Problemas de saúde fora do seu país.
Por mais atordoados que fiquemos quando recebemos uma notícia desagradável sobre a saúde, seja nossa ou seja de um dos membros da nossa família, parece que o atordoamento é mais brando quando estamos no nosso país. Ou melhor, é abrandado pela segurança do lugar já conhecido e pelo apoio daqueles próximos amigos e familiares. Quando é assim parece que conseguimos descer do carrossel, deixar a zonzeira de lado e andar numa linha reta em alguns minutos, para depois achar nosso eixo e enfrentar o que virá.
Quando encaramos esse tipo de situação em terras estranhas, não há abrandamento imediato, não se consegue sair do carrossel, o qual então gira mais e mais rápido, impedindo qualquer oportunidade de saída. E agora, José, cadê meu eixo?
Diagnóstico e Angústia
Vem a primeira notícia, a suspeita de um diagnóstico ruim. A quem recorrer? Quem pode indicar médicos? Como funciona o sistema de saúde do local?
Foi assim, numa tarde de inverno, eu grávida de 4 meses, brincando com meu filho de 2 anos que havia chegado da escolinha quando o telefone tocou. Era meu marido falando que passou mal, fez exames e estava indo para a emergência, disse ele do outro lado da linha: “Acharam uma massa no meu intestino”. Como a conversa é em inglês a gente quer ter certeza que ouviu certo: “o que quer dizer uma massa?” E ele responde o que você não quer ouvir: “você sabe o que é!”
Massa? Não foi um ataque do coração senão ele não teria ligado, também não foi uma simples perna quebrada. Indo para emergência assim, sem mais nem menos, de repente, intestino? Massa? Será? Tumor? Ou a palavra com C?
Já nem sei mais se estou no carrossel, ou se o carrossel está na minha cabeça tudo é preto e cinza, e roda, roda muito.
Pequei um táxi até a emergência, e o trajeto que foi de 9 minutos contados no relógio. Foi, porém, o mais longo da minha vida. Tudo continuava a girar. O carrossel acelerou e, assim, minha cabeça. As cores sumiram, não havia mais cavalos ou unicórnios, havia monstros, fantasmas e aranhas. Eu estava presa naquela cena de terror sem achar a saída.
Pronto socorro e hospitais em Manhattan
Nos encontramos na entrada do hospital. Eu não queria chorar para não assustá-lo, mas como esconder? Ele de pele branca, estava verde, cor de vômito, em transe. Aquele homem que eu conhecia, atleta, competitivo, forte como um touro, aquele que prometeu ser meu corpo quando meu corpo falhasse, desmoronou. Agora caberia a mim tirar eu e ele daquele carrossel.
La estávamos nós em um dos mais populosos pronto-socorros de Manhattan. Conheço alguns pronto-socorros no Brasil, todos privados, limpos e cheirosos e nestes há espera, sim, mas não como os que enfrentei aqui. Conseguir uma maca é difícil. Os espaços dedicados aos pacientes (booths) são separados por cortininhas, e se não tem booth vago, você fica no corredor mesmo, deitado na maca, quando acham uma para você. Um amontoado de gente, médicos e enfermeiros que para chegar ao banheiro parece uma luta. Veja neste link.
Observação: E eu grávida, vomitando, me oferecem uma maca e tive que dizer que a paciente não era eu!
Saiba saiba como funcionam os Postos de Saúde em Miami
Feita a triagem, fomos admitidos, nos promoveram do corredor para os chamados booths. Os médicos e enfermeiros pouco sabiam do porquê estarmos lá. Acho que a história foi contada umas 10 vezes. Todos tiraram seus sinais vitais, o remédio para dor chegou horas depois, mas continuavam a vir perguntar o que houve e se precisávamos de algo.
