Vacinas na Espanha e a Covid-19
Eu escrevo esse texto em 8/12/2020, talvez o dia mais esperado do ano. Dia que finalmente teve início a vacinação contra a COVID-19. A primeira pessoa a receber a vacina foi Margaret Keenan, uma senhora inglesa de 90 anos, que certamente já entrou para a história.
Porém, até essa pandemia, o que sabíamos sobre vacinas? Você é capaz de dizer a origem ou a marca de alguma vacina que o seu filho tenha tomado? Sabe dizer se existe mais de uma marca de vacina contra o sarampo, por exemplo? Eu confesso que não.
Hoje sabemos muito mais sobre vacinas, mas precisamos afastar o que é informação de qualidade, com base científica, do que é falso.
O que é uma vacina e para que serve?
A vacina é a forma mais eficaz para prevenir milhões de casos de doenças, deficiências ou mortes.
São produtos biológicos constituídos por agentes patógenos (vírus ou bactérias que causam doenças) previamente atenuados ou mortos, ou por fragmentos desses agentes.
A função da vacina é estimular uma resposta imunológica do organismo, que passa a produzir anticorpos sem ter contraído a doença. Assim, cria uma memória imunológica, que é a produção antecipada de anticorpos especializados que reconhecerão o invasor, caso a pessoa seja infectada por ele. Dessa forma, a resposta à infecção real será mais rápida e eficaz. (Fonte texto do Dr. Drauzio Varella .).
Também há vacinas contra substâncias tóxicas, como o veneno de cobra ou alérgenos.
As vacinas podem ser aplicadas por meio de uma injeção, que é o mais habitual, mas também há vacinas que são ministradas por vaporizador nasal, ou ainda, por via oral.
Histórico das vacinas
A primeira vacina surgiu em 1796, fruto do trabalho de um médico inglês, Edward Jenner.
Ele observou que as pessoas que ordenhavam vacas e se contaminavam da varíola bovina, tornavam-se imunes à varíola humana.
Diante dessa observação, Jenner inoculou o pus presente em uma lesão causada pela varíola bovina em um garoto de oito anos. O garoto adquiriu a infecção de forma leve e, após dez dias, estava curado. Posteriormente, o médico inoculou no garoto o pus de uma ferida causada pela varíola humana, e o garoto nada sofreu.
Um tanto chocante, não? Utilizar uma criança de 8 anos como cobaia. Saiba mais em Brasil Escola.
O termo vacina relaciona-se à descoberta de Jenner. Tem origem no latim, vaccinus, que significa “derivado da vaca”.
Já no Brasil, a história da vacina teve um início bastante conturbado. Em 1904, o Rio de Janeiro, capital da República, sofria gravemente com a falta de saneamento básico, o que desencadeava uma série de epidemias, dentre elas a varíola. Francisco de Paula Rodrigues Alves, presidente na época, deu início a diversas medidas para melhorar o saneamento e reurbanizar o Rio de Janeiro. Ao seu lado estava o médico e sanitarista Oswaldo Cruz, que tentou resolver a epidemia com a chamada Lei da Vacina Obrigatória.
A obrigatoriedade da vacinação, somada à falta de informação sobre a eficácia e a segurança das vacinas causaram grande descontentamento na população, que já estava sofrendo com a reestruturação da cidade. Esse descontentamento culminou na conhecida Revolta da Vacina, promovida por três mil revoltosos entre 10 e 16/11/1904. Bondes foram tombados, trilhos arrancados e calçamentos destruídos. O “saldo” foi de 30 mortos, 110 feridos e 945 presos, e a revogação da obrigatoriedade da vacina. Mais dados históricos nesta publicação da Revista Super Interessante.
O que é o movimento antivacina?
Trata-se da relutância ou a recusa em se vacinar, apesar da disponibilidade da vacina. É um movimento tão relevante, que a OMS o classificou na lista das 10 maiores ameaças para a saúde global em 2019.
