Vira e mexe, quando falo que estou na Inglaterra há sete anos e meio, alguém me pergunta como vim parar aqui e se a minha estadia é permanente. Sempre tenho dificuldade em responder a esse tipo de pergunta. Explico. Nesses 7 anos, já vi de tudo: gente que era louco para morar fora, mas no primeiro mês desistiu; gente que veio para ficar 1 ano e já está aqui há mais de 20; gente que veio em casal e se separou; gente que veio sozinho e se apaixonou; gente que partiu daqui para outros cantos do mundo e nunca mais voltou.
A verdade é que quando damos o passo de saída nunca sabemos o que vai acontecer. Como qualquer outra decisão que tomamos na vida, pode dar certo, pode não dar, pode ser incrível ou um pesadelo. Mas que graça teria viver sem as surpresas do caminho, não é mesmo?
E eu sou mais uma na multidão. Quando saí do Brasil em 2010, a ideia era vir estudar, viajar, aprender inglês. Eu e meu marido – namorado na época – não tínhamos muito o que perder. Casamos para vir, portanto, não tínhamos casa, filhos e nem empregos dos sonhos que não podíamos colocar em risco. Então, por que não? Foi isso que nos perguntamos. Para nós, sempre foi uma “win-win situation”, como dizem por aqui. O “dar errado” já seria um enorme aprendizado, uma oportunidade de viver em outra cultura, aprofundar o aprendizado de um idioma e viajar – uma paixão em comum.
Acho que se eu imaginasse que seria uma temporada tão longa, talvez não tivesse coragem de fazer a vida tão longe. Porque, se por um lado não tínhamos casa, emprego, carro, filhos e nada que nos prendesse, por outro tínhamos relações familiares muito, muito próximas e um grupo de amigos valiosos que até hoje nos fazem falta. Foi um processo doloroso de partida.
Mas como não só de dor vive o homem, um mundo literalmente novo se abriu. Teve trabalho de garçom, teve trabalho de lavar louças, teve trabalho de figurante de filme, teve trabalho como “paciente” em prova de alunos de medicina, teve mestrado, teve voluntariado, teve trabalho de pesquisa, teve choro, teve desespero, teve momentos sem entender nada, teve viagens incríveis, teve despedidas, teve filho número 1, teve quatro mudanças (inclusive uma de cidade), teve filho número 2… e sete anos e meio voaram!
A chegada dos filhos muda a vida de qualquer pessoa, de muitas e diferentes maneiras. Para mim, foi um marco. Há 4 anos nasceu meu primeiro filho e foi quando me dei conta de que a aventura na Inglaterra não era tão temporária assim. Afinal, um filho nosso viria ao mundo e a Inglaterra seria o seu local de nascimento. Foi quando senti a necessidade de criar raízes e me esforçar para me integrar de verdade à cultura local. Passei a lidar frequentemente com instituições que pouco usava, como os serviços de saúde, os programas sociais do bairro, os cafés, os parquinhos, a escola. E a Inglaterra começou a ser minha também, me colocando questões todos os dias e me mostrando um novo jeito: de cuidar, de educar, de amamentar, de se alimentar, de cantar e de viver.
E, se a vida de mãe me levou a entrar em contato mais íntimo com os costumes ingleses, ela também aflorou enormemente o meu desejo de manter a cultura brasileira e língua portuguesa vivas nos meus filhos. A possibilidade de criar filhos fora do Brasil sem qualquer afinidade com a nossa cultura me apavorava. Só falando e entendendo o meu idioma é que seriam capazes de acessar onde me sinto mais eu. Só falando e entendendo o meu idioma é que poderiam se conectar com os avós, primos, tios e um mundo de afetos que os esperariam anualmente no Brasil. Não ter essa conexão com o meu país sempre me soou como uma perda sem tamanho para eles e para mim.
