Mudar de país sem perder o rumo.
Essa semana eu li uma analogia superinteressante sobre como podemos perder o foco quando estamos fora de nossa zona de conforto. Durante essa leitura eu pude entender perfeitamente qual foi o meu processo e porque várias coisas na minha vida, e na dos meus filhos, ficaram confusas por um longo período.
Estou lendo o livro “Hold on to your kids“, de Gordon Neufeld e Gabor Mate. Eu posso explorar esse livro sob dezenas de ângulos e ainda não esgotar todo o seu conteúdo. É um livro um pouco repetitivo, mas, sem sombra de dúvidas, um excelente texto para quem se interessa pelo tema educação e desenvolvimento infantil.
Em um determinado momento do livro me deparei com a seguinte frase:
“Se você se perde durante uma caminhada, você não irá parar para apreciar a natureza, pensar nos seus objetivos de vida ou pensar no jantar. Encontrar o seu caminho tomará toda a sua energia e atenção”.
O autor falava a respeito de orientação de vida e transmissão de cultura e valores. Foi como ter encontrado a luz. Eu percebi como havia me perdido em valores e orientação de vida durante as minhas expatriações. Como os choques culturais que havia passado me fizeram perder o rumo.
Comecei a imaginar uma família caminhando numa montanha. O pai ou mãe explicando que existiam várias rotas. Uma rota mais difícil, mas curta. A outra, mais tranquila, mas sem muitas coisas para apreciar pelo caminho. E a rota que eles iriam fazer naquele dia era uma mistura das anteriores. Em um determinado momento iria chover, mas eles tinha trazido capa de chuva para todos, os calçados eram apropriados para o terreno e que possuíam água e comida suficientes para a aventura.
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Todos esse detalhes e planejamento haviam sido feito sem problemas, afinal de contas várias gerações daquela família já tinham caminhado na mesma montanha. Os pais sabiam o que iriam encontrar pela frente e qual caminho escolher.
Quando a família chega no objetivo, os filhos olham para a montanha e percebem que, na verdade, existiam inúmeros outros caminhos, que cada família chegou de uma forma diferente. E que um dia eles também iriam fazer essa caminhada com sua própria família, não só com sua própria experiência, mas com o acúmulo de todas aquelas histórias que ouviram quando chegaram ao topo da montanha.
Caminhada com uma guia insegura
Essa foi a história da minha vida. Meus pais foram os meus guias e, mesmo sabendo que eu queria caminhar por outras rotas, as dicas e ensinamentos que recebi estavam comigo.
O grande detalhe é que eu decidi não apenas caminhar por outras rotas. Eu optei por mudar de montanha. Ou seja, toda a bagagem de experiências que eu possuía não serviam para muita coisa num terreno totalmente desconhecido.
Pior, a primeira vez que eu fui caminhar nesta montanha nova, eu levei o meu filho comigo. Além de descobrir durante o caminho o que era necessário e qual o tipo de terreno, eu ainda era a guia da aventura. Quando a rota se bifurcava, eu não tinha a menor ideia do que iria encontrar pela frente.
Eu escolhia a rota sabendo que existiam várias outras e não tinha a menor certeza se estava tomando a atitude correta. Eu olhava para o lado e percebia que as pessoas tinham sapatos diferentes dos nossos. Provisões especiais, outros equipamentos que sequer conhecia. Era uma caminhada com uma guia insegura. Não posso imaginar uma analogia melhor do que essa.
Uma montanha chamada Alemanha
O nome dessa montanha era Alemanha. Eu achei que estava despreparada emocionalmente para me mudar com uma criança de 9 meses, sendo eu uma pessoa mimada a minha vida toda. Os anos foram passando e eu fui conhecendo pessoas que me chamavam de corajosa e determinada – adjetivos que eu jamais usava para me definir. Acontece que eu conheci e conversei muito com pessoas que não mudaram de país, que deixaram a oportunidade passar e algumas delas se arrependeram.
Eu sempre me questionei muito sobre os meus quatro anos na Alemanha, porque eu via aquele período mais como amadurecimento do que como um momento feliz na minha vida. Eu sempre atribui a minha melhor “performance” na Polônia, graças à experiência.
Obrigada, Gordon Neufeud, por mais esse ensinamento! O que aconteceu comigo nada mais era do que toda a minha energia focada para encontrar ou reencontrar o caminho em novos terrenos. Eu não tinha foco para apreciar a paisagem, entrar em contato com meus pensamentos e emoções. Eu estava totalmente concentrada em não me perder durante aquela aventura, não deixar o meu filho perdido comigo.
Saiba como: Vivenciar a nova cultura sem deixar as raízes brasileiras
Redefinir valores incorporando uma nova realidade é um trabalho descomunal. Atuar de forma racional em situações tão simplórias como festa de aniversário, trabalho escolar, alimentação, vestimenta, relacionamento com os outros pais, vida profissional. Situações que as pessoas no seu próprio país sequer param para pensar. Eu sei o que eu gosto, o que eu quero, o que está dentro do meu orçamento e ponto.
Em um outro país essas tarefas automáticas se tornam exaustivas. Eu tenho condições financeiras, eu quero, mas será que devo? Até que ponto incorporo a nova cultura? Como vou apresentar e desenvolver a minha cultura sem alienar meu filho da cultura local?
Eu achava que estava deprimida, que não estava preparada. Hoje eu finalmente entendi que o que estava acontecendo comigo naqueles primeiros anos de maternidade aliado a viver em um novo país era demasiadamente pesado. A energia consumida era muito grande.
Obviamente existem, sim, casos onde as pessoas entram em depressão, onde percebem que voltar é a melhor opção. O objetivo desse artigo não é apresentar solução mágica ou “a” resposta definitiva, mas apenas mostrar que pode existir uma nova perspectiva. A análise da situação pelo viés da definição de rota.
Definindo a rota para a caminhada ser mais leve
Você está consciente para onde está indo? Você está com seus valores calibrados para essa nova realidade/sociedade? Você e seu marido estão de acordo e conversam sobre a importância e como irão desenvolver a cultura brasileira em sua casa?
Essas conversas e definições de rota serão sempre reajustadas, mas para que o caminhar seja mais leve eu descobri a necessidade dessas definições.
Eu espero que a grande maioria não se identifique com este texto. Que leiam com o pensamento de que estou falando o óbvio. Mas meu coração está com aquelas que, lendo esse artigo, estejam sentido-se exauridas. Que, como eu por vários anos, acham que não darão conta. Para você que chora sem saber por quê. Que acorda cansada.
Eu estou escrevendo para dividir com você uma possibilidade. Talvez essa não seja a solução para o seu caso. Mas continue procurando, conversando e se informando. Não se contente em viver uma vida sem apreciar a paisagem. A paisagem é linda!!! E seus filhos precisam de você como guia para mostrar as belezas que estão ao seu lado.
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