O sistema de saúde francês
Morando no Brasil ou no exterior, estando em casa ou viajando de férias, a saúde é sempre um tópico presente no nosso dia a dia. E se ficarmos doentes na viagem? Qual remédio levar? Como funciona o sistema de saúde lá? Essas e muitas outras perguntas passam em nossas mentes quando falamos de mudanças e viagens, e este mês falarei como funciona aqui na França. Aqui no Mães Mundo Afora já foi abordada a gravidez e preparação para o parto na França, mas eu vou dar um panorama geral do sistema.
Aqui o sistema de saúde predominantemente é público: o estado custeia a maior parte dos seus gastos com médicos, hospitais, farmácias etc. Existem regras bem específicas para essa cobertura, cada área tem taxas de cobertura diferentes, mas até 80% dos gastos são reembolsados. Aqui, diferentemente do Brasil, a parcela da população com planos particulares é pequena.
Quando falo de planos particulares, me refiro a planos que cobrem integralmente os gastos do seu segurado, pois aqui temos um seguro saúde complementar, que dependendo do plano feito, garante que os seus gastos sejam cobertos integralmente.
Para ser elegível à utilização do sistema de saúde francês, é preciso estar inscrito na Sécurité Sociale, tendo um número de identificação próprio e mensalmente um valor descontado do seu holerite para a mesma. A França é reconhecida pelos seus investimentos na área social, e seus auxílios e coberturas à população, e com a saúde não é diferente: cerca de 10% de seu PIB é destinado a isso.
Quem tem direito?
A Sécurité Sociale é a entidade governamental responsável pela gestão de recursos para a população nas áreas de saúde, acidentes, velhice e família. Quem tem direito a se inscrever nela, além dos franceses obviamente, são os trabalhadores e estudantes estrangeiros legais no país.
Para os trabalhadores, geralmente a inscrição na Sécurité Sociale é feita pelo empregador, mas caso isso não aconteça, é necessário que você se responsabilize pelo processo. Para os estudantes, o processo é diferente dependendo da idade, sendo 28 anos o divisor: antes dessa idade, a inscrição é feita no momento da inscrição na universidade através das mutuelles étudiantes (seguro complementar); após, deve-se contratar um seguro de saúde pessoal.
Para se inscrever na Sécurité Sociale é necessário ir à uma CPAM (agência da Assurance Maladie) e preencher o formulário de inscrição e fornecer os documentos pedidos (original e cópia). Os documentos necessários são: passaporte (primeira página, visto e nº OFII); contrato de trabalho; primeira folha de pagamento (em caso de trabalhador estrangeiro); certidão de nascimento original e traduzida por um tradutor juramentado na França e Relevé d’Identité Bancaire – RIB (número da conta bancária na França).
Para imigrantes ilegais, a França dispõe de um serviço chamado Aide Médicale de l’État (AME). Para usufruir da AME, é necessário se registrar em uma das agências de Assurance Maladie, ser estrangeiro, residir na França a mais de três meses e comprovar recursos financeiros insuficientes.
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Além da cobertura do governo, aqui podemos optar por um seguro saúde complementar, chamado mutuelle. Esse seguro complementar visa garantir um reembolso maior dos serviços de saúde, e dependendo do plano, o reembolso é integral. Aqui na França, os serviços mais caros, em geral, são os dentários e óculos e próteses.
Caso você sua condição financeira seja delicada, o governo francês instituiu a Couverture Maladie Universelle (Cobertura Universal de Doenças), a CMU- . A CMU permite que os gastos de saúde e acidente de pessoas com poucos recursos sejam cobertos integralmente pela Sécurité Sociale, não sendo necessária a mutuelle. (Em 1 de novembro de 2019 esse serviço foi renomeado para Couverture Santé Solidaire (Cobertura Solidária de Saúde).
Cartão de saúde
Assim que você se inscreve na Sécurité Sociale, você recebe o seu número de identificação e via carta ou app, deve solicitar seu Carte Vitale: seu cartão de identificação para uso em consultas, compras em farmácia e todos os outros serviços de saúde. Para requisitar este cartão é necessária uma foto para documentos e uma cópia do documento de identidade. Ele será entregue via correio em seu endereço.
Aqui na França, você deve declarar um “médico de família”, o médécin traitant. Esse médico será um generalista e responsável principal pelos seus cuidados de saúde, ele será o primeiro contato em qualquer necessidade (exceto emergências). É necessário declarar à CPAM quem é o seu médico, e caso não faça, suas taxas de reembolso será bem menores. Esse médico é responsável pelo encaminhamento para outras especialidades.
Para informar seu médico à Assurance Maladie, ambos devem preencher um formulário declarando a escolha e enviar via correio à CPAM responsável.
Só em quatro especialidades se é permitido a consulta diretamente, e em casos específicos: ginecologista (rotina, contraceptivos e gravidez), oftalmologista (óculos e lentes de contato, acompanhamento e glaucoma), psiquiatra (pacientes entre 16 e 24 anos) e estomatologista.
Como funciona o reembolso
Como dito anteriormente, o governo reembolsa boa parte dos gastos com saúde. Então vamos esclarecer duas coisas: não é totalmente gratuito, e sim, você paga no momento que utiliza, mas recebe o valor a que tem direito pouco tempo depois.
Aqui os médicos têm intervalos de tarifas padronizadas, sendo divididos em secteurs (setores). Em geral, a consulta com um médico generalista é 25€.
Caso você tenha declarado seu médécin traitant (médico generalista), e se consulte com o mesmo, o reembolso da consulta será de 70% – 1€ de “tarifa administrativa”, ou seja, 16,50€. Caso não tenha declarado seu médico, o reembolso será apenas de 6,50€.
Essa lógica irá se aplicar a todas as consultas, exames laboratoriais e medicamentos, com cada um dos serviços tendo o percentual de cobertura bem definido e podendo ser consultado neste link. Não posso esquecer de mencionar que medicamentos só serão cobertos/reembolsados se tiverem receita.
Acessível a todos
O sistema de saúde na França é de alta qualidade, apresenta custos bem reduzidos para aqueles que utilizam (mas um grande custo ao governo) e é acessível a todos. A única parte ruim em minha opinião é a obrigatoriedade de ir ao médécin traitant (médico generalista) todas as vezes que se tem alguma coisa, mas nada que desabone o sistema como um todo. Mas digo uma coisa, até a inscrição na Sécurité Sociale sair e você ter seu Carte Vitale (cartão), tudo pode ser bem burocrático… mas falo mais sobre isso mês que vem!
4 Comentários
Mônica acho também que o sistema aqui é muito bom, comparando por exemplo com o Brasil e EUA, estamos muito bem protegidos. Pena que não fugimos à regra, graças a espertinhos que aproveitam-se do sistema, a previdência tem sérios problemas de déficit e quem vai acabar perdendo são os usuários.
Com certeza! Fico triste ao observar a presença dos espertinhos aqui também… hunf!
[…] mês passado falei, de modo geral, como o sistema de saúde francês funciona – e falei sobre alguns conceitos que serão utilizados nesse texo. Nesse mês continuo nesse […]
Artigo bem informativo e interessante! Se alguém quiser saber mais sobre o assunto e complementar esta leitura: https://planodesaude.net.br/blog/plano-de-saude-para-estrangeiros/