Sistema de saúde no Reino Unido – Público ou Privado?
Nunca achei que fosse dizer isso, mas o sistema público de saúde do Reino Unido, o NHS, salvou a vida da minha filha.
Assim como seu irmão, minha filha nasceu em junho na ala privada de um hospital público daqui de Londres, o Chelsea Westminister Hospital. Logo que descobri que estava grávida, fiquei na dúvida se devia ter a criança aqui ou no Brasil e, ao decidir que seria aqui, se faria o parto através do NHS ou optaria pelo sistema privado sob a supervisão de um obstetra. Por conta de problemas de infertilidade, meu marido e eu batalhamos muito para ter nossos dois filhos, portanto queríamos ter a certeza de que um médico nos acompanharia do início até o fim da gravidez, então optamos pelo parto via obstetra num hospital que tivesse uma excelente UTI neo-natal.
Pediatras e o susto
No Reino Unido a grande maioria das mulheres têm filhos nos hospitais públicos e as crianças não têm pediatra – são acompanhadas por um “GP,” uma espécie de clínico geral que trabalha no bairro onde a família mora. Mais uma vez pintou a dúvida: as crianças terão ou não um pediatra? Como faríamos caso estivéssemos no Brasil? Decidimos que, assim como fizemos com o nosso filho mais velho (3 anos), ela teria um pediatra para acompanhar o seu desenvolvimento e para caso de urgências, mas tomaria vacinas via NHS, já que são gratuitas.
Ao completar 4 semanas, marcamos consulta com o pediatra para apresentá-la e também para ver se havia algo de errado, já que ela ainda estava bem amarelinha. Ao vê-la, o pediatra pediu exames de sangue e urina para se certificar de que não havia nada de errado com os rins dela. Lembro-me como se fosse hoje: no dia 1° de agosto fizemos os exames e no dia seguinte, ela queimava de febre, não mamava e só queria dormir.
A emergência pública
Por recomendação do pediatra, por conta da temperatura elevada, fomos para a emergência do hospital público próximo a nossa casa, o Royal London Hospital e, como ela só tinha 4 semanas, passamos na frente de todo mundo para fazer o que eles chamam de triagem, onde são feitos alguns exames simples. Em questão de minutos, 2 médicos e 3 enfermeiras estavam a nossa volta.
Em função da moleza, febre alta e taquicardia, inicialmente os médicos acharam que ela estava com meningite, portanto fizeram punção lombar (uma cena de partir o coração), pediram cultura de sangue e urina e já iniciaram tratamento via antibióicos. Ao ouvir meningite o meu coração disparou. Eu chorava de desespero e principalmente por medo de me encontrar num hospital público numa situação dessas.
Na minha cabeça, só um hospital privado poderia cuidar da minha filha. Com meu filho, no seu 1° ano de vida, praticamente todo mês atravessava a cidade de leste a oeste para levá-lo no hospital privado para ver o pediatra. Como assim minha bebê recém-nascida ficaria internada com suspeita de meningite num hospital público? Mas não podia fazer nada, só aguardar.
Na tarde do dia seguinte, um dos pediatras do Royal London veio nos ver e nos dar a notícia de que ela estava com uma bactéria chamada MRSA no sangue e que o caso era muito sério, não só pela idade dela, mas principalmente por conta da natureza da bactéria. Eu nunca tinha ouvido falar nessa bactéria, mas o MRSA, também conhecido como “superbug”, é uma bactéria comum em hospitais, muito resistente aos antibióticos normais e no Reino Unido há tolerância zero para essa bactéria, já que ela está associada à falta de higiene por parte dos hospitais.
Público ou privado?
O curioso é que a contaminação no sangue só poderia ter acontecido caso ela tivesse sido operada (o que não foi o caso) ou no momento em que fizemos o exame de sangue (no hospital privado). Como? Contaminação no hospital privado? Sim… aconteceu. Infelizmente aconteceu.
Por 12 dias fiquei acordada ao lado da minha filha, chorando, rezando e torcendo pela sua recuperação. Coitadinha, tão pequena, cheia de agulhas nos braços, monitores, exames, exames e mais exames.
Durante esse período, conheci grandes médicos, vi equipamento de última geração sendo usado para examinar minha filha, ficamos numa ala só para crianças do hospital, extremamente moderna e recebemos muito carinho. No 13° dia tivemos alta e voltamos para casa; saí do hospital chorando muito de alívio e ao mesmo tempo, com lágrimas de gratidão àquela equipe fenomenal e ao NHS.
E o balanço final…
Sempre fui muito crítica do NHS por conta da espera interminável na emergência, por conta do atendimento impessoal que recebi diversas vezes no GP do meu bairro, por preconceito, por falta de informação. Nunca achei que fosse dizer isso, mas o NHS salvou a vida da minha filha e serei para sempre grata e também defensora do sistema.
A real é que em um país como o Reino Unido, onde os impostos recolhidos são de fato destinados à saúde e à educação, o sistema funciona. No caso do NHS, aprendi que quando o caso é sério, não há lugar melhor do que o NHS. E o melhor de tudo… o NHS é para todos!
Que bom que depois de 10 anos morando em Londres continuo encontrando razões para gostar ainda mais desse lugar e tendo surpresas agradáveis. São muitos os contrastes com o Brasil, principalmente no quesito criar filhos no exterior versus Brasil.
8 Comentários
Ola, Joana!! Amei seu relato. Ao contrario de voce, me joguei de corpo e alma no sistema publico daqui. Mesmo com todo ranso que trazemos do Brasil. O meu caso talvez influenciada por meu esposo que nasceu e cresceu aqui na ilha. So tenho a agradecer ao NHS tambem, apesar de, como bem falou, o sistema ter suas falhas- Os GPs deixam muito a desejar- mas, mesmo assim, ainda vale a pena recolher os impostos carissimos aqui no Reino Unido. Sucesso!!
Nossa Joana, que loucura que vode passou, nao posso nem imaginar. Me identifiquei muito com seu texto em varios aspectos. Tambem moro na Inglaterra ha 10 anos e com a experiencia a gente percebe que no final das contas o NHS e maravilhoso, mesmo com todos seus problemas.
Joana, fico feliz em saber que tudo terminou bem. No fim das contas, não importa onde ou como, a gente só quer que os nossos filhos fiquem bem! Eu moro na Inglaterra também. Tive uma complicação no meu segundo parto. E agradeço demais a eficiência dos médicos do NHS. Literalmente salvaram as nossas vidas. Eu fiz tudo pelo público nas duas gravidezes e fui muito bem atendida. 🙏 Muito bom pensar que todos, independente da situação econômica, tem um atendimento emergencial de ponta quando precisam.
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Olá Joana!
acabei de me mudar para a Inglaterra e ainda não temos um GP. Ainda vamos marcar consulta, mas por ex, se vc não gostou do GP não dá para trocar?
Quanto ao NHS, a pediatra das minhas meninas no Brasil falou que é ótimo! E ele foi a inspiração para o SUS no Brasil! Só que lá não funciona direito pq como bem sabemos sempre tem alguém querendo desviar verba e quem paga é o cidadão…
[…] quiser conhecer mais sobre o serviço público inglês, leia aqui e […]