Migrar em família parte 1
Ver e entrar em contato com situações de dificuldade socioeconômica me doem na alma, desde pequena. Talvez este seja, dentre outros, um dos grandes motivos pela escolha da minha profissão.
Enquanto morava no Brasil, as desigualdades regionais me chamavam muito a atenção. Trabalhei por alguns anos em uma agência do governo federal e tive a grande oportunidade de conhecer, a trabalho, ao menos 2/3 dos estados brasileiros. Estive nas maiores capitais e nos menores municípios, viajei de barco-gaiola pelo Amazonas, mais especificamente pelo Solimões, visitando comunidades ribeirinhas sem acesso a água potável ou energia elétrica. Estas vivências só me enriqueceram, social e culturalmente. Pude perceber que o mundo era muito maior do que minhas concepções iniciais e que existem muitos modos de viver e de enxergar a vida e o mundo, nenhuma certa ou errada, mas todas colocando mais um tijolo nesta grande construção do conhecimento humano.
Leia também: Como fazer o registro de nascimento de um filho na Itália
Há quase dois anos moro na Itália, com meu marido, meus dois filhos e meu cão (meu filho peludo). E se eu acreditava que minha visão era ampla, percebi aqui que, na verdade, era só uma pequena parte da amplitude do mundo e dos modos de viver. E um fato que me chamou a atenção desde que me mudei foi a crise da imigração e de refugiados que assola a Europa e o mundo. Sempre comparei minha imigração (com o objetivo de cursar um doutorado, bem organizada, pensada, com meu núcleo familiar) com a imigração de pessoas que colocam sua família em um bote e cruzam um oceano, sem documentos, colocando em risco suas vidas e das pessoas que mais amam (na maior parte das vezes seus filhos). E há pouco tempo a crise migratória ganhou outros contornos com a separação de quase 2.000 crianças de suas famílias nos Estados Unidos. Não pude deixar de pensar nos meus meninos.
Por conta dos fatores que mencionei, percebi que não entendia bem as definições de cada grupo. Migrantes, refugiados, expatriados e mais outras palavras constituíam um grupo meio “bagunçado” na minha cabeça. Este é o motivo deste texto. Para ser bem sincera, escrevi para mim, para organizar minhas ideias e concepções, mas espero que sirva para muitas outras pessoas, afinal, se você está lendo este artigo, provavelmente pretende migrar, já migrou ou conhece alguém nesta situação. Para entender melhor, consultei vários textos e organizações que lidam com imigrantes e refugiados. Alguns eu citarei ao longo do texto, mas a maior parte das informações vêm dos sites do Alto Comissariado das Nações Unidas para Refugiados (ACNUR) e do Comitê Nacional para Refugiados, do Ministério da Justiça do Brasil (CONARE).
Como os conceitos são complexos, escrever tudo de uma única vez ficaria muito cansativo. Deste modo, dividi o texto em duas partes. Mas estes dois textos sobre definições serão os primeiros de uma pequena série sobre imigração nas mais diversas condições.
A maior parte dos imigrantes e refugiados imigra com suas famílias e com seus filhos ainda na fase da infância, segundo o ACNUR. Assim, o número de crianças expostas ao stress de uma mudança de país é bastante considerável (trarei mais dados nos textos seguintes). Assunto da maior importância atual e futura. Então vamos lá: aos conceitos!
Imigrante
Uma pessoa que se desloca, em geral de forma voluntária, de seu país de origem para outro, com intenção de se estabelecer definitivamente ou por algum tempo no Estado de acolhida, é considerado, por este, um imigrante.”
Ou seja, qualquer pessoa que se muda de um país a outro é considerado imigrante, a não ser que esteja fugindo de guerras ou perseguição (neste caso a definição correta é de refugiado, explicado na parte 2 deste texto). Há inúmeros motivos que levam um indivíduo a tomar a decisão de migrar, mas uma das principais razões é econômica, quando a pessoa parte para outro país com a esperança de ter uma condição de vida melhor. Imigrantes podem estar fugindo da pobreza, de desastres naturais, podem estar buscando se juntar a seus familiares ou estar simplesmente buscando melhores oportunidades.
O termo migração refere-se ao movimento de uma pessoa ou grupo de pessoas de uma unidade geográfica para outra através de uma fronteira política ou administrativa, que deseja se instalar definitiva ou temporariamente em um lugar diferente de seu lugar de origem.”
Os imigrantes podem ser classificados em duas categorias: os legais ou os ilegais (indocumentados). Todos os países possuem regras determinadas, em geral na Constituição, de como cidadãos de outros países podem entrar em seu território. Os imigrantes legais cumprem estas normas enquanto que os indocumentados não as cumprem.
Tomando meu exemplo para clarificar, sou hoje uma imigrante legal na Itália. Antes de imigrar sabia que ficaria por três anos na Itália, logo, o visto de turista, de três meses, não valeria. Deste modo, antes da imigração fui, com toda a documentação requerida, ao Consulado Italiano em São Paulo dar entrada na solicitação de visto para estudo. Recebi o visto, mas assim que cheguei na Itália, tive que me dirigir até a Questura (polícia federal italiana) e entregar mais uma série de documentos, inclusive minha residência nestes três anos. Quando recebi o permesso de soggiorno, fui declarada pelo governo italiano como uma imigrante legal.
Cada país tem suas regras próprias, apesar de, em geral serem bem parecidas. Assim, antes de qualquer imigração, devemos ler e conhecer as regras de entrada naquele país, determinadas em legislação. Do mesmo modo, cada país determina as sanções no caso de não cumprimento às leis. No caso do Brasil, segundo a Lei da Imigração (Lei no. 13.445, de 24 de maio de 2017), nenhum migrante pode ser preso por estar em situação irregular. Ou seja, não há criminalização por razões migratórias. Por outro lado, em outros países pode haver desde detenção do imigrante indocumentado até a deportação e proibição de reentrada naquele país, por um período ou de maneira definitiva.
Existem ainda categorias específicas de imigrantes, protegidas por tratados internacionais, em especial pela Declaração Universal dos Direitos Humanos, que são as pessoas vítimas de tráfico (sim, isto ainda existe no século XXI!) e os menores desacompanhados, separados de suas famílias. Estes indivíduos em geral são enquadrados em legislações específicas e protegidos por tratados internacionais. Apesar de serem imigrantes, acabam se encaixando mais na categoria de refugiados.
A segunda parte do texto
No próximo texto trarei as definições de refugiado, asilado político, expatriado e apátrida. E mais uma vez quero chamar a atenção do motivo deste texto: o de auxiliar na decisão e no modo de imigração com filhos.
A Tatiana Buzzi escreveu um lindo texto sobre “A influência do bem-estar materno na vida dos filhos“. Imigrar nos exige muito como pessoa. Desestabilizamos por um período para nos reconhecer mais fortes depois de um tempo. Mas imigrar de modo ilegal ou entrar em um país como refugiado estão no ápice das situações estressantes que possam existir.
Em última instância, todas as crianças deveriam ser protegidas destas situações. E só podemos agir se tivermos conhecimento. Mais uma vez, o motivo deste texto.
1 Comentário
[…] entender as diferentes definições de imigrantes, clique aqui e […]