Reconexão pós-maternidade: se reconhecendo mulher novamente
Não sei como foi para vocês, mas para mim ela levou tempo e, ainda hoje, às vezes me pego olhando no espelho tentando entender o que foi que aconteceu. Para quem lê meus textos aqui ou me segue no Instagram, não é novidade meu posicionamento perante a maternidade. Mas se essa é a sua primeira visita à minha casa, devo avisar: à primeira vista pode não ser muito bonita, mas tem amor como em qualquer outra.
Falarei da minha posição de privilégio de sempre, mas tentando englobar e dar conta de um sentimento que, por mais coletivo que seja, é sempre muito individual. Assim que minha filha nasceu meu mundo caiu. De um parto com violência obstétrica (pari na Holanda, veja só. Conto um pouco dessa experiência no meu blog), a uma pressão insana por conta da perda de peso dela.
Os primeiros dias foram insuportáveis, e eu chorava de manhã, de tarde e de noite. O famoso “baby blues”. É claro que com o tempo melhora. Mas temos que reconhecer que a tão disseminada frase: “o importante é que o bebê tem saúde”, não cola mais! Isso é apagar ainda mais o sofrimento materno perante sua experiência. Se você é do time que endossa essa frase, pare, pense, reflita e “re-acesse” as suas memórias. Esse movimento é muito importante para entender como você chegou aonde está hoje. Olhe para si, para dentro de si, o mais fundo que conseguir. Pode ser escuro, uma aventura, mas é, sem dúvida, uma das viagens mais loucas e maravilhosas que você fará.
Reconhecendo meus desejos
Voltando à sensação de ser uma outra que não eu, foi muito difícil reconhecer e permitir os meus desejos de novo. E, repare, o desejo é o que nos move. É ele que nos faz ter filhos, mudar de país, de emprego e, também, comer bolo de cenoura e não de fubá. O desejo é a força motriz da humanidade. Não estou dizendo que todos conseguirão realizar seus desejos mais profundos, mas é ele que nos move.
Agora imagine-se recém parida, cuidando de um ser pequenino, mas estranho, e com desejos mil. Onde fica o desejo da mãe? Vão responder: “O desejo da mãe fica em realizar os desejos dos filhos.”. Me desculpe se você é dessa turma também, mas não. Filho não deve carregar essa carga, principalmente se a mãe abdica de toda a sua vida apenas para o cuidado da família. Por isso é importante reconhecermos os desejos que são só nossos. De mais ninguém. E honrá-los.
Mas esse reconhecimento dos próprios desejos após a maternidade pode ser demorado. E está tudo bem. Cada um tem seu tempo para tudo. Eu andei com 11 meses de idade, minha filha tem 15 meses e ainda não anda. Uma das coisas que eu percebi foi que os meus desejos, da Fernanda, da mulher, de quem eu era, e sou, só começaram a dar as caras quando eu voltei a ciclar. Quando o meu corpo estava pronto mais uma vez para criar e, então, eu menstruei. Claro, tem mulher que menstrua 2 meses após ter filho, tem mulher que demora 2 anos. No meu caso foram 9 meses. 9 meses de bebê dentro, 9 meses de bebê fora. Aí eu tinha começado a me gestar mãe-mulher. Não acho que eu estava pronta mentalmente para o meu próprio parto, mas meu corpo estava e me deu um empurrãozinho.
Minha relação com a menstruação
Nossa relação com a menstruação começa na nossa primeira experiência. E muito do que levamos para a vida, no que se refere à menstruação, está diretamente conectado com essa primeira experiência. A minha menarca foi sensacional, eu tinha 12 anos, ouvi atentamente as instruções da minha mãe com lágrimas nos olhos, e brindei a essa passagem com meu pai. Mas, quando adolescente, tinha muitas cólicas e logo comecei a tomar anticoncepcional.
Hoje vejo que médicos indicam anticoncepcional para absolutamente tudo. O ciclo está desregulado, saiu espinha, teve cólica, a solução é simples: dá o anticoncepcional para a garota. Eu comecei a tomar anticoncepcional aos 13 anos. Parei aos 25. Repare que meu único sintoma era cólica, e mesmo assim fomos convencidos que o melhor caminho era tomar anticoncepcional aos 13. Como disse a Bel Saide, ginecologista que trabalha com ginecologia natural, a medicina não compreende os mistérios da menstruação. Da mesma forma que cesarianas salvam vidas, o anticoncepcional auxilia inúmeras mulheres que de fato necessitam daquele hormônio, e mais importante, daquela quantidade de hormônio.
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Mas voltando ao meu caso, foram 12 anos dopada por uma sociedade que não nos deixa sentir, se autorregular, e ciclar. E esse é o movimento mais importante da mulher: ciclar. Nossos filhos só existem se alguém cicla. Desde quando parei de tomar anticoncepcional e iniciei minha reconexão, descobri que eu adoro menstruar. Mesmo. Adoro ver aquele sangue saindo a cada ciclo, meu corpo se autolimpando, criando, mudando de fases assim como a lua. E minha menstruação pós-parto foi incrível. Era o meu corpo me dando o aval de ser mulher novamente. A contemporaneidade nos afasta dos nossos ciclos internos. E somos todos seres cíclicos. Só há vida se há morte, num ciclo infinito. Acho que foi por isso que fiquei tão feliz com minha menstruação. Eu podia criar novamente. Meu útero podia ser casa de novo.
O ano acabou de começar. E sabemos que 2020 foi um ano de muitas mudanças para a humanidade como um todo. Por isso lhe faço um convite. Sinta. Sinta sem culpa. Deseje, e deseje-se. Se atirem ao desconhecido de si mesmas. Não há nada mais empoderador do que se conhecer e se reconhecer. E uma das melhores maneiras de fazer isso é ciclar. É olhar para a lua e se reconhecer. E é se olhar e ver a lua em si. Reparar todas as suas fases ao longo do ciclo, porque somos sim mulheres de fases. É ver isso com orgulho e não com menosprezo. É ouvir aquela voz da intuição com ecos ancestrais. É se permitir ser o que se é.
Eu te desejo um ano cheio de descobertas e aventuras. Gratidão em estar aqui conosco.