“TUM TUM TUM”. São 19h30 de terça-feira e três fortes batidas na porta de casa assustam minha filha. Não estamos acostumados a receber visitas a essa hora da noite, ainda mais uma que bate à porta ao invés de tocar o interfone. Faz seis graus lá fora. Ela já está de pijama. Mas aquela não é uma terça qualquer. É a noite do dia 5 de dezembro, conhecida por aqui como Pakjesavond – a Noite dos Presentes. É véspera de nosso primeiro Dia de SinterKlaas na Holanda!
Abrimos a porta e SURPRESA! – ninguém à vista, somente uma enorme caixa embrulhada em papel de presente vermelho com uma cartinha escrita a mão colada nela. Moedinhas de chocolate espalhadas no chão. Um saquinho de kruidnoten – biscoitinho de canela típico dessa época do ano por aqui, nesse caso coberto com chocolate branco (o preferido da Alice).
Confesso que tive dificuldades de digerir a história de SinterKlaas – o São Nicolau – e fazê-la crível para a minha filha de sete anos que é, ao mesmo tempo, esperta demais e criança demais. Para quem veio de um país que não possui uma tradição natalina própria, que importou um Papai Noel em roupas polares a bordo de um trenó puxado por renas num verão de 40 graus; que monta presépio e reúne as famílias para beber, fazer amigo oculto, comer rabanada e eventualmente rezar um Pai Nosso e lavar a roupa suja…
Explicar uma figura capaz de antecipar a troca de presentes natalina em 20 dias e que tem até jornal em rede nacional de TV no horário nobre foi um baita desafio. Meu conselho: não tente entender e, para o seu próprio bem-estar e futuro promissor na Holanda, JAMAIS diga que SinterKlaas é o Papai Noel holandês. Você certamente ganhará desafetos (ou, pelo menos, olhares tortos).
São Nicolau viveu na Turquia no século III. E, sim, ele é a inspiração para o Santa Claus americano, nosso conhecido Papai Noel. Ficou famoso por sua generosidade (distribuía moedas de ouro aos pobres e a quem estava em apuros) e foi reconhecido santo por fazer milagres em vida e após a sua morte. É o patrono da Rússia, Grécia e Noruega e também padroeiro dos marinheiros e estudantes e protetor das crianças. Não me pergunte como esse santo querido foi, por obra do folclore holandês, parar na Espanha. Mas reza a lenda que todos os anos, em novembro, ele parte de lá em direção aos Países Baixos a bordo de um barco a vapor repleto de presentes, o livro contendo a vida de cada criança e seus ajudantes – os Zwarte Pieten (Pedros Negros). Com sua barba branca, mitra e túnica de bispo vermelha, um cajado dourado e muita altivez, ele é o capitão do navio.
Mas a euforia em torno de SinterKlaas começa ainda em outubro, bem antes de sua chegada. Os supermercados enchem suas prateleiras de comidinhas típicas dessa época do ano (pepernoten, kruidnoten, speculaas, doces com marzipan, letras de chocolate), surge em cada esquina barraquinhas de Olliebollen (enormes bolinhos de chuva), tem início o Sinterklaasjournaal diariamente às 18 horas no Canal 3 simulando um telejornal com a cobertura da viagem de São Nicolau para chegar de navio até aqui. Morando na Holanda é impossível ficar imune. SinterKlaas é coisa muito séria por aqui!
A sua chegada em território holandês – o Sinterklaasintocht – é um grande acontecimento, ansiosamente aguardado em todas as cidades e veiculado em cadeia nacional de televisão. Ele é recebido por autoridades (presidente da Câmara e prefeito) e sobe em seu cavalo branco – Amerigo – que o leva em desfile pelas ruas com direito a banda, apresentações musicais, brincadeiras e fogos de artifício.
Este ano, ele chegou na manhã de sábado, dia 18 de novembro. Estávamos lá para recebê-lo em Capelle aan den IJssel – cidadezinha a 20 minutos de metrô de Rotterdam. Fazia um frio absurdo para os nossos padrões brasileiros, mas ficamos, guerreiros, à beira do rio, com chocolate quente na mão, esperando aquele velhinho meio mau humorado e seus ajudantes bagunceiros chegarem, distribuindo biscoitos e doces. As crianças estavam eufóricas e se fantasiaram de pequenos Pieten, Sinter e até do próprio Amerigo. Uma fofura!!! Alice se divertiu com a farra, mas gostou mesmo foi do cavalo do Papai No… , ops, do SinterKlaas.

