Infância entre dois continentes – como é ser criança na África do Sul e na Itália?
Meu filho nasceu no Brasil e nos mudamos para a África do Sul quando ele estava com 5 meses. Com 3 anos e meio nos mudamos para Itália, onde ele está aprendendo o seu terceiro idioma e se adaptando a viver nos grandes centros europeus.
Quando somos cidadãos do mundo e estamos sempre mudando de país, temos que nos acostumar com as drásticas mudanças culturais que sofremos no decorrer desse processo. Se mudar de cultura já é difícil para nós, adultos, que conseguimos entender, imagina o quanto é difícil para uma criança pequena, que tinha uma rotina estabelecida com amiguinhos queridos e, de repente, precisa reaprender um monte de coisas.
Eu, que sempre morei em cidades do interior no Brasil, confesso que não senti tanto o choque cultural quando me mudei para a África do Sul. Senti uma diferença maior quando fomos de lá para Turin, cidade no norte da Itália onde estamos atualmente.
A vida com crianças na África do Sul
Eu considero uma tremenda sorte estar na África do Sul com uma criança pequena. Pela facilidade de ter ajuda, pelas escolas serem relativamente baratas, pelo espaço das casas e jardins, por ser comum morar em condomínios fechados onde o transito não é perigoso, por eles poderem se sujar e ser crianças.
Conforme as crianças vão crescendo, passa a não ser vantajoso. Tenho receio de que, a partir de uma certa idade, as crianças comecem a absorver na escola o preconceito, que ainda é enraizado na cultura de lá. Criar adolescentes na África do Sul também não é fácil. Eles são completamente dependentes dos pais devido à falta de segurança e à precariedade do transporte publico, que não funciona como nos países desenvolvidos. Eu não me recordo de ver grupos de adolescentes em shoppings à noite ou em bares e restaurantes. Os encontros são sempre na casa de um ou de outro (falo de Pretória, pois Cape Town é uma cidade menos perigosa). Lembro da filha adolescente de uma amiga falar para mãe: “Você irá saber quando eu tiver o meu primeiro namorado, pois eu estou grudada em você 24h”.
A África do Sul é muito parecida com o Brasil, tanto nas coisas boas quanto nas ruins, como por exemplo: a falta de segurança, a corrupção e o clima. O custo de vida é mais barato (o que ajuda na adaptação), as casas possuem quintais grandes (comparando com o interior no Brasil) e há facilidade para contratar ajudantes para o trabalho doméstico.
A chegada na Itália e o choque cultural
Na Europa, o que assusta de cara é o custo de vida – mais caro do que no Brasil e altíssimo quando comparado com o da África do Sul. Depois, é morar em apartamento com crianças. É quase impossível estacionar nas cidades históricas italianas, por isso pode ser que você não tenha carro, o que é algo difícil com criança pequena. O maior desafio para mim é o clima. Se andar com varias camadas de roupas já é difícil para nós, imagina para uma criança brincar e correr… Meu filho ainda não entendeu o esquema das roupas de inverno e sempre me pergunta se não pode sair sem casaco ou de sandálias havaianas.
Eu não sei se é porque sou recém-chegada e ainda não conheci os lugares certos para ir com crianças, mas acho que no norte da Itália os lugares não são preparados para os pequenos. Percebo que as pessoas se incomodam com o barulho que eles fazem. Acho a África do Sul um lugar super “child friendly”, onde a sociedade permite que elas sejam crianças livremente sem terem que se comportar como adultos.
Na África do Sul, há restaurantes com parquinhos bem estruturados a cada esquina. Entre os preferidos, posso citar: Papachinos, onde as crianças podem até cozinhar sua própria pizza; o Café 41, do qual eu morro de saudades de beber um vinho sulafricano com minhas amigas enquanto nossos filhos brincavam; Afroboer, um lugar super fofo com parquinho na terra. E também tinha o Crawdaddy’s perto da minha casa, um lugar que o Lucca brincou muito enquanto o papai tomava uma boa cerveja. Eu poderia ficar por muito tempo citando lugares com espaços para crianças no sul do continente africano, como hotéis e até vinculas. Por lá, as pessoas gostam de crianças e não fazem careta quando você as tem, na Itália, não me sinto à vontade para ir a restaurantes com meu filho enérgico, os prédios são antigos, sem espaço e as pessoas te olham feio a cada ação da criança.