Esse movimento ganhou força em 1998 após a publicação de um artigo científico na revista Lancet, no qual o médico inglês Andrew Wakefield associou o aumento do número de crianças autistas com a vacina tríplice viral (contra sarampo, rubéola e caxumba).
Após o artigo gerar bastante confusão dentro e fora da Inglaterra, em 2010 o Conselho Geral de Medicina do Reino Unido julgou Wakefield “inapto para o exercício da profissão”, qualificando seu comportamento como “irresponsável”, “antiético” e “enganoso”. A revista Lancet teve que se retratar, afirmando que as conclusões do estudo eram “totalmente falsas”. Leia mais em Drauzio Varella e BBC.
Com relação à vacina contra a COVID-19, há a disseminação de inúmeras informações, muitas falsas ou sem lastro científico. Algumas realmente absurdas, baseadas em teorias da conspiração. E, parece que tem dado resultado (negativo, claro). Aqui na Espanha apenas um em cada três cidadãos deseja tomar a vacinar imediatamente. Os demais têm receio, preferem esperar ou afirmam que não vão se vacinar de forma alguma. Conheça todos os números da pesquisa aqui.
Há obrigatoriedade em vacinar-se ou de vacinar os filhos?
No Brasil, o ECA (Estatuto da Criança e do Adolescente) prevê: “Art. 14, § 1º É obrigatória a vacinação das crianças nos casos recomendados pelas autoridades sanitárias”.
Apesar da obrigatoriedade prevista no ECA, dificilmente há qualquer consequência no caso de não vacinar a criança. Em todas as regiões do país a cobertura vacinal caiu bastante nos últimos anos, e especialmente em 2020, com o medo de ir até o posto de saúde por conta da pandemia.
Para modificar esse cenário, no Estado de São Paulo por exemplo, foi sancionada uma lei em 2020 que prevê a obrigatoriedade da apresentação da carteirinha para matricular as crianças em colégios públicos e privados, com previsão de sanção. Veja maiores informações aqui.
Na Espanha as vacinas não são obrigatórias. Uma das justificativas é a de que mais de 95% dos menores de dois anos têm a carteirinha em dia, portanto não haveria a necessidade de torná-las obrigatórias. Porém, caso haja algum problema de saúde pública, a vacina pode se tornar imperativa. Um exemplo foi o surto de sarampo em Granada, em 2011, quando se expediu uma ordem judicial para vacinar todas as crianças. Leia mais aqui.
Em que pese a falta de obrigatoriedade, algumas Comunidades Autônomas (ex. Galícia e Castilha e Leão) exigem a apresentação da carteirinha de vacinação para matricular a criança em uma escola infantil pública. Em Barcelona tive que apresentar a carteirinha do meu filho para matriculá-lo na creche, mesmo sendo particular. Em Madri não houve essa exigência.
Como é o programa de vacinação na Espanha?
O calendário de vacinas na Espanha pode conter algumas diferenças em cada Comunidade Autônoma. E contém também algumas diferenças em relação ao calendário brasileiro. Por exemplo, aqui não se aplica a BCG e nem a vacina da Hepatite A.
Todas as vacinas do calendário oficial são gratuitas e aplicadas pelo enfermeiro responsável pela criança. Há vacinas fora do calendário que são pagas, como Meningite B e ACWY (a ACWY está no calendário da saúde pública a partir dos 12 anos), que podem ser compradas na farmácia e aplicadas pelo enfermeiro do serviço público, ou em clínicas particulares.
No caso do meu filho, que viaja ao Brasil com regularidade, podemos solicitar a aplicação de algumas vacinas. A Hepatite A pode ser aplicada sem custos no próprio centro de saúde. Outras, como a febre amarela, são oferecidas pelo Centro de Vacinação Internacional e pagas.
A campanha da gripe é muito parecida com a brasileira, abrangendo apenas os grupos de risco. Agora aguardamos a campanha da vacinação contra a COVID-19, com previsão de início para janeiro de 2021 (atualização: a vacinação começou dia 27/12/2020. Os grupos prioritários podem ser conhecidos aqui).