Envolver os filhos nos serviços domésticos ajuda na formação de indivíduos confiantes e conscientes
Uma das minhas maiores preocupações em nossa imigração para a Itália, em novembro de 2016, era sobre as tarefas domésticas. Mudamos com nossos dois filhos, na época com 11 e 6 anos, e no Brasil havia toda uma rede de apoio montada para lidar com uma casa com duas crianças e um cachorro, que incluía meus pais, babá e diarista. Isso para que eu e meu marido pudéssemos trabalhar e manter a rotina DE atividades escolares e extra-curriculares das crianças.
Viemos para a Itália por conta do meu doutorado, mas queria aproveitar a experiência para que saíssemos da bolha em que vivíamos e colocássemos “a mão na massa”. Um dos meus vários objetivos com a imigração era de que aprendêssemos a nos responsabilizar por nós, que criássemos independência e não precisássemos mais de toda aquela rede de apoio. Tantas famílias no mundo conseguem, por que nós não conseguiríamos?
No Brasil, eu trabalhava muito, algumas vezes bem mais de 14 horas por dia. Mas na Itália eu viria com a única atividade de estudar e trabalhar à distância com relatórios. Ou seja, de uma vida constante fora de casa, passei para uma rotina na maior parte do tempo dentro de casa. E foi aí que percebi que realmente precisava me preocupar com as tarefas domésticas, caso contrário não teria tempo sobrando para estudar e trabalhar nos meus relatórios. E este texto tem por objetivo mostrar como conseguimos nos organizar e como tudo tem dado certo nestes dois anos de Itália.
O que a vida no exterior nos ensina sobre o trabalho doméstico no Brasil
Segundo dados de 2013 da Organização Internacional do Trabalho (OIT), órgão da Organização das Nações Unidas (ONU), existem 67 milhões de trabalhadores domésticos adultos no mundo, representando quase 1% da população mundial. Destes, 80% são mulheres. No Brasil, a porcentagem de trabalhadores domésticos sobe para 3% da população, dos quais 92% mulheres. É o país com a maior proporção de trabalhadores domésticos, à frente da Índia, Indonésia, Filipinas e México.
Ainda segundo a OIT, este cenário é fruto de desigualdades socioeconômicas. Países com mais desigualdade socioeconômica empregam mais trabalhadores domésticos. Segundo dados do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), os brasileiros estudam em média 6,9 anos e somente 22% têm ensino médio completo. Em outro polo, a população italiana estuda em média 9,7 anos e 56% dos italianos têm ensino médio completo. Assim, quanto mais desenvolvido o país, em termos gerais, menor a chance de se obter ajuda de terceiros nas tarefas domésticas. Importante ponto a se considerar no planejamento da imigração.
Não é ajuda: a responsabilidade pela casa organizada é de todos!
Sempre expliquei aos meus filhos que eles não “ajudam” em casa. Eles moram na mesma casa que eu, logo é responsabilidade de todos nós mantê-la organizada e limpa. Como profissional que estuda a infância, dois modelos pedagógicos sempre me atraíram muito, tanto pelos bons resultados, quanto pelos fundamentos. São a pedagogia Waldorf e a Montessoriana.
A Alexandra Magalhães Zeiner escreveu no Brasileirinhos pelo Mundo sobre a pedagogia Waldorf e a Amanda Nogueira Mochi nos falou ainda sobre a Pedagogia Reggio Emilia, bem interessante e com características próximas à Waldorf e Montessoriana. Na minha opinião, o que estes três modelos pedagógicos têm em comum é o respeito pela criança como um indivíduo único. Assim, modelos pré-estabelecidos não cabem. A criança vai nos mostrando quem ela é, quais são os seus desejos, suas afinidades, seus defeitos e qualidades. A criança vai nos mostrando do que ela é capaz de lidar e onde ela precisa de ajuda.
