Há dois anos e meio que vim morar em Hong Kong com a minha família. Nesse tempo aprendi uma série de coisas que considero interessante compartilhar. Não, nunca esteve nos meus planos morar fora, muito menos na Ásia. Não era sonho de infância nem meta de vida. Isso aconteceu inesperadamente por conta de uma transferência de emprego do meu marido, conforme contei neste texto.
Deixamos o medo de lado (e era muito medo!) e encaramos o desafio da mudança. Agradeço sempre ter tido a coragem de cruzar esses mares, tanto os reais, quanto os internos.
Obviamente nem tudo foi fácil. Mas considerando a distância, as diferenças culturais e o fato de termos imigrado com duas pré-adolescentes, acho que tiramos de letra. Não sabíamos que gostávamos tanto de uma aventura e de uma mudança de ares.
Desde o início vim determinada a valorizar os ganhos da mudança, sem focar muito nas perdas, porque sempre há os dois lados. Por exemplo: moramos num apartamento bem menor do que o que morávamos no Brasil. Por outro lado, podemos andar tranquilamente na rua a qualquer hora do dia e da noite sem medo de qualquer tipo de violência. Vou ficar pensando que meus armários poderiam ser maiores? Que eu poderia ter uma copa ou um banheiro a mais? Claro que não. Desfruto da liberdade que a segurança traz e sigo em frente. Essa forma de ver as coisas nos ajudou demais na adaptação e penso que essa estratégia pode ser bem útil em qualquer tipo de mudança, das pequenas às grandes.
Minha listinha de aprendizagens
Neste tempo que viemos morar em Hong Kong, me dei conta de que nós, no Ocidente, e mais precisamente no Brasil, não conhecemos nada da Ásia. Talvez umas paisagens da Tailândia, uns estereótipos dos japoneses, alguns pontos turísticos de Cingapura e só. As pessoas em geral não sabem nem onde fica Hong Kong, se é uma cidade ou um país, se é parte da China ou não, mesmo o território sendo uma referência mundial em vários setores.
E por falar em China, por desconhecimento, sobra muito preconceito contra o país e tudo o que se relaciona à sua cultura. Obviamente não sou uma autoridade no que se refere à história chinesa, muito menos uma defensora de ditaduras, mas tenho lido tudo o que posso para conhecer melhor o país e entender onde, por que e como ele se encontra hoje. Estudar é essencial para não sair reproduzindo bobagens. E sim, atualmente o país é brilhante em muitas áreas do conhecimento, graças a muito empenho e muita disciplina.
Morando aqui percebi também que minha alma tem um quê de asiática: gosto de quem fala baixo, de quem respeita os vizinhos em relação a barulho, de quem não se atrasa, de quem cumpre sua palavra, mesmo nos atos mais simples.
Coletivo x individual
Ao morar em Hong Kong aprendi que priorizar o coletivo em detrimento ao individual traz enormes benefícios à sociedade, ainda mais em uma época de pandemia. Os números da Covid-19 sempre se mantiveram sob controle por aqui porque a população entende que precisa fazer a sua parte para o bem comum. Não há qualquer discussão sobre o uso de máscaras. Usa-se e pronto. Não há qualquer discussão sobre a necessidade de fechamento de um comércio por onde tenha passado uma pessoa infectada. Embora HK tenha sofrido demais com a perda de turistas e de faturamento no geral, as medidas tomadas pelo governo são respeitadas e cumpridas.
Sobre as línguas
Aprendi que não falar a língua local nos deixa de fora de muitas coisas: daquele papo com o porteiro, com o rapaz da padaria, daquelas notícias populares, dos boatos, das músicas locais, das piadas de que eles riem. Embora parte da população fale inglês (e ela seja língua oficial), na verdade a língua local da população em geral é o cantonês. Explico um pouco mais sobre meus perrengues linguísticos aqui neste texto.
Entendi, na marra, como o inglês é simplesmente essencial quando se sai do Brasil. E confirmei que o inglês que a gente aprende na escola realmente não serve para muita coisa. Ainda estou na caminhada, mas ao me comunicar bem melhor nesse idioma um novo mundo se abriu para mim.
Aprendi que crianças de fato têm uma facilidade enorme para adquirirem línguas estrangeiras/segundas/terceiras línguas. Elas tiram de letra o processo e a gente é que acaba aprendendo com elas.
Não aprendi mandarim, nem cantonês, e com razão elas estão na lista das línguas mais difíceis do mundo para se adquirir depois de adulto. Mas aos poucos vou entendendo os significados dos caracteres e vejo como é linda a sua formação e a lógica de seus significados.
Qualidade de vida
Aprendi ao morar em Hong Kong que se pode viver tranquilamente sem carro e é muito bom não ter que dirigir. Mas para que isso aconteça é necessário um grande investimento e planejamento em transporte público de qualidade. Hong Kong tem uma das maiores taxas de uso de transporte coletivo: cerca de 90% da população não usa carro.
Aprendi que escola em tempo integral faz bem para alunos e pais. As crianças fazem todas as atividades na escola, sem que a mãe pareça uma barata-tonta para lá e para cá levando-as aqui e ali todos os dias. Isso otimiza o tempo delas e o meu.

Gatinho da sorte e eu (Fonte: Arquivo pessoal)
Aprendi que aqui a gente não come morcego nem gafanhoto, nem cachorro. É possível comer de tudo o que queremos e fazer o nosso arroz-feijão-bife-batata frita sempre que quisermos. E também que amo óleo de gergelim, saio colocando em tudo! Aprendi, ainda, a apreciar o chá.
Descobri ao morar em Hong Kong que é uma delícia andar numa cidade limpa e com muito verde, em que as pessoas cuidam do lugar onde moram. Aprendi que, sim, aqui é onde o oriente se une ao ocidente. Hong Kong permite uma convivência enriquecedora entre os dois mundos.
Entendi que o Natal é muito mais charmoso no frio.
Descobri que ter uma Disney a meia hora de casa, acessível de metrô, é bom demais!!
Me dei conta de que deve haver mais de dois milhões de marcas de cosméticos e todas são vendidas aqui em todos os cantos. Nem que eu tivesse cem vidas e cem rostos conseguiria experimentar tudo o que há nas lojas.
Família e amigos
Descobri que as famílias que imigram se tornam muito mais unidas, ao não terem rede de apoio. Além disso, o contato com nossos conterrâneos também foi e é essencial para a minha adaptação e bem-estar.
Aprendi que os amigos verdadeiros são aqueles que nos acompanham mesmo à distância e vibram com as nossas conquistas. Os demais, nunca foram nossos amigos.
Entendi que há muito trabalho voluntário possível a ser feito tanto nos países para onde a gente imigra, quanto à distância (no Brasil, por exemplo, você pode acessar vagas de trabalho voluntário online no site Atados). Estar sempre envolvida em algum trabalho voluntário é essencial para que eu me sinta bem onde quer que esteja.
E o mais importante de tudo…
Entendi ao vir morar em Hong Kong que ainda tenho muito a aprender sobre novas culturas, novos lugares, novas formas de viver (sigo em treinamento! A listinha só aumenta dia após dia). Que adorei ter saído da minha zona de conforto e encarado o novo. E principalmente: amei ter oferecido essa oportunidade de aprendizado às minhas filhas. Possivelmente o melhor presente que eu poderia lhes dar.
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