Superando os primeiros obstáculos na mudança para a Inglaterra.
Muitas pessoas se surpreendem quando conto que aos 37 anos larguei tudo de certo e esperado que tinha no Brasil e comecei uma vida nova aqui na Inglaterra com a minha filha de então 4 anos. Mas qual era a pior coisa que nos poderia acontecer? Passarmos um ano aqui e voltarmos? Minha filha ter se tornado fluente em inglês? Os obstáculos apareceram, alguns das formas mais inusitadas possíveis, até me testando fisicamente. Mas a gente sempre descobre um jeito de superá-los. E depois, eles se tornam histórias para serem lembradas e contadas…
Esse final de ano faz 11 anos que nos mudamos bravamente de mala e cuia para a Inglaterra. Essa data sempre me faz refletir sobre tudo que enfrentamos e conquistamos nesse espaço de tempo. Nem tudo foram flores, mas posso dizer de boca cheia que a maioria foi. Não sei se foi sorte, mas uma coisa eu sei que sempre ajudou muito: nossa atitude positiva em relação a tudo.
Na minha reflexão desse ano, lembrei-me de uma conquista super simples que aconteceu lá no comecinho da nossa vida aqui. Essa memória colocou um sorriso no meu rosto, pois foi a primeira de muitas.
Os primeiros dias
Chegamos em Bristol numa noite de novembro de muita chuva e, segundo me lembro, choveu muito pelos próximos três meses. Isso sem falar que os dias eram extremamente curtos, lá pelas 16h30 já começava a escurecer. Chuva, falta de sol e dias curtos eram os ingredientes ideais para uma depressão.
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Mas eu não tinha e não queria essa opção. Minha filha estava enfrentando uma nova realidade, aprendendo uma nova língua, lidando com a falta do pai e da família que tinha ficado no Brasil. Por essa e por outras, a gente tem que viver da melhor forma possível, saudando o sol todo dia de manhã mesmo sem vê-lo e levando cada dia de uma vez.
Nós morávamos num bairro muito gostoso e perto de supermercados, lojas, cafés e restaurantes. Essa localização foi proposital, pois eu estava cansada de dirigir e ficar no trânsito de São Paulo horas a fio. A ideia era tentar fazer tudo a pé ou usando o transporte público, afinal no primeiro mundo ele é, em geral, ótimo.
Entretanto, a teoria é sempre melhor do que a prática (ou, pelo menos, na maior parte das vezes!). Nem sempre era fácil pegar minha filhota, andar debaixo de chuva até o supermercado que ficava a 10 minutos de casa, fazer as compras e voltar carregada de sacolas. A realidade é que minha filha, por estar acostumada a fazer tudo de carro, ia pro supermercado numa boa e aguentava bem o período que ficávamos lá. Mas a volta… A volta ela queria colo.
Só que eu já carregava o máximo que eu podia das compras nas minhas duas mãos. Guarda-chuva já não era nem opção, nem pra mim, nem pra ela. A gente tinha mesmo era que usar capa de chuva pra poder ter as mãos livres. Juro que ao final das primeiras compras, quando chegava em casa, eu tinha a sensação de vitória, de uma maratona percorrida com sucesso. Eu me sentia merecedora de uma medalha!
A solução em forma de carrinho
Porém, isso não impedia da ida ao supermercado se tornar um desafio semanal. E você começa a buscar soluções pro seu problema. Usei mala de mão, dessas de avião que tem rodinha, mochila, o que você puder imaginar pra trazer coisas do supermercado. Até que um dia eu estava comentando sobre a minha maratona com uma amiga brasileira que eu conhecera recentemente e ela me propôs: “Por que você não pega esse carrinho antigo do meu filho, coloca tua filha nele quando ela se cansar e pendura as sacolas no carrinho também? Assim tudo que você tem que fazer é empurrar o carrinho!”
Essa foi a Nádia, minha salvadora da pátria. Esse carrinho foi uma benção e me ajudou num nível inesperado. Fazer compras agora tinha virado mamão com açúcar. Tranquilo. Ok, teve algumas ocasiões em que minha filha saía do carrinho e ele virava por causa do peso da compras. Mas a gente aprende a ficar esperta e treina filho a ficar também. Esse carrinho era a minha Ferrari.
Com ele fui pra tudo quanto é canto, com sol ou com chuva. Visitei tudo que podia em Bristol empurrando minha filha no meu carrinho gladiador. Acabamos até pegando um ônibus e passando o dia em Londres com carrinho e tudo. Mas esse foi um dia que puxei tanto minha Ferrari que, quando chegamos no Covent Garden, ela simplesmente não aguentou mais. Pediu arrego e quebrou. Meu coração sentiu, mas tive que ser forte. Encostei aquele carrinho que agora já era quase que parte da família e segui em frente. Não ousei olhar pra trás.
Voltamos para Bristol órfãs de carrinho, mas agradecidas por tudo que ele tinha feito por nós. Chegamos prontas para caminhar. Uma nova fase nos esperava! Era hora da minha filha se acostumar a andar mais, afinal, essa era a nossa nova realidade. E ela entendeu que não haveria uma nova Ferrari nas nossas vidas.
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