Comecei a aprender inglês aos 4 anos de idade, em um curso de bairro no Rio de Janeiro. Sempre amei a língua e suas possibilidades e segui estudando sempre. Em minha vida profissional, todos os meus trabalhos incluíram a língua inglesa e portuguesa. Cursei mestrado em universidade inglesa, acumulei certificados no idioma, dou aulas de inglês e português como língua estrangeira. Sou intérprete para o sistema de saúde e para a prefeitura da minha cidade na Inglaterra. Como tradutora, já verti e traduzi inúmeros assuntos, legendei filmes, documentários e programas de TV onde os apresentadores cospem as palavras em velocidade recorde.
Mas a língua é espantosa e viva. Está sempre nos surpreendendo e pregando peças.
Você fala inglês?
Suspeito de quem diz que tem inglês fluente – preciso de provas concretas. Da mesma forma, tenho orgulho de ver conterrâneos se expressando livremente e com confiança na língua estrangeira.
Como intérprete da área de saúde, presenciei pessoas em momentos de dor, dúvida e vulnerabilidade, sem ter as ferramentas para dizer como se sentiam. E me senti incrivelmente grata por poder estar ali ajudando falantes da minha língua a se comunicar com um profissional de saúde em momentos críticos.
Os desafios são muitos. Uma senhora portuguesa estava na consulta psiquiátrica e precisava dizer que se sentia angustiada, com um aperto no peito e medo de morrer. Um rapaz angolano sofreu um AVC que afetou sua fala e apenas balbuciava palavras alternando os dois idiomas. Uma grávida precisava entender detalhadamente algumas questões importantes presentes na ultrassonografia do seu bebê. Escuto atentamente e dou o meu melhor para me fazer entender nas duas línguas.
Desafios da língua
A língua apresenta muitas nuances. Você pode sim ser fluente, eloquente, confiante! Mas, há sempre as referências a um programa de TV que passava na Inglaterra nos anos 90, que você definitivamente não assistiu. A menção a alguma sub-celebridade local que você não vai entender. Um termo técnico, uma tradição regional.
Até mesmo a cena clássica de um brasileiro (eu, inúmeras vezes) puxando uma porta com o sinal de push (empurre) e disfarçando a porta emperrada.
Não é fácil ser estrangeiro. Requer aprendizado diário e constante. Minha eterna admiração vai para as colegas mãe expatriadas em países como Alemanha, Finlândia, Japão e outros países com línguas ainda mais complexas.
E não é porque eu falo bem inglês e trabalho com ele que estou salva de confusões e algumas gafes envolvendo o idioma… Vou dividir com vocês alguns micos que eu e amigas já pagamos em inglês.
Daughter ou doctor?
Levei minha filha ao médico para checar uma dor de barriga. Tempos de pandemia, todos de máscara na clínica, o que já apresenta uma barreira à fala e à escuta. Apertamos um interfone para que a secretária nos deixasse entrar na sala de espera.
Ela pergunta: “What’s your daughter’s name?” (Qual é o nome da sua filha?) ao que eu respondo: “I don’t remember. ” (Eu não me lembro). Essa conversa sem pé nem cabeça segue por alguns longos segundos e eu consigo piorar a situação: “What’s your daughter’s name?” (Qual é o nome da sua filha?). “I don’t remember her name, but I know she’s a woman. “(Eu não me lembro, mas sei que ela é uma mulher).
Finalmente entendo o que está se passando e tento me corrigir: “Oh, my daughter’s name… Sorry, I thought you meant my doctor’s name.” (Ah, o nome da minha filha… Desculpe, pensei que você estivesse falando do nome da minha médica). Entramos na sala e sentamos para esperar, com a certeza de que a secretária acha que sou uma mãe louca que esqueceu o nome da filha.
Dia do Pijama
Na Inglaterra não temos Carnaval como no Brasil, mas há diversos momentos em que os ingleses gostam de se fantasiar. Na escola, as crianças devem ir fantasiadas em várias ocasiões durante o ano. Uma delas é no dia do pijama, em que doações são feitas para a campanha “Children in Need“.
Chegamos no pátio e as crianças se divertiam por ver os colegas de pijama no ambiente escolar. Era um dia frio de outono. Uma coleguinha da minha filha se aproxima e a mãe faz comentários sobre a roupa das meninas. Mães inglesas não costumam ser tão falantes como as brasileiras em portas de escola.
Então, aproveito para tentar ser amigável e comento para a colega da minha filha: “Your pyjamas look very warm”(querendo dizer algo como: seu pijama parece ser bem quentinho, um comentário inocente e amável). Nesse momento, a cara da mãe “fecha” e ela responde: “Well, all pyjamas are warm, aren’t they?” (Todos os pijamas são quentes, não é mesmo?) e percebo que meu comentário saiu como algo do tipo: seu pijama parece ser quente demais – o que definitivamente não é algo bacana para dizer para uma menina de 7 anos no pyjama day da escola.
R.I.P.
Uma amiga pegou carona no táxi de uma senhora idosa. No intuito de ser respeitosa, já que era tarde da noite, minha amiga deixou a senhora em casa primeiro.
Querendo ser legal e gentil, ela se despediu com um rest in peace, querendo dizer “tenha uma boa noite de descanso”. Na verdade, ela usou a frase mais comum em lápides na língua inglesa: descanse em paz.
Inglês para quê?
Lembro de uma conhecida no Brasil dizendo que a sobrinha já não precisava mais aprender inglês, pois conseguia assistir aos filmes da Netflix sem precisar de legenda. Não respondi nada na hora.
Talvez para alguns seja suficiente ser capaz de assistir TV com o som original. Mas, se você pretende migrar para um país de língua inglesa, se você acha que pode precisar algum dia falar sobre sentimentos, dores ou questões burocráticas complexas, ou se você pretende ser ouvido, compreendido, se você pretende abrir seu mundo para uma nova língua de verdade: estude. Estude muito e sempre! E ria das gafes que você certamente seguirá cometendo mundo afora. Elas são parte da experiência e, quem só fala uma língua, não vai rir da piada.
Leia aqui um artigo sobre famílias multiculturais e idiomas, e nessa matéria da BBC sobre por quê aprender um idioma estrangeiro mudou a vida de alguns britânicos.
E você, tem alguma história engraçada de algum mico que já pagou no desafio de tentar entender e se fazer entender em outra língua? Conta pra mim aqui nos comentários pra gente rir juntas!
2 Comentários
Parabéns por seu trabalho tão importante! Ter alguém para te ajudar na comunicação em um momento de dor ou sofrimento é maravilhoso!
Moro nos Estados Unidos e tenho que tomar cuidado com a forma que pronuncio beach 🏖😂😂 já recebi olhares estranhos!!
O seu trabalho é lindo! Imagino quantas pessoas você já ajudou por aí. Sempre faço gafes em inglês, principalmente com a pronuncia. Confesso que neste momento pandémico, está complicado entender o inglês!