Crianças em zona de conflito
Morar em Israel e criar meu filho aqui tem sido uma maravilha! Viver no deserto, rodeada pela natureza, em um lugar tranquilo com uma ótima vida em comunidade…
Mas é claro, nem tudo por aqui é um mar de rosas. Israel, como vocês provavelmente sabem, é um país que desde sempre está em conflito. Impérios já reinaram aqui, um derrubando o outro, guerras foram (e são) travadas e hoje em dia, apesar de já terem passado quatro anos desde que houve a última guerra, o conflito ainda é visto e sentido no dia-a-dia.
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Há algumas semanas atrás começaram a ter grandes passeatas contra Israel vindas de Gaza. A população está em uma terrível crise humanitária e, em consequência disso, eles resolveram partir para a violência: mísseis começaram a ser lançados em direção às casas perto da fronteira de Gaza, pipas em chamas foram soltas, o que levou os campos de agricultores a serem incendiados, e todo dia algo novo acontece. Foi aí que eu comecei a me perguntar: “como seria se nós morássemos em uma zona de conflito?”
Coincidentemente, alguns dias depois, uma amiga minha que mora com seu filho em Sderot (cidade a doze quilômetros de distância de Gaza) me fez uma visita surpresa e eu resolvi entrevistá-la e saber como é o dia-a-dia dela e de seu filho, quando mísseis são lançados constantemente durante o dia.
Morar na zona de conflito com criança pequena
Débora começou a conversa dizendo que “é bem assustador, tanto para mim como para meu filho”. Ela e sirenes não dão certo uma junto da outra, ainda mais quando a sirene anuncia que você tem menos de um minuto para correr para um abrigo antiaéreo. As últimas semanas não foram fáceis: quando é detectado um míssel no ar, as sirenes tocam e as palavras “Cor Vermelha” são ouvidas – isso significa que chegou a hora de começar a correr para o abrigo mais próximo.
O filho de Débora, Eviatar, tem cinco anos e parte do seu dia-a-dia no jardim de infância é estar no abrigo com seus amigos e esperar o perigo passar. Débora conta que o jeito dela de fazer com que ele não fique aterrorizado é usar essa hora de medo como uma brincadeira: quando a sirene toca significa que a competição de “quem chega primeiro no abrigo” começou! Isso não funciona na maioria das vezes, mas pelo menos ajuda.
Dentro do abrigo que fica ao lado do jardim de infância tudo já está preparado para estes momentos perturbantes: há uma variedade de jogos para as crianças, toca discos e garrafas d’água, tudo isso para tornar esta experiência menos traumatizante. Os melhores jogos são os “jogos de pensar”: aqueles em que a criança se envolve tanto que não fica consciente sobre o que está acontecendo do lado de fora (por exemplo, xadrez e damas).
Treinamento para situações de emergência
Além disso, as crianças “aprendem” como agir quando a sirene toca: de vez em quando sinais não-reais são dados (com todos sabendo que não é de verdade) e as crianças treinam a corrida para o abrigo e passam um tempo lá para se acostumarem com a idéia. No jardim de infância até músicas eles têm para esse tipo de situação: “Tzeva Adom, Tzeva Adom, Ba Gan Shelanu Lo Omdim Dom”. (Tradução: “Cor Vermelha, Cor Vermelha, no nosso jardim ninguém fica parado). Desta forma, as crianças aprendem de uma maneira divertida que quando eles escutarem a sirene eles não podem ficar paradas, têm que correr.
Apesar disso tudo, as coisas ficaram difíceis para Débora e seu filho. Ela me contou como Eviatar já é um menino independente: toma banho sozinho, vai ao banheiro sozinho, mas desde que os terroristas do Hammas voltaram a jogar mísseis na direção de Israel, ele regrediu e não quer fazer mais nada sozinho.
“Mãe, vem comigo ao banheiro”, “Mãe, vai ter “BUM” se a gente for ao supermercado?”, “Mãe, a casa vai tremer quando eu estiver tomando banho?”
Essas perguntas não são fáceis para mãe nenhuma e mesmo sabendo que essa é uma realidade para uma parte da população desse país, eu fiquei em choque imaginando como seria se tudo isso acontecesse comigo. Débora tenta explicar para Eviatar que os “BUM”s que eles vivenciaram até agora não vão mais voltar e que, de pouquinho em pouquinho ele vai entender, mas ainda tem medo de ficar sozinho em casa. Criar filhos em zona de conflito não é fácil para ninguém.
Então, por que mesmo assim as pessoas escolhem viver nessas áreas?
Há várias razões para isso. Uma das razões principais é o sionismo, a vontade de viver na periferia e ensinar aos filhos a importância de morar em todo lugar possível de Israel – desse jeito a família se conecta com a terra e cria assentamentos nos quais a educação dada neles é de amor à natureza e ao país. Muitos simplesmente gostam de morar nesses lugares: a natureza é maravilhosa, é relativamente perto da praia (de Ashkelon) e de Tel Aviv e quando não há bombas é bem calmo de se viver. Outras pessoas, como muitos de nós, só querem ficar perto da família que já mora nos assentamentos e cidades ao lado de Gaza e não pretendem se mudar.
Seja como for, todos nós merecemos viver em paz e segurança e eu espero que toda essa confusão seja resolvida em breve, para que nunca mais nenhum de nós sofra com a guerra. Principalmente nossos filhos.
1 Comentário
Uau! Que texto! Por opção acredito que nunca moraria numa região assim, especialmente com meu filho. Obrigada por compartilhar.