Chegamos a Hong Kong no mês de julho, quando a temporada de tufões está em pleno vapor nesta parte da Ásia. O tufão é comum por aqui entre junho e outubro, principalmente. Trata-se de ciclones tropicais que ocorrem nos mares orientais, principalmente nos mares da China e no Oceano Índico, quando a temperatura da água está mais quente.
Hong Kong tem um sistema de comunicação de fenômenos meteorológicos muito eficiente. O site/aplicativo My Observatory é o responsável por avisar à população sobre mudanças repentinas no tempo. Ele dá os alertas de tempestades, tufões, risco de alagamento e deslizamento de terra, rajadas de ventos, clima muito quente/muito frio, risco de queimadas e de tsunami. Quando o observatório lança um dos alertas, a cidade inteira coloca avisos em áreas de grande circulação de pessoas: portarias de prédios, metrô, shoppings centers, escolas, etc.
Os alertas
Em relação especificamente a tufões, os alertas são divididos em uma escala de oito avisos, de acordo com a sua intensidade e proximidade. Assim que chegamos à cidade, vi o aviso de um tufão de nível 1 e já fiquei um pouco assustada. Tudo isso era novo e estranho para nós. Não as tempestades em si, obviamente, mas todos esses avisos e medidas preventivas, que não costumam ocorrer com tanta frequência no Brasil. Aos poucos fui aprendendo a não me preocupar demais quando os avisos eram de níveis mais baixos. Em geral, o que ocorriam eram apenas chuvas mais fortes, sem maiores consequências.
No entanto, em meados de setembro, fomos todos alertados do perigo da chegada de um tufão de nível máximo. A cidade começou a ficar em alerta cerca de uma semana antes. Nessa época, todos costumam checar aplicativo no celular várias vezes ao dia. Dependo do nível dos avisos as aulas são suspensas, assim como alguns tipos de transporte público. Com o passar dos dias, soubemos que de fato era esperado um tufão muito forte para o domingo, 16 de setembro. Todos deveriam estar devidamente preparados e, principalmente, abrigados.
O pior tufão da história de Hong Kong
O dia amanheceu lindo, com céu limpo e uma leve brisa. Era difícil acreditar que um tufão estava a caminho. Observamos os funcionários do condomínio colocando fitas-crepe em todas as janelas de vidro do edifício (medida que serve para que os vidros não estilhacem e não se esparramem caso se quebrem com o vento). Alguns apartamentos faziam o mesmo. Na nossa falta de experiência, consideramos que a medida não seria necessária.

Vidros protegidos por fita crepe (Arquivo pessoal)
A orientação oficial básica era de que todos ficassem em casa e longe das janelas. Aos poucos o tempo foi virando, a chuva começou, se intensificou, o que era brisa passou a vendaval e eu vi o pior temporal de toda a minha vida. Choveu ininterruptamente e de forma brutal durante mais de seis horas, com ventos que ultrapassaram os 230 km por hora. Estávamos presenciando o pior tufão da história de Hong Kong (algumas imagens podem ser vistas aqui), ao qual deram o nome de Mangkhut. Ele atingiu também Macau e as Filipinas, onde matou 74 pessoas. Felizmente, apesar de muita destruição, em Hong Kong não houve vítimas fatais.
Balança mas não cai
Voltemos ao momento dos fatos: estávamos em casa, longe das janelas conforme a orientação. Moramos no 76º andar (!) que, como se pode imaginar, é muito, muito alto. Após cerca de uma hora do início da tempestade, começamos a sentir o prédio balançar e comecei a entrar em um certo desespero, que consegui disfarçar no início. Não balançava pouco. Parecia que estávamos dentro de um barco, tínhamos que nos apoiar nas paredes para tentar manter o equilíbrio ao andar. Os lustres balançavam e o barulho do vento forte nas janelas de vidro anunciava que a qualquer momento elas poderiam se romper.
Do fundo do meu coração, achei que o prédio iria pelos ares e nós também. Qualquer resquício de calma se esvaiu ao ver o meu marido com cara de preocupação, coisa que raramente acontece. Eu queria descer para o térreo, mas não tinha coragem de pegar o elevador dado o balanço e a tempestade. E se ele parasse no meio do trajeto?
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No grupo de Whatsapp de brasileiros, alguns diziam que era normal o prédio balançar, outros diziam para sairmos correndo, rs. Como mãe, tentei com todas as minhas forças disfarçar o meu pânico, mas em determinado momento não consegui e as crianças, que estavam tranquilas até então (internet, televisão e luz elétrica não deixaram de funcionar em momento algum), começaram a ficar com medo também. Víamos em tempo real vídeos de janelas se partindo e de objetos voando dos prédios. Acompanhávamos a previsão pelo aplicativo, mas as notícias não eram animadoras… ainda levaria algumas horas para o tufão passar. Fiz orações, meditei, perdi perdão pelos meus pecados e, por fim, me acalmei, quando a tempestade passou.
Entretanto, talvez pelo próprio balançar do edifício, lá pelas tantas – quando eu já estava conseguindo respirar normalmente – soou o alarme de incêndio do prédio. Tivemos tempo apenas de pegar os passaportes e começar a descida de 76 andares pela escada, correndo, sem saber bem o que estava acontecendo, mas tentando escapar. Que sensação de desespero! Por fim, felizmente não era nada e o que ficou foram apenas as recordações desse dia assustador.
Nesse momento, a mais apavorada de todas era a minha filha mais nova, de 8 anos, que não ficou com nenhum trauma do tufão, mas do perigo de incêndio sim, até hoje. Demorou muito para conseguir adormecer sozinha novamente e de vez em quando ainda checa se desliguei as bocas do fogão, com medo do fogo.
O que aprendi com tudo isso?
Acredito que os momentos difíceis da vida são sempre excelentes professores. As principais lições que tirei desse episódio foram:
– é incrível ver como uma cidade preparada faz toda a diferença no caso de desastres naturais. Desenvolver um trabalho de prevenção e de logística minimiza os estragos. Não ter havido nenhuma vítima fatal foi um alívio a todos e motivo de orgulho para a cidade.
– senti a força descomunal da natureza como nunca havia sentido antes. Fenômenos como esse estão cada vez mais comuns dadas as mudanças climáticas pelas quais passa o planeta, cuja principal causa é o próprio homem, sua ganância e seu pouco cuidado com o meio ambiente.
– nós, mães que tentamos ser fortes o tempo todo, também temos os nossos medos e inseguranças e muitas vezes é impossível disfarçá-los. E tudo bem! Mostramos aos nossos pequenos que também somos falíveis, mas que estarmos todos juntos num momento como esse faz toda a diferença e nos ajuda a superar tudo!
Este ano a previsão é de que tufões fortes como esse se repitam, já que as águas do mar devem estar ainda mais quentes. Tomara que não! Mas acredito estar mais preparada desta vez… De qualquer forma, por via das dúvidas, vou ficar pelo térreo, rs!
1 Comentário
[…] anos. Em 2018, passamos pelo maior tufão da história por aqui, o Mangkhut, conforme já relatei neste texto. Em 2019, enfrentamos a forte onda de protestos populares por mais democracia na região. E eis que […]