Enfim às 19h, 3 horas depois que demos entrada, chega o cirurgião indicado. Não deu tempo de escolher o cirurgião, era o que tinha, mas demos sorte. Ele foi bem simpático, bem didático, mas como de praxe nos EUA, não amenizava nada! Disse direto: “pelo scan acredito que seja câncer de cólon no estágio II ou III”. Não temos tempo para fazer biópsia, a operação é de emergência.
Graças a Deus tinha a babá trabalhando em tempo integral que dormiu em casa com meu filho enquanto eu aguardava a cirurgia de madrugada, deitada no chão do hospital.
A falta de suporte emocional e mental
A quem recorrer? A quem pedir ajuda para achar um eixo, ou para me dizer que esse eixo existe, que as cores voltarão, que a velocidade vai diminuir? Meu outro arrimo é meu pai. Sim, quilômetros de distância, mas ponta firme como sempre, chegou em 36 horas. Graças a Deus ele tem saúde e condições de vir numa situação dessas.
Meu pai é ótimo para aguentar essas barras, e minha mãe é ótima para cuidar do meu pequeno e da casa. Eles me salvaram.
Foram alguns dias de hospital. No primeiro quarto que meu marido foi internado, ele estava sozinho, um luxo, então consegui levar uma cama de ar para ficar ao lado dele. Sim, não há acomodações para acompanhante. Nesse ponto me senti mimada pelos bons hospitais de São Paulo, com sofá cama, serviço de quarto, limpeza. Há a possibilidade de pedir quarto privado, mas tem fila longa e, nos 4 dias que ficamos lá, não conseguimos por conta da lotação.
A cirurgia foi muito bem. Teria que fazer uma outra depois de 5 dias, e então quimioterapia. Ainda anestesiada, pintada, vomitando e girando, me informei de tudo. Ok, quimio? Onde?
Pesquisamos bastante e descobrimos que um dos melhores centros de tratamento de câncer é o Memorial Sloan Kettering. Como tudo em Manhattan, esse hospital também é muito concorrido e apesar de o tratamento poder começar em um mês após a cirurgia, eles só tinham consulta para depois de 2 meses e meio. Foram várias ligações de gente que já se tratou lá, de quem conhece algum médico para conseguirmos uma consulta em pouco menos de 2 meses.
A reputação é ótima, o tratamento parece ser o que tem de último lançamento e pesquisas, mas você é um número lá dentro. Nisso há um mimo do Brasil. Até meu marido gringo ficou chocado com a frieza chamada de “praticidade”. Você não fala com seu médico, só quando tem consulta. Enquanto isso eles te atendem por um aplicativo do celular. A falta das boas maneiras com os pacientes está sendo tratada nas faculdades agora.
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Os amigos americanos são muito gentis. Chegaram tantas cestas de frutas, flores, presentes para meu marido e para nosso filho que perdi a conta. Eu não sabia dessa tradição deles, mas aparentemente o comum é mandar cestas de frutas, principalmente maçãs.
Difícil estar sem minha base de suporte nessas horas, muito difícil. Meus pais vieram, meu irmão fez uma linda surpresa e veio com toda a família e fizeram com que o Nate não sentisse muito o clima. Eles coloriram nosso dia a dia naquelas semanas pretas. Mas eles tiveram que voltar. E tudo voltou à sua rotina.
O câncer virou nossa vida, TEMPORARIAMENTE, frise-se, mas virou. Não me choco mais com as dietas malucas que meu marido se impõe, não luto contra os livros sobre o assunto que chegam em casa. Eu tentava limpar meu carrossel com todas as ferramentas que eu tinha, jogava para fora qualquer livro, pensamento ou conversa que viesse a manchá-lo.
Agora convivo com ele assim, meio cinza, meio colorido, mas sigo pintando-o. Não deixo a tinta descascar, não deixo a velocidade ir além do que EU GOSTARIA, e assim tenho a ilusão de que estou no controle, mas sei que parcialmente estou mesmo. Seja só, com família, com amigos, sem amigos, nos estrangeiro, na cidade ou no campo.
Sigamos!