Criando os filhos na Austrália sem a aldeia
Sempre ouvimos dizer que para criar um filho é necessário uma aldeia inteira. Cresci ouvindo isso, e eu vi acontecer na minha família. Sou filha temporã em uma família grande. Minha mãe tinha nove irmãos e meu pai, seis. Para meus pais, a família sempre era prioridade, como uma grande irmandade. Minhas tias por parte de pai sempre foram muito unidas, até hoje todas moram perto e se encontram regularmente.
A aldeia em que fui criada
Meus pais se conheceram e se casaram em Curitiba, onde a família da minha mãe morava, e se mudaram para São Paulo, para que meu pai pudesse seguir um sonho profissional. Minha mãe deixou sua aldeia para trás, abraçou a família que tinha acabado de formar e foi ser feliz.
Com a família da minha mãe em Curitiba e do meu pai em Jundiaí, vivíamos entre as duas cidades. Parte das férias com cada uma, tias vindo visitar o tempo todo, aquela bagunça e minha casa cheia de gente. E aos poucos, em outra cidade, minha mãe foi construindo a própria vila.
Eu cresci nessa bagunça, entre duas cidades, com a casa sempre cheia. Quando não era de família, eram amigos, e sempre, mas sempre, todo mundo se metendo na vida de todo mundo. Ainda é assim com as irmãs do meu pai. Sinto muitas saudades dessa bagunça e as melhores recordações da minha infância são desses momentos. Minha irmã tem três filhos, meu irmão duas. E com meus irmãos, mais uma vez eu vivi a força da família. Eu mesma, como tia, sempre tentei ser o mais presente possível na vida dos meus sobrinhos.
Como criei minha aldeia na Austrália
É claro que crescendo, eu também formei a minha aldeia. Minhas amigas são minhas irmãs e sou próxima da minha família. Aí resolvemos mudar de país. Não pra qualquer lugar, mas para a Austrália, no outro canto do mundo. E aqui, aos poucos, fui construindo minha aldeia, minha rede de apoio.
Eu não tinha ideia da força dela até ter filho. Dizem que você sabe quando seus amigos são verdadeiros quando você precisa deles e eles estão lá, não? Na minha primeira licença-maternidade eu me senti muito sozinha. Minha filha nasceu em março e logo veio o inverno. Aqui em Perth chove demais no inverno e entre a luta para minha filha dormir, para amamentar e a rotina de um recém-nascido, eu me sentia completamente sozinha. Isso mesmo recebendo visitas regulares.
Ter filhos pequenos é um grande desafio para muitas coisas, entre elas a vida social. Seguir as sonecas, horário de dormir nem sempre é favorável para encontrar os amigos. E no desespero do cansaço, muitas vezes eu abri mão de ver as pessoas para não atrapalhar a rotina dos meus filhos.
Voltei para o trabalho quando minha filha tinha seis meses, pelo bem da minha saúde mental. Na rotina com uma filha pequena e trabalhando, eu senti muita falta da minha família. Senti muita falta dos almoços de domingo, da falação e ninguém escutando ninguém. Porém, a vida ficou maluca de novo e nem tempo para pensar direito eu tinha.
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Engravidei de novo e com todos os perrengues que aconteceram na minha gravidez, como o parto, ter que lidar com a prematuridade extrema do meu filho, ter outra criança em casa, em um outro país e sem a família … foi quando bateu mais forte a constatação do quanto eu me sentia sozinha criando meus filhos na Austrália. E foi aqui que vi como minha aldeia, minha rede de apoio é forte. Um exemplo disso é uma foto da minha geladeira em uma semana comum, entre os três meses que meu filho passou na UTI neo-natal. Meus amigos abasteciam minha geladeira como uma forma de estar conosco e nos ajudar em um dos momentos mais difíceis da minha vida.

Minha geladeira abastecida pelos nossos amigos
Minha irmã e sobrinha vieram me ajudar e foi maravilhoso. Poder contar com ajuda da família, ver minha filha brincando e se apaixonando mais por elas, e poder ir ficar com meu bebê no hospital, enquanto minha filhinha relaxava em casa com a família, não tem preço.
A vida real de quem mora no exterior
Depois que elas foram embora, a realidade bateu. Dois filhos pequenos, um filho prematuro que foi para casa com oxigênio e uma filha que estava há meses carente de mãe. Meus primeiros meses com os dois foram muitos difíceis. Quantas e quantas vezes eu não chorei e senti depois culpa por ter chorado, pensando “como posso me sentir assim se sou abençoada pela vida de duas crianças?”. Ah, a maternidade…
Não ter família perto é difícil e às vezes, sufocante. Eu vejo meus amigos saindo para jantar ou tirando dias de folga e curtindo a vida de casal também. Não temos isso. Para termos um tempo só nós dois custa algumas horas de babá. É difícil não ter ninguém para deixar meu filho mais novo, enquanto levo minha filha para brincar com os amigos em dias mais frios, por exemplo.
É um preço caro a se pagar em não ver as crianças crescendo com a família, não sendo mimados pelos avós e tios. E dói pensar que as melhores recordações da minha infância, meus filhos não terão. O que acalma meu coração são as outras recordações que eles terão, como a possibilidade de me ter mais tempo em casa com eles, a qualidade de vida que temos e o tempo de qualidade que passamos juntos .
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Na verdade, só me cabe pensar que construímos a nossa própria aldeia no momento que começamos a fazer amizades. Eu vejo minha filha de 3 anos e meio com seus amigos, aprendendo e se desenvolvendo tanto. Eles se protegem e cuidam uns dos outros. Essa é a aldeia dela. E também aprendi que a aldeia muda com o tempo. Tem algumas pessoas que sempre estarão na nossa vida para o que for. Tem algumas que cumprem um papel e é isso. Nenhuma delas deixa de ter a importância que merece.
E com os anos morando fora, vi o quanto a nossa vila pode ser flexível e diversa. A família sempre estará conosco, mas as pessoas que fazem parte hoje da nossa vida, aqui presente no dia a dia, são essenciais na criação dos nossos filhos. São amizades valiosas que proporcionam aquele ambiente barulhento e gostoso que fez da minha infância, mais linda e leve. E de uma certa forma e mais importante, da nossa forma, reproduzimos o que de mais lindo vivemos e acho que essa é uma forma de ter a família presente na vida dos nossos filhos.
2 Comentários
Linfo aline, enquanto lia seu texto refletia como será o dia em que eu resolver criar uma família longe da minha família. Um beijo dorme
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