Há alguns meses, contei aqui para vocês a história da Marcella, uma jovem ítalo-brasileira diabética, com o sistema de saúde italiano. Lembro-me que cheguei a comentar no final da história sobre eu também ter passado por uma experiência com o sistema de saúde italiano logo nos meus primeiros meses de residência na Itália. Porém, nunca o detalhei assim publicamente para vocês.
Já que este é um assunto, juntamente com adaptação escolar das crianças, sobre o qual mais recebo perguntas, resolvi dividir também a minha experiência com vocês.
A mudança
Em meados de julho de 2017, após uma chegada turbulenta, eu desembarquei na Itália com meus dois filhos, seis malas, sendo três de mão e três mochilas penduradas, rumo a encontrar meu marido, que já não via há alguns meses por ele ter vindo antes, na esperança de iniciarmos uma nova vida!
Deixamos para trás um pedaço de nossa história. Não posso dizer que não tínhamos uma vida confortável no Brasil, porque estaria mentindo. Vivíamos bem, trabalhávamos muito, tínhamos o conforto que toda família classe-média tem no país. Filhos estudavam em boas escolas particulares, tínhamos um bom plano de saúde, empregados domésticos, uma casa maravilhosa.
Entretanto, nos faltava algo que era de grande valor na nossa filosofia de vida: a liberdade! A liberdade de ir e vir sem medo, de criar os filhos soltos com segurança, deles poderem crescer num lugar onde podem viver fora de uma bolha.
A adaptação
Como chegamos em época de férias escolares, tivemos bastante tempo para passear, conhecer, organizar a nossa casa, deixar tudo habitável e confortável, como sempre foi o nosso lar. Passamos por início das aulas em setembro, toda a adaptação escolar das crianças e nossa também. Principalmente para mim, que antes de chegar aqui nunca tinha tido o contato com o idioma italiano. Iniciei meus estudos na língua, conheci pessoas.
No finalzinho de outubro, início de novembro, quando começamos a sentir a troca da estação, o clima esfriou e começou a bater aquela saudade… Chegaram meus pais para conhecer nossa nova casa e trazer o nosso cachorrão de 45 quilos! Foi uma alegria para nós, nos dando uma injeção de ânimo.
Entretanto, mal eles partiram e eu comecei a sentir a minha “primeira onda de saudade louca”! Foram alguns poucos dias de chororô por aqui. Mas também foi quando passei a entender que é possível conviver bem com essa saudade que aperta o nosso peito. Um dia escrevo sobre isso para vocês. Acho que também é algo legal de compartilhar.
A percepção de algo estranho
Até que comecei a notar a minha barriga bem saliente, ao ponto de não conseguir dormir de bruços e me incomodar quando deitava de barriga para cima. Era algo que pesava. Só tinha sentido isso duas vezes na vida: nas minhas duas gravidezes.
Mas peraí! Gravidez? Como, se eu havia trocado meu DIU hormonal poucos meses antes? Dor eu não sentia, mas tinha a certeza que algo estava estranho e, pela primeira vez, resolvi ir ao médico aqui. Eu ainda era bem atrapalhada com tudo. Afinal, eram só 4 meses e meio que eu havia desembarcado por aqui. Entendia muito pouco da língua e como tudo funcionava na prática. E ainda não tínhamos tido a necessidade de irmos a médico ou hospital.
A burocracia
A minha documentação estava toda encaminhada, protocolada, mas não pronta! Eu, brasileira casada com um italiano, tenho direito a um documento que me permite não só residir, como estudar, trabalhar, acesso à saúde e etc. (quem tiver interesse me contata que explico mais detalhadamente). Por isso, quando procurei o sistema de saúde informando que eu precisava me consultar, me deram uma “tessera sanitaria” (carteira do sistema de saúde) provisória, pois aguardavam a finalização da minha “carta di soggiorno” (o tal documento que mencionei acima) e consequentemente meu processo de residência para fazer uma definitiva.
No mesmo momento que fiz essa carteira de saúde, tive que escolher um médico de base. Me deram uma lista, na qual eu passei os olhos, e escolhi a dra. Danielle. E só no momento em que entrei na primeira consulta descobri que na Itália Danielle é homem. Risos.
O médico de base me deu uma guia me encaminhando para uma consulta com um ginecologista, alegando que eu deveria fazer um controle do DIU (que, a título de curiosidade, na Itália se chama spirale) e eu consegui agendar no sistema de saúde público a consulta com o especialista para uns 15 dias depois.
A primeira consulta com o ginecologista
Entretanto, a “bola estranha” na minha barriga passou a me incomodar demais e eu passei a não conseguir mais dormir. A cabeça entrou em parafusos e a ansiedade me fez escrever tudo que eu sentia num papel (traduzido pelo google tradutor, visto que eu não falava NADA de italiano) e bater na porta do consultório do ginecologista dizendo que não podia esperar os 15 dias. Fui atendida por uma enfermeira e entreguei o papel nas suas mãos. Ela foi lá dentro e voltou dizendo para eu esperar que no final o médico iria me atender.
Pois bem, fui examinada e o médico disse: “parece uma gravidez, mas como você me disse que usa Diu hormonal, tem 99% de chances de não ser.” E me mandou ir para a maca de ultrassom. Apenas um detalhe, aqui nos consultórios médicos (públicos) já tem os aparelhos de ultrassom, não precisamos marcar em outro lugar. Em contrapartida, não existe aquele ritual de ir se trocar num banheiro, colocar um avental/camisola daqueles de hospital. É tirar a roupa ali na frente e deixá-la na cadeira onde estava sentada e pronto. Tipo hospital de guerra. Não tem frescura!
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Ultrassom feita, o doutor pegou o celular e ligou para um colega que trabalhava no hospital dizendo: “Estou com uma brasileira aqui com uma massa 10 x13cm, você pode atendê-la?” E me mandou ir no dia seguinte às 9h no hospital procurar pelo tal colega.
Eu estranhei, mas não entendia o que ele queria dizer com massa. Então perguntei se depois eu teria que voltar lá no consultório, ao que ele simplesmente me disse: “Não, provavelmente você ficará pelo hospital mesmo”. Imaginem se eu dormi aquela noite?
Mas, para não me estender demais e o texto ficar muito longo, o restante eu vou contar para vocês na parte 2 desse texto. Aguardem!!
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