Mudança para a China e colônia de férias para bebê
Quando eu e meu marido viemos à Xangai em uma pré-visita, uma das coisas que fizemos foi escolher a creche da Clara. Após visitarmos duas escolas e uma creche internacionais, acabamos optando pela creche por ser menor, por ter crianças só até seis anos de idade e, portanto, com um ambiente mais parecido com o qual ela estava acostumanda na Inglaterra.
Na matrícula, nos informaram que as aulas propriamente ditas começariam em setembro, com três dias de adaptação em agosto. Nossa mundaça estava programada para julho o que significaria que por dois meses a Clara ficaria em casa comigo. Sabíamos que a creche oferecia um summer program (programa de verão), o equivalente a nossa colônia de férias, mas nem eu nem meu marido consideramos essa opção: achávamos que seriam mudanças demais para ela que já estava mudando de casa pela segunda vez (tivemos que ficarm em um apartamento temporário em Cambridge), e saindo de uma cidade pequena na Inglaterra para Xangai na China!
Além disso, apesar da creche ser internacional, tendo o inglês como a principal língua de instrução, o mandarim é falado tanto pelas assistentes, como por muito alunos, o que seria uma outra grande mudança no cotidiano dela.
Como a colônia de férias não tem adaptação e é em geral para crianças que já passaram o ano todo na creche, nem pensamos nesta possibilidade para a Clara. No conforto na nossa casa em Cambridge, com ela na creche três vezes por semana, decidimos que daríamos a ela um processo de adaptação mais lento e gradual possível, estando ao lado dela a cada minuto. O plano portanto era eu ficar em casa com a Clara em julho e agosto e depois da adaptação, começar a creche em setembro. Ah, como a maternidade ideal é fácil!
E aí bateu a realidade
Se no mundo ideal nosso plano parecia ser o mais sensato, na realidade tudo foi muito diferente. Chegando em Xangai, ficamos em apart-hotel sem nenhuma área ao ar livre para ela brincar por perto. Ainda sem saber onde fazer compras e com uma cozinha pequena, não conseguia manter uma alimentação balanceada para ela e cada refeição era um exercício de ou sair de casa duas vezes por dia ou pedir para alguém na recepção pedir comida por aplicativos (nós não podíamos por não termos na época conta em banco na China).
Faltava também uma rotina. Na Inglaterra, Clara ia à creche três vezes por semana e, nos outros dias, ela tinha atividades programadas. Quando chegamos aqui, eu não sabia nada sobre atividades para crianças. De repente Clara passou de uma vida super estruturada com atividades voltadas para a idade dela, para um cotidiano sem rotina nenhuma. Muito pelo contrário, ela acabou tendo que nos acompanhar em atividades super cansativas para ela como ver apartmentos e uma ida ao Centro de Segurança Pública para fazer tirar nossa residência.
E assim passou-se a primeira semana, com meu marido indo trabalhar e nós duas em casa. Clara claramente frustrada com a falta de rotina e eu com falta de tempo para mim mesma. Numa sexta-feira, uma semana depois de chegarmos, falei para o meu marido: “vamos reconsiderar a colônia de férias da creche?”. Ele achou uma excelente ideia, e na segunda-feira liguei para a creche para saber se ainda havia vaga. A diretora confirmou que sim e perguntou quando eu queria que a Clara começasse. No dia seguinte as 9h da manhã eu e Clara estávamos na porta da creche.
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A creche encoraja que os pais e cuidadores fiquem com as crianças nos primeiros 30 minutos e foi isso que eu fiz. Conversei com a professora da Clara e às 9:30 fui embora enquanto ela foi para a sua primeira atividade, roda de música chinesa. Eu, por mais tranquila que seja em relação a deixar a Clara com terceiros, optei por passar as primeiras horas da manhã em um café na esquina da creche, caso ela chorasse ou algo parecido.
Quando deu 11 horas, passei na creche, perguntei pela Clara e fiquei sabendo que ela estava super bem. Fui para casa, malhei, comi e tomei banho com calma. Às 15 horas, fui buscá-la e encontrei na salinha de aula uma Clara feliz, sorridente e suada de tanto brincar. Clara não chorou ou pediu para ir para casa. Comeu bem e dormiu sozinha, assim como fazia na creche na Inglaterra.
No dia seguinte já acordou sabendo que tinha creche. Nesse tempo, eu e meu marido conseguimos organizar nossa vida nova enquanto nossa pequena passava seus dias em um espaço próprio para ela. Foi na creche que eu também conheci outras mães e inclusive fiz uma amiga que me ajudou muito emprestando brinquedos para a Clara e comprando coisas no Taobao (a Amazon daqui que exige conta de banco chinesa) enquanto nós não tínhamos uma conta local. No fim, foi uma decisão muito acertada.
Cada família é única
Mas poderia não ter sido. De longe, parece loucura colocar sua filha de dois anos e meio na creche com uma semana só na China! Mas eu conheço a minha filha e achava que ia dar tudo certo. Ela se adaptou muito bem à creche na Inglaterra e tinha quase certeza que ia dar tudo certo. Sei também que criança precisa de rotina e sabia que naquele momento eu não tinha condições de proporcionar isso para ela. E, por último, mas não menos importante: eu me conheço e sei que eu sou uma mãe melhor quando tenho tempo para mim ainda mais quando eu também estou tentando me achar em um país novo.
Por isso eu digo que não há regra. Para algumas famílias, mandar as crianças para a creche logo no início pode ser difícil tanto para os pais quanto para as crianças. Há crianças que sofrem um pouco mais para adaptar e mães que sentem culpa em deixar seus filhos o dia todo longe delas sem necessidade urgente. Mas há crianças que se adaptam rápido e aí a creche oferece estabilidade no novo país. Cada criança e cada família são únicas e é preciso respeitar isso. Se a decisão de colocar seu filho ou filha na creche for um estresse enorme para ele(a), talvez não seja o melhor momento. Da mesma forma, se a mãe for se sentir culpada o tempo todo por ficar longe do filho nas férias, talvez essa solução não seja ideal.
Para nossa família fez uma enorme diferença nesse momento de transição e me ensinou duas grandes lições. A primeira foi sobre não passar nossos medos do desconhecido aos nossos filhos. Apesar de ter decidido colocar a Clara na colônia de férias, ainda me perguntei algumas vezes durante o final de semana se tudo aquilo não era muita novidade para alguém tão pequena.
A segunda lição foi nunca subestimar minha filha; sua capacidade de adaptação é realmente notável e ao invés de superprotegê-la do desconhecido, preciso encorajá-la a descobrir o mundo sabendo que estarei sempre por perto caso ela precise.