a proximidade excessiva também pode ser um sinal. Nessas relações, muitas vezes, o abusador manipula emocionalmente a vítima, e vai envolvendo a criança para ganhar confiança e fazer com que ela não conte, que nem sequer perceba estar sendo vítima naquela etapa da vida, o que pode levar ao silêncio por sensação de culpa.
– Regressão
Outro indicativo é o de recorrer a comportamentos infantis que a criança já tinha abandonado, mas volta a apresentar de repente. Coisas simples, como fazer xixi na cama ou voltar a chupar o dedo. Ou ainda começar a chorar sem motivo aparente.
– Segredos
Para manter o silêncio da vítima, o abusador pode fazer ameaças de violência física e promover chantagens para não expor fotos ou segredos compartilhados pela vítima.
É comum também que usem presentes, dinheiro ou outro tipo de benefício material para construir a relação com a vítima. É preciso também explicar para a criança que nenhum adulto ou criança mais velha deve manter segredos com ela que não possam ser compartilhados com adultos de confiança, como a mãe ou o pai.
– Hábitos
Uma criança vítima de abuso também apresenta alterações de hábito repentinas. Pode ser desde uma mudança na escola, como falta de concentração ou uma recusa a participar de atividades, até mudanças na alimentação e no modo de se vestir.
A mudança na aparência pode ser também uma forma de proteção encontrada pela criança, como por exemplo, passar a vestir-se com roupas largas. Mudanças no padrão de sono da criança também podem ser um indicativo de que algo não anda bem.
– Questões de sexualidade
Um desenho, uma “brincadeira” ou um comportamento mais envergonhado podem ser sinais de que uma criança esteja passando por uma situação de abuso.
Por exemplo, uma criança que nunca falou de sexualidade começa a fazer desenhos em que aparecem genitais; a criança chama os amiguinhos para brincadeiras que têm algum cunho sexual ou reproduz o comportamento do abusador com outras crianças.
O uso de palavras diferentes das aprendidas em casa para se referir às partes íntimas também é motivo para se perguntar à criança onde ela aprendeu tal expressão.
– Questões físicas
Há também os sinais mais óbvios de violência sexual em menores. Casos que deixam marcas físicas, como traumatismos físicos, lesões que possam aparecer, roxos, dores e inchaços nas regiões genitais.
O que fazer?
Caso identifique um ou mais dos indicadores listados acima, converse com a criança e procure ajuda de um especialista que possa trazer a orientação correta para cada caso.
Muitas das características apresentadas são semelhantes às de um adolescente em desenvolvimento, por isso também a importância de um especialista, como um psicólogo.
Muitas vezes por se sentir culpada, envergonhada ou acuada, a criança acaba não revelando verbalmente que está ou que viveu uma situação de abuso. Mas há situações também em que ela tenta contar para alguém e acaba não sendo ouvida. Por isso, o principal conselho é confiar na palavra dela.
Ao perceber esses sinais, os pais devem agir com muito afeto, buscando descobrir o que está acontecendo com a criança ou com o adolescente. Isso nunca deve ser feito de forma punitiva. Identificado o abuso ou a violência sexual, o caso deve ser denunciado aos órgãos competentes.
Educação aberta
Falar abertamente com os filhos sobre o corpo e mostrá-los os pontos vulneráveis e perigosos faz com que a criança possa confiar nos pais e se sinta à vontade para falar sobre o assunto.
Ao falar sobre abuso sexual é preciso usar uma linguagem adequada para cada idade e ser claro, evitando termos abstratos. Inicialmente a criança aprende que violência é algo muito concreto, que causa dor física: um beliscão, uma palmada, um puxão de cabelo. Logo, quando se fala de violência sexual, é preciso mostrar concretamente como ela pode acontecer.
É importante que a criança saiba o que são partes íntimas, assim como identificá-las. Assim como conversar sobre os aspectos positivos das interações e convivência para que a mesma saiba o que é uma demonstração de amor e carinho e o que é abuso.
1 Comentário
Adorei o texto! É um alerta para as famílias! Aqui em casa abordo o tema. Ensinei a frase Meu Corpo Minhas Regras. Você conhece algum vídeo legal para crianças sobre o tema?