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Senti muita diferença na escola também. Fomos bem recebidos e a professora é muito carinhosa, mas senti falta da terra, das árvores, do grande espaço ao ar livre e das crianças descalças e sujas de tanto brincar. Eu não vi nenhuma escola em Turin onde o parquinho não fosse cimentado. Na África do Sul, é claro que me incomodava um pouco ter que chegar em casa e tirar a roupa do meu filho na garagem para não sujar a casa e não encher a banheira de terra, mas brincar na natureza é um grande privilégio na infância.
Algo que pode chocar vocês é que as crianças raramente usam sapatos na África do Sul! Elas saem dos carros e entram na escola descalças. Nos shoppings e restaurantes, na maioria das vezes, as crianças estão sem sapatos. É fácil achar o estrangeiro: ele sempre é o que está de sapato! Claro que na Europa a temperatura não permite tamanha audácia. Talvez na África do Sul a coisa seja até um pouco exagerada, mas a minha intenção foi ilustrar o quanto os pequenos podem ser livres por lá.

Arquivo Pessoal – Saindo da escola na África do Sul
Claro que meu filho irá se adaptar e encontraremos várias atividades no decorrer do tempo. Com certeza na Europa há mais ofertas culturais, como teatros e musicais. Mas estamos sentindo falta da natureza, de passeios ao ar livre. Se você tem dicas do que fazer na natureza na Europa, me conte nos comentários!
Para nós, adultos, é maravilhoso morar nos grandes centros europeus. Mas senti que é preciso balancear as atividades e procurar programas onde nossas crianças não cresçam tão comportadas e possam também andar descalças, ter contato com a natureza e brincar na terra.
14 Comentários
Oi Tatiana! Uau, que mudança! Também moro na Itália (em Verona – e tb sou colunista aqui da plataforma)! Não tenho a comparação com a África do Sul, rs… não sei a quanto tempo você está em Turim, mas com certeza em breve você encontrará maneiras de estar mais em contato com a natureza! Aí tem montanhas por perto, é uma delicia caminhar e deixar as crianças explorarem os bosques (mas aqui acho que sempre com sapato, haha). Eu dei sorte que a creche onde minha filha vai tem um belo jardim, onde eles brincam quase todos os dias! Mas concordo que existe um certo “medo” de sair, de sujar… e criança tem que ser criança, né? Beijo!
Oii Amanda, desculpe a demora em responder, não sei o que aconteceu, mas não vi seu comentário antes.
Agora já estamos adaptados a Itália, meu filho vai em outra escola que gostamos bastante, mas a saudade da África Sul sempre ficará nos nossos corações. A Itália tem coisas maravilhosas e sempre temos que valorizar as coisas boas. Um beijo, espero que a gente se encontre um dia por aqui :*
Crianças sendo crianças aqui na África do Sul é bom demais!!! Isso é algo incomparável!!! Parabéns pelo texto Tati!!! Esperando por outros legais como esse por aqui! 😘
Obrigada por acompanhar Ci, escrevo todos os meses. Beijos
Criança ser criança como isso é verdade aqui na África do Sul né? Mais de uma vez me desculpei nos lugares pela bagunça do meu pequeno e ouvi como resposta com uma cara de espanto: Mas ele é só uma criança brincando… do que você está pedindo desculpas?
Que saudades de viver assim Pri, aproveite muito isso ai, bom que sempre soubemos que é um privilégio. bjo
Gostei do texto.
Muito bom saber sobre as diferentes culturas.
;*
Ótimo texto, Tatiane! Estou na África do Sul há 8 meses com 2 filhos pequenos e concordo em tudo com você. Desejo uma adaptação rápida pra vocês. Abçs.
Juliana, que alegria! Aproveite muito ai a terrinha. Bjos
[…] Eu escrevi aqui a minha experiência ao me mudar com meu marido e nosso filho de três anos. Saímos da África do Sul, um país bem preparado para receber famílias com crianças pequenas, para o norte da Itália. Entretanto agora que estamos no verão, parece que as pessoas por aqui estão mais quentes e mais receptivas com relação às crianças. Mas ainda é longe do que somos acostumados. Essa é uma das diferenças culturais entre as regiões da Itália. […]
[…] muitos de vocês devem saber, pois já escrevi em outros textos, sou mãe de um garotinho de 4 anos, moramos três anos na África do Sul e agora estamos na […]
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