Hoje é quarta-feira, e este é o dia que estabeleci para fazer a faxina da casa. Não porque alguém tenha me obrigado, mas porque assim me organizo melhor. Ao invés de seguir o exemplo de conhecidas que limpam um pouco a cada dia, e ignorando os tutorias de organização doméstica que vi na internet, prefiro fazer todo a parte da limpeza do trabalho doméstico de uma vez no dia estipulado por mim mesma.
Aqui na Inglaterra, moramos em uma casa de três quartos, com dois andares, carpete em cima, piso laminado embaixo e um quintalzinho do lado de fora. No Brasil, seria considerada uma casa “grande”, mas aqui é uma casa simples, em um bairro popular próximo ao centro da cidade. Famílias com crianças costumam preferir casas a apartamentos, e as imobiliárias muitas vezes estranham quando você tenta fugir a este padrão. Nunca imaginei que eu moraria em uma casa – nasci e cresci em um apartamento no Rio de Janeiro e achava que um apartamento seria mais prático e fácil de cuidar. Mas ultimamente tenho agradecido pela escolha desta morada, que nos permite ter algum espaço ao ar livre, mesmo com as restrições do isolamento social.
Em tempos de pandemia, vejo muitas conhecidas nas redes sociais postando sobre faxina, preparação de refeições e algumas tendo a chance de estar mais próximas nos cuidados com os filhos pela primeira vez. Digo para uma amiga que, depois de um tempo, fazer os serviços da casa já não é mais novidade, é algo como escovar os dentes ou arrumar a cama logo que se acorda. Você já faz automaticamente, como parte das suas obrigações. Mas a diminuição do ritmo imposta pelo Coronavírus fez com que houvesse mais espaço e demanda para os afazeres domésticos.
Trabalho doméstico: um outro olhar
Com todos em casa o dia todo, há mais limpeza para fazer, louça para lavar, brinquedos para organizar, além das atividades com as crianças e todas as questões de home office. Nossa sala agora abriga mais papéis, lápis, tesouras, massinha e tinta do que antes. Todas as refeições são feitas em casa e nos sentimos mais ousados para testar novas receitas, assar bolos e biscoitos e aproveitar melhor o aconchego do nosso lar.
Começo a limpeza pela cozinha: bancada, fogão, pia, mesa, pano no chão. Gosto de ouvir música enquanto faxino e me proíbo de olhar o celular durante este tempo, o que pode ser uma grande benção. Entro no banheiro munida de pano, desinfetante e água sanitária. Pego o aspirador de pó e vou subindo a escada acarpetada, aspirando degrau por degrau.
Apesar do trabalho doméstico ser pesado e infinito, eu me alegro em encher uma esponja com sabão e passar pela parede do banheiro, em ver o aspirador levar embora toda aquela poeira acumulada e, principalmente, em fazer uma refeição inteira do jeito que posso e sei fazer. O aroma de limpeza me lembra do Brasil. A casa está cheirosa e sinto um certo orgulho ao ver tudo limpo e organizado. Faz bem saber que sou capaz de, com minhas próprias mãos, limpar e arrumar minha casa, lavar minha roupa e fazer a minha comida.
Como muitas brasileiras de classe média, eu carregava a crença de que eu não saberia, não precisaria e não teria prazer em fazer essas coisas todas. Mas nada como viver em outra cultura para desfazer uma ideia pronta. Lembro que, pouco depois de chegarmos aqui, ouvi uma senhora inglesa bem idosa falando no ponto de ônibus sobre um rapaz que cortava a grama na casa dela. Comentei que gostaria de ter alguém para cortar a minha grama, ao que ela logo respondeu: “você é jovem, pode empurrar um cortador de gramas sem problemas.” Recado entendido. Sou eu mesma quem irá tomar conta das minhas coisas. Como todo mundo por aqui. Sugiro para aprofundar esta reflexão a leitura da matéria da BBC Brasil que pode ser lida clicando aqui.
Profissional de limpeza: uma relação de trabalho e não de exploração
Certamente é possível contratar uma faxineira para limpar sua casa na Inglaterra e conheço pessoas que usam este serviço, apesar de eu mesma nunca ter usado. No entanto, esta profissional irá passar uma ou duas horas na sua casa e fazer estritamente o serviço de limpeza com o material que ela própria traz e cobrando caro por isso. Se você pedir para ela dobrar suas roupas lavadas, pegar um copo de água na cozinha ou servir o café da manhã para você, ela vai pensar que você enlouqueceu ou tem alguma doença física que te impeça de fazer isso sozinha. Nem pense em pedir para ela “olhar seus filhos” ou fazer qualquer outra coisa que não seja limpeza, porque ao contratar uma faxineira, você não compra o tempo de dela de forma irrestrita, mas sim paga pelo serviço prestado.
Não se trata de romantizar a atividade, já que, obviamente, nem sempre é algo agradável e, em geral, é bem cansativo e pode ser tedioso.
Mas a minha sujeira pertence a mim, sou eu quem vai dar conta dela e é preciso dar valor a este trabalho. No arranjo familiar, divido as tarefas com o marido, que também cozinha, cuida das crianças e fica responsável pela parte de quintal e lixeiras. Nossas filhas participam também e tê-las conosco nas atividades do dia-a-dia é uma forma de conexão entre nós. Quero que elas cresçam sabendo que são capazes de fazer isso tudo e, mais ainda, que saibam que este cuidar é natural, parte da vida e que não é preciso o tempo todo delegar aos outros nossa sujeira, nossa bagunça e nossa insegurança.
E assim a casa segue o seu ciclo de ser arrumada para logo depois se desarrumar, o que vai dando o tom da nossa rotina, dia após dia. Hoje é quarta-feira de novo e, apesar de estar cansada, encaro a arrumação da casa e aproveito para mudar algumas coisas de lugar.
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5 Comentários
Também acho que minha visao das “domesticidades ” como eu chamo, mudou bastante depois que vim para cá.
Nossa relação com praticamente tudo muda, né? Mas com a casa, especificamente, sinto uma mudança enorme.
Oi Ana! Por aqui o dia da faxina e segunda-feira e gosto de ter esse dia separado para isso pq daí me organizo melhor.
Também gosto de me organizar assim!
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