Então, eu – que nunca tinha participado de nenhum grupo virtual de brasileiros – perdi a vergonha e recorri à Internet para procurar por pais brasileiros na Inglaterra, com o intuito de criar redes aqui e fortalecer as interações dos meus filhos na língua portuguesa e cultura brasileira. Conheci muita gente legal ao longo dos últimos 4 anos, que saiu do mundo virtual e está na minha vida até hoje.
Foi, também, quando conheci e passei a me envolver com o ensino do Português como Língua de Herança (POLH), que apareceu na minha vida despretensiosamente e passou a ocupar um espaço enorme. Eu, psicóloga de formação, nunca tinha trabalhado diretamente na área de educação, muito menos com o idioma português, e comecei como voluntária numa escolinha de POLH com uma vontade muito grande de aprender para fortalecer os vínculos dos meus filhos com a minha pátria amada. De voluntária, passei a professora e, desde 2014, venho trilhando com muito amor esse caminho encantado do ensinar – aprendendo muito mais do que ensinando.
Mas isso é papo para muitos outros posts. História é que não falta para contar. Desejo que as minhas experiências, compartilhadas nesta plataforma, ajudem muitos expatriados como eu nessa aventura de criar brasileirinhos mundo afora. Que seja um processo menos solitário e possamos desenvolver redes colaborativas de verdade. Até a próxima!
22 Comentários
Amei o texto!!! Estamos todas no mesmo barco!! Bjs e sucesso sempre!
Obrigada, querida. Que bom que gostou. Sucesso pra gente. Beijos.
Adorei seu texto! Parabens!
Obrigada, Andrea! Eu li seu texto também, adorei. Só não consegui comentar nada com essa correria de fim de ano. 🙁 Você tá em Bristol, né? Beijos e boas festas.
Amei! Amei, amei! Louca para ler mais das aventuras dessa família linda! Vc é uma super mãe… daquelas que inspiram ! 💖
Obrigada, Jana! Adoro os seus textos também. Está arrasando. Beijo grande.
Muito legal o texto. A leitura flui naturalmente. Parabéns Rani
Que bom que gostou, Ivana. Beijos!!!
Parabéns e que Deus te abençoe nesta aventura!! Eu também moro fora com 3 filhos e não é uma tarefa simples!!
Obrigada, Eliane! Boa sorte pra gente. Beijos.
[…] Veja também: Criando brasileirinhos na Inglaterra […]
Parabéns pelo texto Rhaniele, estou me preparando para morar (a principio por um ano) na Inglaterra com minha família e estou em busca de mais informações sobre o país e a vida por aí. Poderíamos conversar por email?
Sim, Lorena! Será um prazer ajudar. Meu email é rhaniele@gmail.com. Beijos.
Oi tudo bem? Vc não imagina a felicidade em ver seu texto. Eu moro em Romford E estou desesperada para arrumar uma escola ou alguém p me ajudar com minha filha de 7 anos. Vc poderia me envia seu número ou seu e-mail porfavor? Obrigado. Erica
Oi, Erica! Posso sim. Meu e-mail é rhaniele@gmail.com. Espero conseguir te ajudar. Abraços.
[…] Leia também: Criando brasileirinhos na Inglaterra […]
[…] Veja também como outras mamães criam seus brasileirinhos na Inglaterra […]
Os seus textos me encantam sempre Rhani! Saudsdes!! Um beijão
Obrigada, Rosane! <3
Olá Rhaniele! muito linda a história da sua família! Morar longe tem os lados ruins mas estar aqui também tem as suas recompensas!!
Tenho duas filhas (7 e 4 anos) , viemos com o marido para Birmingham no fim de janeiro. Vc conhece algum professor de português aqui? (escolinha não tem, né? ) a mais velha alfabetizou lá no Brasil, mas a mais nova vai alfabetizar em inglês e já estou pensando no aprendizado de português dela…
Olá, Lirian!Infelizmente, não conheço nenhuma escolinha de Português em Birmingham. Mas te aviso por aqui se souber de algo. Boa sorte com o novo país. Beijos.
[…] Leia também: Criando brasileirinhos na Inglaterra […]