Saúde. Educação. Segurança. Estabilidade econômica. Distribuição de renda. Igualdade de gênero. Proteção aos direitos fundamentais. A política de bem-estar e seguridade social dos Países Baixos nos últimos 50 anos forneceu uma base de benefícios que criaram o ambiente ideal para que todas as crianças se desenvolvam. Não, os pequenos não entendem o que essas coisas significam. Mas eles sentem no dia-a-dia. E esses conceitos são a chave para entender o segredo das crianças mais felizes do mundo.
De uma forma geral, os princípios aprovados pela ONU na Declaração Universal do Direito das Crianças, que fará 60 anos em 2019, são respeitados, seguidos e garantidos por aqui. Isso se reflete em números.
Relatórios da Unicef revelam que a Holanda é um dos países com a menor taxa de mortalidade infantil do mundo – 3,2 por mil nascidos – e o segundo na lista de nações com a menor taxa de gravidez na adolescência, atrás da Suíça. Somente cinco em cada mil nascimentos nos Países Baixos são de mulheres com menos de 19 anos. Para entendermos a discrepância, nos EUA esse número sobe para 27 e no Brasil, para vergonhosos 65.
Combo: Alimentação saudável + esportes
Somente 7% das crianças holandesas abaixo de 13 anos relatam terem consumido bebida alcoólica pelo menos uma vez na vida. Em contrapartida, a Holanda possui altíssimos índices com relação ao consumo de fruta e café da manhã (85% das crianças) e à prática de exercícios físicos semanais. Em 2005, a prefeitura de Rotterdam se uniu às escolas e lançou o programa Lekker Fit! (Gostosamente Saudável) que promove a dupla exercício + alimentação saudável. Hoje já são 245 pré-escolas, creches e escolas de Educação Básica vinculadas ao programa na cidade. Em todo o país há iniciativas do gênero. As crianças têm aulas de esportes duas a três vezes por semana e culinária. São feitos vários eventos esportivos durante o ano escolar, com a participação dos pais e da comunidade.
As escolas, como já contei no segundo capítulo dessa série, são públicas e gratuitas. As de Educação Básica (até 12 anos) não têm lanchonetes e as pré-escolas vinculadas ao programa têm hortas com vegetais. As crianças levam seus lanches e almoços de casa. Os pais são desencorajados, para não dizer proibidos, de mandarem lanches industrializados, gordurosos e/ou cheios de açúcar. Resultado? A Holanda é país com o menor índice de obesidade infantil do mundo: menos de 8%. Para efeito de comparação, 15% das crianças brasileiras de até 15 anos estão hoje acima do peso; nos Estados Unidos, essa é a realidade de 30% das crianças e adolescentes.
Logo que a Alice começou as aulas, fui chamada pela professora. Ela fica seis horas na escola e eu preparava a lancheira para que ela não “passasse fome”: fruta, iogurte, água, suco, castanhas, sanduíche ou uma salada de macarrão. No fim da primeira semana, a professora gentilmente me explicou que aquela era uma escola “Lekker Fit”. Bolos (não importa que seja caseiro, sem cobertura nem recheio, “bolo de bolo”), iogurtes e achocolatados não faziam parte da merenda: “aqui as crianças lancham fruta e água”, disse, “e para o almoço, pão e água. No máximo, um suco. E tudo em pequenas quantidades”. Os top 5 das merendas escolares por aqui são pão, água, tomatinho cereja, cenourinhas e pepinos.
Cobertura de saúde gratuita e compulsória
Os holandeses têm um estilo de vida saudável e o país, um sistema de saúde sustentável que protege o desenvolvimento físico e mental das crianças e adolescentes, oferecendo cuidados e serviços médicos para uma vida sem doenças e sem remédios. A abordagem médica, os métodos, a organização do sistema e a relação dos holandeses com a dor causam estranheza nos estrangeiros, sobretudo brasileiros. Não vou me aprofundar nessa discussão, mas aqui você encontrará uma explicação mais detalhada sobre o sistema e seus diferentes aspectos.

Exame de vista feito gratuitamente no Centro da Infância e Juventude. Foto: arquivo pessoal
Ao contrário do que se pode pensar, não há um sistema público de atendimento médico. Todo morador dos Países Baixos é obrigado a contratar um seguro de saúde privado, que é pago mensalmente e possui uma franquia para caso de uso fora consultas. O valor mensal varia de 90 a 140 euros e a franquia é de, no máximo, 375 euros. Esta diferença de valores não significa que você terá um atendimento melhor ou hospitais diferenciados caso pague mais. Qualquer apólice de seguro cobre todos os serviços essenciais, consultas com o clínico da família e especialistas, além de hospitais, tratamentos, exames e muitos medicamentos. A variação de preço diz respeito a alguns extras como dentista, atendimento no exterior, quantidade de sessões de fisioterapia, reembolso de óculos de grau ou cobertura para homeopatia, por exemplo.
Os adultos pagam e os filhos são cobertos sem custo adicional.Até os 18 anos, não se paga plano de saúde nem dentário na Holanda. Todas as vacinas que constam no plano nacional de vacinação também são gratuitas e 95% das crianças holandesas são imunizadas.
Quando você se muda para a Holanda tem até três meses para contratar um seguro saúde. Quem não se inscreve nesse período está sujeito a uma multa alta. Aqueles que comprovam não ter condições de pagar, são reembolsados pelo governo. As crianças têm que ser inscritas no seguro saúde com quatro meses de vida. Segundo o governo holandês, apenas 1% da população não tem seguro de saúde.
Para entender melhor como funciona o sistema de saúde para crianças na Holanda, leia esse texto do Brasileiras pelo Mundo.
O sistema de saúde holandês funciona no modelo do médico de família. Isso significa que seu filho não terá um pediatra para chamar de seu. Todas as crianças até quatro anos de idade têm acompanhamentos regulares com o Consultatiebureau e, em caso de doença, são levadas pelos ao huisarts (clínico geral médico de família) onde estão inscritas (geralmente é o mesmo de seus pais). Se o huisarts achar que precisa, encaminhará a criança para um pediatra ou outro especialista. Não é possível, em regras gerais, ter uma consulta com um especialista sem uma carta de encaminhamento do médico de família.
No Consultatiebureau, o bebê terá o acompanhamento do seu peso e crescimento e os pais receberão informações, dicas e aconselhamentos com relação à primeira infância, incluindo amamentação. A partir dos quatro anos, a criança começa a basisschool e é encaminhada pela escola ao Centro da Infância e Juventude (Centrum voor Jougd en Gezin) mais próximo, onde será acompanhada por médicos e enfermeiros até os 18 anos. Eles observam o desenvolvimento físico, emocional e social da criança e adolescente. Se observam alguma necessidade especial, encaminham ao profissional específico, seja fonoaudiólogo, fisioterapeuta ou psicólogo. Casos de violência doméstica e sexual também são monitorados pelo centro.
Logo que chegamos, nos registramos na prefeitura de Rotterdam. Duas semanas depois, recebemos uma carta do Instituto Nacional de Saúde Pública e Meio Ambiente – do Ministério de Saúde, Bem-Estar e Esportes – pedindo a cópia da carteirinha de vacinação da Alice e já enviando cartões com encaminhamento para diversas vacinas, caso ela não tivesse tomado. Pela escola, fomos encaminhadas para o Centro de Infância, onde a Alice passou por exames de vista e auditivos gratuitas e foi encaminhada ao fisioterapeuta, coberto pelo seguro saúde.