São inúmeros os relatos que ouço sobre o nosso estado de ânimo influenciar diretamente na forma como nossos filhos se comportam e é sobre isso que gostaria de refletir neste texto. Quando vamos morar fora do país um turbilhão de emoções nos inunda. Como mães, temos que dar conta das imensas listas sobre o que deixaremos para trás e o que levaremos para a próxima parada. São muitas responsabilidades que assumiremos e que se somam às que já temos, além dos muitos idealismos que abraçamos. Mas ao aterrissarmos em terras estrangeiras nos damos conta da realidade que nos cerca e das responsabilidades que se tornam as nossas companheiras diárias.
É perfeitamente normal e compreensivo que nós, mulheres e mães, vez ou outra, frente a tantos desafios de uma vida mundo afora, lidemos com as nossas emoções sem nos darmos conta de que o nosso comportamento reflete diretamente na nossa família e, principalmente, em nossos filhos. Por mais que “mostremos” que tudo está sob controle e que tudo vai bem, por vezes deixamos aflorar alguma reação/comportamento que reflete que as coisas não são bem assim.
Primeiros sinais de ansiedade na criança
Logo que chegamos aqui na Alemanha, minha filha estava com dois anos. Tudo era novo: cultura, língua e por aí vai. Deparei-me com a responsabilidade real, pois até então só a responsabilidade idealizada pairava em meus pensamentos. E diante desse intenso, solitário e difícil desafio – de ser mãe de dois em uma cultura totalmente diferente da minha – eu só me dava conta de que precisava atender às necessidades das crianças e do bem-estar da família.
Mas aos poucos eu ia acumulando todas as tensões, frustrações e desgostos dentro de mim. Isso ia crescendo cada vez mais, até que um dia percebi que minha filha começou a roer unhas. Naquela época, ela já havia começado no jardim de infância por aqui. No Brasil, ela já frequentava o maternal. Mas com a mudança, ela precisou ficar um tempo sem nenhuma atividade escolar.
Toda a mudança e o desafio de ir para uma escola nova, ainda muito pequena, sem saber nada do idioma, acostumada só com o português (e eu acostumada com o ritmo brasileiro da educação infantil), me fez temer como seria essa adaptação. Adaptação que na verdade era de ambas, minha e dela.
Quando me deparei com as unhas dela totalmente roídas, pensei que fosse coisa de criança. Mas ao mesmo tempo imaginei que ela era muito nova para tal comportamento. E no corre-corre da vida nova, tentando torná-la o mais ajustada possível, atribuí essa atitude à cópia do comportamento de outras crianças.
Não se pode dar conta de tudo
Até que, em um momento de reflexão, percebi que meu medo em não dar certo e minha vontade em tornar tudo “quase igual ao Brasil” me faziam carregar um peso enorme. Na verdade, isso não estava fazendo bem a ninguém. Percebi que muito da minha insegurança, através de ações inconscientes, era passado para meus filhos. E minha filha as assimilava completamente. Além do desafio do novo, para ela internalizar os sinais que a mãe demonstrava fazia com que seu comportamento mudasse.
E foi através de muita reflexão que pude entender que muito da nossa insegurança em viver fora do nosso país de origem acaba sendo absorvida por nossas crianças. E foi através dessa viagem interior que pude me conectar comigo mesma e me alinhar em busca de um equilíbrio real.
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Percebi que é claro que eu não darei conta de tudo. Todos na família precisam viver as suas próprias experiências, pois o novo assusta todo mundo. Cabe a mim como mãe acolher, respeitar, entender, amar e ajudar os meus filhos. Mas eu não conseguirei parar o curso natural da vida através da ideia do “eu posso controlar e dar conta de tudo”.
Só assim, depois dessa “viagem”, eu pude entender o que era a minha realidade e a realidade da minha filha. Tomando essa consciência, pude realmente ampará-la no que a afligia. Descobri que estava tudo bem no jardim de infância, que ela interagia muito bem naquele ambiente. Pude entender como era a dinâmica das relações na escola e percebi que a dificuldade dela era a mais normal possível, ou seja, a mudança de ambiente e a construção da sua independência no novo espaço.
Como desacelerei o processo
Diante de tudo isso, eu pude “pegar muito mais leve” comigo. Pude me aproximar de cada dificuldade sem me sentir responsável por ela. E, aos poucos, fui percebendo que minha filha estava parando de roer as unhas, até que parou de vez.
Quando não a vi mais tendo esse comportamento, percebi que minha forma de encarar as responsabilidades reais no novo país era o grande fator que tornava a interação dela no jardim de infância algo instável e inseguro. Ao mesmo tempo em que ela adorava o lugar e interagia bem com todos ali, ela roía as unhas e se sentia muito insegura. Era normal ela se sentir insegura, só que eu fazia a se sentir ainda mais, pois através do meu olhar e das minhas emoções, que refletia nas minhas atitudes, eu aumentava mais essa insegurança.
E agora?
A partir do momento que me acolhi, pude enxergar que estava fazendo ao contrário daquilo que eu esperava. Quando resolvi viver mais as situações reais e só depois disso tirar minhas conclusões, percebi que a insegurança demonstrada pela minha filha diminuiu e a liberdade em explorar o novo teve um espaço equilibrado em seu coração. Desta forma, eu pude encorajá-la a se desenvolver tanto no idioma quanto nos códigos de conduta da nova cultura que ela agora faz parte. Hoje, minha filha está com seis anos e é muito mais segura no ambiente em que frequenta.
Com o meu novo olhar, pude entender que nosso ofício de mãe, por vezes, nos atravessa de forma descompassada. A exigência que existe em nós se soma às exigências de fora. Mas se estivermos atentas, seja ao comportamento de um filho, seja à fala de alguém, essa situação poderá nos ajudar a revermos a nossa direção. Ela pode fazer com que possamos analisar as nossas emoções para nos acolhermos, nos tornando mais conscientes e também mais colaborativas, de forma equilibrada, ao ambiente familiar e social. Como resultado, podemos impactar positivamente para o desenvolvimento saudável de todos os membros da nossa família que, assim como nós, enfrentam os novos desafios na nova cultura.
5 Comentários
Oi Aline! Adorei o seu texto é me identifiquei muito. A minha filha começou roer unha desde a nossa mudança e não consigo entender o motivo, já que ela se adaptou tão bem. Mas depois do seu relato algumas coisas ficaram mais claras. Obrigada por compartilhar.
Oi Patrícia! Tudo bem?! Pois é… no meu caso, percebi que ao passo que queria dar conta de tudo, “contaminava” o ambiente. Vale a pensa revermos tudo e principalmente a gente! Um beijo e boa sorte!!!
Aline, é uma ótima reflexão, pois achamos que estamos “dando conta” e nossos filhos, sensíveis e por nos conhecerem plenamente, estão nos observando e absorvendo tudo o que sentimos! Muito obrigada 🙏🏻
Oi Patrícia! Tudo bem?! Pois é… no meu caso, percebi que ao passo que queria dar conta de tudo, “contaminava” o ambiente. Vale a pensa revermos tudo e principalmente a gente! Um beijo e boa sorte!!!
Oi Talita! É isso mesmo! A gente, não querendo, transparece algumas coisas. Enfim, vale a dica de cuidarmos de nós para cuidarmos da família. Um beijo grande!