Na parte 1 desse texto eu contei a primeira vez que precisei usar o sistema de saúde italiano. Eu precisei ir ao ginecologista apenas quatro meses e meio após minha mudança para cá. Ele me encaminhou ao seu colega que trabalhava no hospital da cidade para que ele examinasse uma massa de 10x13cm que havia encontrado no meu ovário direito com a ultrassonografia.
Eu, bem inocente, sem entender muita coisa, ainda tive a coragem de perguntar quando eu retornaria lá no consultório e ele simplesmente me disse: “acho que você ficará lá pelo hospital mesmo”.
O susto
Pois bem, examinada pelo doutor que já me aguardava (detalhe, descobri que ele e a outra médica que me examinavam eram o diretor e a vice-diretora da ginecologia do hospital da cidade), ele me disse numa manhã básica de quinta-feira: “Faremos um corte aqui na sua barriga na próxima terça-feira. Encaminhe-se para aquela sala para fazer os exames de sangue e já agende aqui a sua tomografia com contraste (TAC) para amanhã. Se abrirmos e tiver como imaginamos, tiraremos apenas ovário e trompa, se for algo maligno levaremos também o seu útero. É grande, mas não parece feio!”
(Um minuto de silêncio para eu tomar fôlego e me recuperar.)
Até hoje eu não sei como eu entendi tudo que o médico me falava. Parece que tinha um anjo sussurrando em meus ouvidos. Saí daquele hospital tremendo e aos prantos. Entrei para uma simples ultrassonografia e já saí de lá com exame de sangue colhido, TAC agendada e cirurgia marcada! Já haviam inclusive me dado uma lista com itens que eu precisava levar para a internação e todas as instruções.
A insegurança
TAC realizada, resultados nas mãos, voltei ao médico. Ele me disse: “Temos uma boa notícia, é um cisto dermoide, benigno, e provavelmente removeremos apenas o ovário e trompa. De qualquer forma irá para biopsia posteriormente.”
Eu ainda em estado de choque, sem saber o que fazer, apavorada com a ideia de operar assim do dia para noite, comecei a contatar minha médica no Brasil e minhas amigas médicas, que foram me acalmando e me dando um suporte fenomenal. Cheguei a tentar procurar uma outra médica ginecologista particular aqui na cidade, mas pelo telefone ela já informou que os médicos que iriam me operar eram bravissimi (excelentes), os melhores.
Ainda assim, minha insegurança era absurda! Pensei em ir para o Brasil, pensei em não aparecer na operação, queria minha mãe que tinha acabado de ir embora, chorava. E para melhorar, o fim de semana que eu tive entre a notícia e a operação era o meu aniversário de 38 anos, o primeiro aqui na Itália. Que aniversário!

acervo pessoal
A operação
O dia chegou sem ao menos eu conseguir me decidir o que fazer e fui no vácuo. Deixei a vida me levar. Me internei, me aprontei e me subiram para o centro cirúrgico. Nunca mais me esquecerei. Eu deitada, vendo um monte de médicos e enfermeiras falando sem eu entender uma palavra. Eu apavorada, não parava de rezar e escorriam lágrimas dos meus olhos. Até que uma enfermeira percebeu e veio com um algodãozinho, uma gaze, não me lembro bem, e enxugou. A partir daquele momento de carinho dela eu fechei os olhos e apaguei.
Quando acordei já estava no quarto, que eu dividi com mais três mulheres que também haviam operado. Foram cinco dias no hospital. Passei muito mal na primeira e segunda noite. Tive queda de hemoglobina, acordava suando frio, sensação de desmaio, apertava a campainha na madrugada e vinha enfermeira, médico, todos de plantão me acudir.
A minha impressão
Uma coisa posso dizer com muita certeza, eu fui muito bem atendida. Não tenho absolutamente nada para reclamar quanto à minha experiência com o sistema de saúde italiano. Tanto a equipe médica, quanto as enfermeiras, o hospital, foram fantásticos. Eu fui muito bem tratada. Não só tecnicamente, mas com carinho. Quantas vezes eu chorei e a equipe tentava me entender, mesmo sem falarmos o mesmo idioma.
Sem contar que me surpreendi com tantas visitas que eu tive. Jamais esperaria por tanto carinho. Tive visita de vizinhos, da professora de italiano, da representante de classe da turma da minha filha, da proprietária da casa que eu moro e de uma amiga que eu recém tinha feito. Posso dizer que movimentei aquele quarto de hospital.
Voltei para casa na véspera de Natal. E pude festejar o nascimento de Cristo juntinho à minha família. Vocês não sabem o quanto eu tive medo e quanto eu desejei e rezei para estar ali de volta com eles. Até maquiagem eu passei e fiz questão de me sentar à mesa com eles para a ceia.
A experiência
Ah, o mais impressionante e o que todos sempre me perguntam: eu não paguei absolutamente nada pela operação. Até os remédios que eu tomei e a meia anti-trombose que eu usei foram dados pelo governo. Isso que nem imposto no país eu tinha pago ainda. Nem meus documentos estavam completamente prontos!
Toda essa experiência me serviu para logo cancelar nossos planos de saúde, os quais eu continuava pagando no Brasil por medo de um dia precisar. Passei a confiar plenamente na saúde pública italiana em quatro meses no país.
Fora essa minha experiência logo de cara, com dois anos de Itália meu marido também fez uma operação ortopédica grande, mas essa não foi assim de supetão como a minha. Como não havia urgência, entrou numa espera. O médico lhe disse que em um ano o chamariam para fazer. E assim foi. Com um ano de fila o chamaram, fez todos os exames no hospital especializado e operou. Também ficou cinco dias internado após a operação e dividiu o quarto com mais três operados. Assim como eu, também foi super bem tratado e também não pagou nada pela operação.
Existe sim burocracia, demora para algumas coisas, mas quando há a real necessidade, você é respeitado como cidadão, como ser humano. Costumo dizer que o sistema de saúde italiano é burocrático mas funciona.