Assim, devemos partir do pressuposto de que a criança é capaz de muitas coisas e que, ao invés de “abafarmos” suas capacidades, devemos elogiar e estimulá-las. Mostrar para a criança a importância das tarefas domésticas e o quanto a sua ajuda é valiosa para nós gera nela bem-estar e sensação de potência, de empoderamento. Ela percebe que seus pais confiam nela para a execução daquelas tarefas. Assim ajudamos a “criar” adultos mais seguros de suas potencialidades.
E na prática, como fazer?
Em primeiro lugar, os pais devem fazer uma lista de todas as tarefas necessárias e a frequência. Tudo deve estar incluído (trocar lençóis de camas, passar aspirador de pó na casa, lavar a louça, dar banho no cachorro, arrumar camas, cuidar do jardim, etc.) e quanto mais detalhado, melhor. Em relação à frequência, cuidado com os extremos. Atente-se que o grau de exigência na limpeza e tempo gasto são fatores diretamente proporcionais. Quanto mais eu exijo excelência na limpeza, mais tempo eu gastarei com as tarefas para alcançar este objetivo (e menos tempo para outras atividades). E os parâmetros são individuais, a escolha é sua do quanto sua casa tem que estar limpa.
O segundo passo é dividir esta lista em tarefas individuais e coletivas. Por exemplo: arrumar a própria cama é tarefa individual de cada um, mas dar banho no cachorro, cozinhar, lavar as panelas, estender roupas, são tarefas coletivas. Isso vai ajudar a dividir as tarefas no terceiro passo e também ajuda a que a criança perceba o seu grau de responsabilidade nestas execuções.
O terceiro passo é a reunião em família. Esta é a fase de negociação. Com a lista em mãos, pergunte para as crianças quais tarefas elas querem fazer. Cada um fica responsável pelas suas tarefas individuais, mas as tarefas coletivas podem ser divididas de acordo com a família. Meu filho mais velho detesta pendurar e recolher roupas, mas topa, sem reclamar, trocar as roupas de cama. Meu pequeno curte lavar a louça, mas não suporta limpar ambientes. Assim, em uma negociação, em que todos têm voz e são respeitados por suas aptidões, fica mais fácil o cumprimento dos pactos, a responsabilização das tarefas e a cobrança dos resultados depois.
O quarto passo é de execução. Mãos à obra! Dê um tempo (um a dois meses) e vá acompanhando como as tarefas estão sendo executadas. E, muito importante, não execute tarefas que não são suas! Meu pequeno é responsável por arrumar seus brinquedos, que viviam bagunçados. Quando ele veio reclamar que não estava encontrando o brinquedo que queria, mostrei a ele a importância da organização. Depois de algumas conversas sobre isso, ele, por si só, começou a tirar alguns períodos para arrumar sozinho seu armário de brinquedos (tarefa de mãe educadora cumprida!).
O quinto passo é de rever o acordo periodicamente. Tudo está andando bem? Alguém quer trocar de tarefa? Quais problemas e soluções encontramos neste período de execução?
A pedagogia do trabalho de casa
E, por último, nunca esqueça de elogiar seus filhos e de elogiar a si mesma. Tarefas cumpridas dão sensação de potência, de que somos capazes. No cumprimento destas tarefas e de quantas mais a vida nos trouxer!
6 Comentários
Grata por mencionar meu artigo Luciana! Espero que possamos continuar esse “apoio online” o qual serve de plataforma para tantas famílias 😉
Eu que agradeço pelo seu maravilhoso texto, Alexandra!
Suas palavras são minhas palavras diárias: a nossa casa é responsabilidade de todos nós que a habitamos. Aqui também somos nós em conjunto que cuidamos de todas as tarefas domésticas. Waldorf é realmente uma boa inspiração 🙂
Que legal Flávia. E isso cria uma ideia tão linda de união familiar, não? Não coloquei no texto, mas o bem que isso fez para nossa família foi ótimo! Grata pelo comentário!
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