Festas de despedida: o ritual da separação
Quase ao mesmo tempo em que decidimos nos mudar para Portugal, iniciamos nossos encontros e festas de despedida. Optamos por juntar os amigos, em pequenos grupos, com a intenção de curtir cada um deles pelo maior tempo possível. De alguns, despedimo-nos mais de uma vez e, a cada vez, era como um pedacinho que se desprendia.
Até a Sofia, nossa menina de quase 3 anos, teve sua própria festa, escolhendo os amigos com os quais gostaria de brincar mais antes da mudança. Dividir esses momentos em pequenos encontros fez com que os desfrutássemos de maneira muito intensa e verdadeira. O curioso é que eu sentia a necessidade de organizar esses momentos, mas não entendia bem o porquê e nem de onde isso vinha.
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Um dia antes da partida, nossa família foi a nossa casa e fizemos uma verdadeira festa: as crianças correram e brincaram pela casa, pedimos pizza e demos bastante risada. Ao contrário do esperado, brindamos a vida nova com champagne e sem lágrimas. Acho que foi uma surpresa para todos, porque era verdadeiro, ninguém estava disfarçando ou escondendo seus sentimentos. A alegria desse momento foi real, espontânea e leve. Cada um soltou um pedacinho dessa fita invisível que sempre nos uniu, pouca coisa, só o suficiente para que o nó apertado virasse um bonito laço em nosso vínculo. E isso nos encorajou e fortaleceu para encarar a saga da viagem, ao mudar de continente com uma criança, um cachorro e 12 malas.
Quando a ficha caiu
Já no avião, após o jantar, minha filha pediu para assistir um desenho comigo e eu topei. O título escolhido foi “Coco – a vida é uma festa” (clique aqui para assistir o trailer oficial).
Como esperado, ela dormiu logo no início e eu, sem sono por estar preocupada com nossa cadelinha que viajava no porão do avião, fiquei acordada e continuei assistindo a animação até o final. E não é que o filme falava sobre os rituais de despedida? O foco principal era a morte, mas quando mudamos de país uma parte nossa acaba realmente morrendo para nascer uma versão inédita de nós.
E a ficha caiu assim. Eu me dei conta de que a necessidade que eu tinha de formalizar e estruturar essas despedidas nada mais era que organizar rituais que me ajudassem a passar por essa etapa, olhá-la de frente, sem esconder emoções ou fingir que nada estava acontecendo.
Os rituais de separação
Toda despedida pede um ritual. Mais do que isso, despedidas merecem rituais, mesmo que tenhamos perdido esse costume. Nossa vida desenrola-se em um eterno ciclo de inícios e fins. Desde que nascemos, passamos por diversos momentos em que, compulsoriamente, temos que dizer adeus a pessoas, lugares, situações e relacionamentos, deixando claro que tudo o que teve início precisa acabar para dar lugar ao novo.
Mas, mesmo sabendo disso, não estamos acostumados ou até mesmo preparados para as perdas, sejam elas quais forem. Nem mesmo quando, por sorte, ela é uma escolha nossa. E é aí que eu penso na importância que um ritual de despedida tem: ele nos ajuda a ver e nos coloca de frente às mudanças, ajudando-nos a aceitar e a nos prepararmos melhor para a vida após ela.
Na vida, quase nunca sabemos quando estamos vivendo um momento inesquecível. Muitos deles lembramos e nem sabemos exatamente o porquê. Mas existem outros momentos que sabemos, desde o início, que serão especiais e inesquecíveis. E, acreditem, a maioria deles é acompanhado de alguma espécie de ritual que nos ajuda a dar sentido a tudo o que está acontecendo e estamos sentindo.
Uma festa de despedida nada mais é que um ritual de separação para entendermos que, a partir daquele momento, nossas vidas vão mudar e já não seremos mais os mesmos. Esse ritual nos ajuda a elaborar de maneira simbólica a mudança e facilita sua aceitação. É uma forma de dar adeus e encorajar quem vai, de maneira implícita ou explícita, e confortar quem fica. Uma mudança de país, com certeza, muda as nossas perspectivas de passado, presente e de futuro.
Colcha de retalhos
Durante todos os pequenos rituais de separação que fizemos, as pessoas nos levaram bonitas recordações: cartas, fotos, objetos carinhosamente escolhidos, roupas e imagens das mais diversas santas para abençoar nossos novos caminhos.
Adoramos e trouxemos tudo conosco. Mas, confesso, minha parte preferida é quando as pessoas vão tecendo aquela colcha de retalhos de emoção. Cada um que se aproxima traz uma história do seu passado, relembrando passagens divertidas e ousadas. Também te fazem lembrar de características que sempre foram suas e já estavam esquecidas ou enfraquecidas. Outros, se perguntam como ficarão sem aquele cafezinho juntos no fim da tarde ou o almoço semanal. E as festas de família sem a sua presença?! É mágico ver como a distância altera nossa perspectiva do passado e o quão difícil é elaborar algo que ainda não foi vivido. Assim, encontramos e reencontramos cada faceta nossa e esses pedaços de outras pessoas juntam-se aos nossos e deixam nossa colcha cada vez maior.
Nessa colcha de retalhos de emoções, bordada com as linhas da alma e pelas mãos do destino, vamos reconectando nossos pedacinhos para partir inteira e maior ainda. E, sempre que o inverno se aproximar do coração, essa velha colcha de retalhos aquecerá nossa alma e será nosso abrigo!