SinterKlaass chega em Rotterdam, na Holanda, com Amerigo e seus Zwarte Pieten (foto Nathalee Martin instagram.com/fotosemrotterdam )
Depois que ele aporta por essas bandas, são três semanas de expectativa: as crianças colocam sapatinhos à beira da lareira ou na janela com cenouras (para o cavalo do Sinter) e cartinhas para receber presentinhos. Neles, os pais deixam balas, pepernoten, chocolatinhos e pequenas lembranças de tempos em tempos para sugerir a passagem de um Zwarte Piet por ali.
Aqui em casa, pulamos essa parte dos sapatinhos na janela. Alice não comprou a bagunça de primeira (nem eu!) e também não forcei uma barra – ela tem sete anos e já está difícil manter a crença no Papai Noel. Ela disse que não precisava de nada e não quis escrever cartinha pro tal SinterKlaas – que até três meses atrás ela nem sabia que existia e com quem, nos últimos 15 dias, encontrou pessoalmente cinco vezes. Além disso, sem ainda saber de toda essa tradição, atacamos os kruidnoten e nos enchemos de letras de chocolate assim que vimos as iguarias nas gôndolas do mercado. Não sobrou muito para os Zwarte fazerem.
É diferente para uma criança que nasceu aqui ou tem um dos pais holandeses. Esse tipo de tradição vem de forma natural. Mas somos brasileiros e acabamos de nos mudar. Pretendemos ficar por um bom tempo, então é importante entender a cultura local, assimilar costumes e introduzir certas práticas para se integrar na sociedade. Mas cada coisa no seu tempo, como tem sido tudo desde que decidimos nos mudar.
Assim, uma semana depois que o Sinter chegou na Holanda em seu barco a vapor, a empresa do meu marido convidou o famoso velhinho para uma manhã de domingo com os filhos dos funcionários. Lá, Alice ganhou seu brinquedo preferido – Lego (ponto pra Sinta!). Conforme o Dia de São Nicolau se aproximava, a escola dela se enfeitou, começou a ensinar as músicas (sim, há pelo menos uma dezena de músicas e CDs gravados pelos Zwarte Pieten), levou os alunos na Casa do Piet para treinar as crianças em como se tornar um Zwarte Piet – e pela primeira vez minha filha descobriu algo que gostaria de ser quando crescer (pois é…).
Até que, por duas vezes, o SintertKlaas visitou pessoalmente a escola, distribuiu presente, conversou com as crianças, os Pieten subiram nos telhados e pronto: Alice foi fisgada pela magia de SinterKlaasje (São Nicolauzinho, em tradução livre). A mãe aqui, ligada na evolução do processo de aculturamento, rapidamente decidiu entrar na dança. A avó, do Brasil, já tinha comprado um presente de Natal para entregar aqui. Estava desenhada a ocasião perfeita para a entrega!
Combinei com uma vizinha holandesa que batesse na porta – os holandeses amam SinterKlaas, não importa a idade, e ficam felizes em ajudar a propagar essa fantasia infantil. E assim, depois do jantar, Alice recebeu a “visita mágica” de Sinta – ou seria de um Zwarte Piet? Ele deixou o presente e uma carta, em holandês, escrita de “próprio punho”, explicando que recebeu uma cartinha da vovó dela pedindo que lhe entregasse uma encomenda – uma linda casinha de madeira de bonecas. Encantada, surpresa e eufórica, minha filha brasileira comemorou com simplicidade e magia a sua primeira PakjesAvond, seu Natal antecipado nos Países Baixos.
E para quem perguntar: e o dia 24 de dezembro, como fica? O que me contaram é que não é noite de distribuição de presentes, mas de jantar com a família. Ainda não poderei dividir a nossa própria experiência da noite de Natal na Holanda, porque estarei no Brasil comendo rabanada, fazendo amigo oculto, reclamando do calor e de mãos dadas com a família em oração no dia do nascimento de Jesus. Mas isso é outra história…
6 Comentários
Quanto orgulho dessa minha irmã, ativa, criativa e inovadora!!! Boraaaa que tem muita história boa por vir. 🙏🏻❤️😘 AMO minha meninas!!!
Carol…Como vc nos inspira!😍🙌🏻👏🏻
Obrigada por compartilhar um pedacinho da sua vida com tanto amor.💕😘
Linda 🙂 Que eu possa continuar inspirando e contando com a ajuda de vocês <3
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