O que aprendi após um ano morando na Itália
Nós descobrimos muito sobre nós quando somos tirados da nossa zona de conforto. Enquanto tudo é conhecido e familiar é mais fácil enfrentar as dificuldades.
A mudança de país nos mostra que não somos bem aquilo que pensávamos que éramos e traz a tona vários fatos sobre nós e sobre o mundo que antes passavam despercebidos.
Eu experienciei e aprendi muito há quatro anos atrás no meu primeiro expatrio para a África do Sul. Achei que já era camaleoa, mas a mudança para o hemisfério norte veio me mostrar que eu ainda tinha muito a aprender.
Eu já contei em outros textos que é fácil gostar da África do Sul com seus lindos dias de sol quase o ano inteiro e muito espaço. E por incrível que pareça foi mais fácil se adaptar na terra do Hakuna Matata.
Então veio a oportunidade de morar na Europa, o sonho de quase todos os brasileiros. E não era somente a Europa, era a Itália, um dos países mais queridos do mundo. Consequentemente seria muito mais fácil que a África, né?
Hoje, com um ano morando na Itália, vou contar o que aprendi estando no Bel paese (país bonito), como a chamam por aqui, com toda a razão.
As estações do ano
Aprendi que para gozar o verão é preciso passar pelo rigoroso inverno.
Eu cheguei aqui no inverno e fiquei chocada pela quantidade reduzida de frutas e verduras disponíveis nos supermercados. Como por aqui eles optam pelas frutas da estação, no inverno não tem muita variedade.
No inverno, não sei se pela estação em si ou pela dependência de aquecedores, parece que as frutas e legumes estragam muito mais fácil e você precisa comprar com uma frequência maior.
Você não vai passar frio na Europa se souber se vestir, o que me incomoda é que para passar da sua porta você vai ter que colocar todos os apetrechos: bota, casaco, cachecol e às vezes luva e toca.
Se você tem filhos pequenos a dica é vestir as crianças primeiro, pois correr atrás deles para colocar “a fantasia de inverno” ou esperar que eles se vistam estando vestida no aquecedor pode te fazer suar.
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Ter mais meses frios que quentes no ano faz você entender o valor que os europeus dão para o verão e você passa a dar esse valor também.
Não é somente a questão do frio que faz eles darem valor ao verão. São os dias bonitos de sol. A maioria dos dias de inverno por aqui são cinza e escurecem muito cedo, por volta de 16h. A falta de sol é cientificamente comprovada como causa de depressão.
Para compensar, os dias de verão são apaixonantes escurecendo lá pelas 22h. Foi muito fácil me apaixonar por isso!
A Europa é cheia dos extremos e se os invernos são rigorosos, os verões passam de 40 graus. E você passa a entender como a primavera e o outono são importantes.

Arquivo pessoal – Inverno em Turin
Sobre moradia
Tudo aqui é mais apertado. Me chocou muito o lugar da máquina de lavar roupa ser no banheiro, que geralmente não tem janelas. As pessoas aqui são acostumadas a viver em menos metros quadrados.
Tudo aqui é antigo e o antigo aqui é antigo mesmo. As pessoas aqui dão muito valor para isso. Os agentes das imobiliárias enchem a boca para falar quando um prédio é de 1700.
Mas não se esqueçam que o conforto de 1700 não era como o de hoje, sem contar os layouts diferentões, para não falar esquisitos.
Muitos prédios aqui em Turin são de arquitetos famosos e não podem serem alterados externamente. As belas janelas de madeira não vedam barulho e não seguram o aquecimento interno. Ar condicionado com a maquina para fora, nem pensar.
O serviço aqui é algo bem caro, reformar esses prédios antigos com uma boa qualidade de acabamento é algo caríssimo. Infelizmente algumas reformas para apartamentos de aluguel são feitas “nas cochas”.
Aqui é uma grande oportunidade de aprender o minimalismo da nova era e deixar para trás o costume de possuir tantas coisas.
Sobre dirigir na Itália
Eu cheguei com aquele estereótipo de que eu sou acostumada, então eu faço!
Dirigir na Itália vai contra todo o conhecimento e experiência de direção que você já teve na vida. Eu nem falo pela loucura do transito italiano que é famoso mundo a fora. Isso você se acostuma.
Também não é caro ter carro aqui na Itália, como eu já disse antes, caros são os serviços, como seguro e manutenção.
O problema é espaço novamente. Garagem é luxo. Achar vaga de estacionamento aqui é mais difícil que achar a tal da agulha no palheiro. Você pode sair de casa decidida a pagar o preço que for por um estacionamento e as vezes você encontra todos lotados. Se tiver chovendo então…
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Sem contar sobre a ZTL, você não pode sair dirigindo por onde bem entender pela Itália, aqui temos as famosas zonas de tráficos limitados que servem para não parar o transito nas ruas finas dos centros históricos e proteger o patrimônio antigo.
É um pouco desesperador estar dirigindo e dar de cara com o sinal de ZTL fechado e você estar em uma rua contra mão e não poder voltar. Por aqui foram sete multas esse ano.
Mesmo quando meu marido viaja e deixa seu carro em casa eu prefiro sair andando, mesmo que tenha que andar bastante. É muito frustrante estar de carro e não saber o que fazer com ele. Por aqui consultórios e farmácias não possuem seus próprios estacionamentos.
E eu sou o tipo de pessoa que dirige em qualquer lugar, eu gosto de dirigir. Dirijo na direita e na esquerda (na África do Sul é mão inglesa).
O sonho europeu
Outra coisa que me chocou foi pelo tanto de moradores de rua e prostitutas que vemos por aqui. Eu realmente não estava esperando por isso, pois temos uma ideia de perfeição da Europa.
Aqui tem flanelinha nos semáforos como em países em desenvolvimento como o nosso. E eles são até mais chatos. Não adianta fazer sinal para não limparem o vidro, eles vão jogar sabão no seu carro. A estratégia é ligar o parabrisa e já ir acelerando.
Na Itália o transporte público não funciona com perfeição como em outros países da Europa e aqui em Turin estão sempre cheios e tem muitas greves.
Dizem que a saúde publica aqui é referência, mas escuto muita reclamação, não sei se por estarmos na quarta maior cidade da Itália. Na minha experiência, a única vez que tentamos ir em um hospital infantil público aqui, a fila de espera estava de quatro horas.
Um ano depois
Não importa quantas vezes você mude, você vai ter que se adaptar, se reinventar, se acostumar e mudar seus estereótipos em todas elas.
Você nunca vai conseguir ser a mesma pessoa depois de uma experiência de expatrio, junto com a evolução vem muitos aprendizados e muitos caprichos são deixados para trás.
Depois de ter vivido as quatro estações por aqui, eu posso dizer que tudo bem ter menos espaço, tudo bem ter que caminhar muito. Eu até aprendi a apreciar o inverno para poder viver todas as cores, sabores, artes e histórias de um dos lugares mais lindos e amados do mundo.
É muito especial ser vizinha dos Alpes e do mar Mediterrâneo. Para mim o lado bom sempre compensa.