Conselhos para uma boa migração com a família
Máxima no Brasil é a frase “se conselho fosse bom, não se dava, vendia”. Já ri muito com essa frase, mas demoramos a aprender, né? Olha eu aqui pretendendo dar conselhos. E o que me motivou a tentar dar conselhos para garantir uma boa imigração foram duas notícias que li recentemente: uma, brasileira, sobre o número recorde de brasileiros que emigraram em 2017 e outra, portuguesa, sobre brasileiros que têm aceitado ajuda do governo português para retornar ao Brasil, pois a imigração “não deu certo”. E em ambas as notícias, muitas famílias têm crianças envolvidas, ou seja, foram famílias que imigraram com filhos e estão retornando ao Brasil.
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Existem inúmeros fatores que podem influenciar e levar a uma boa ou má experiência na migração. Mas de modo muito simples, desde que resolvi imigrar, divido estes fatores em “meus” e dos outros”. Fazendo um neologismo, em autofatores (fatores que dizem respeito a mim) e heterofatores (fatores que dizem respeito aos “outros”, quem quer que sejam estes outros).
Heterofatores
Os heterofatores são aqueles que dizem respeito aos outros, aos fatores sobre os quais não temos muito controle. Se eu pudesse categorizar, subdividiria os heterofatores em:
- Econômicos: o país para o qual eu pretendo me mudar encontra-se em uma boa fase econômica? Há empregos? O poder de compra da população é bom?
- Educacionais: a população é bem formada (fundamental para saber com quem estarei competindo em busca de emprego)? A educação é paga de modo individual ou é uma garantia do Estado? Há escolas públicas para as crianças? Deve-se pagar quais taxas de ensino? Quais horários de funcionamento das escolas?
- Sociais: as pessoas deste país acolhem bem imigrantes? É uma sociedade multicultural? Tratam bem as mulheres? Tratam bem as minorias? É uma sociedade mais aberta ou mais fechada?
- Culturais: qual a história deste país? Possui uma ou mais de uma língua nacional? O que o povo deste país valoriza? E o que desvaloriza? Há um bom sincretismo com outros povos ao longo da história deste país?
- De saúde: qual o nível de saúde desta população? Quais são as maiores causas de óbitos? Quais são as doenças mais frequentes? A saúde é pública ou devo pagar? Há políticas públicas de proteção, como vacinação? Ou este país foca mais em tratamentos e menos em prevenção?
- De acolhimento à imigrantes: existem políticas públicas de acolhimento a imigrantes? E de acolhimento a imigrantes com crianças? Quais as garantias legais que este país oferece aos imigrantes? Como são os processos burocráticos? Precisarei de ajuda ou conseguirei fazer tudo sozinho?
- De acolhimento à infância: há políticas públicas de proteção à infância? Como este país trata suas crianças? A educação é gratuita, ilimitada? Ou é restrita somente às crianças natas naquele país?
Sei que são muitas questões e este monte de perguntas assusta. Mas imigrar não é uma decisão simples a ser tomada e as chances de “dar certo” são maiores quanto mais conhecemos sobre o país para o qual vamos nos mudar. Ainda mais quando mudamos com nossos filhos, com nossa família. A melhor profilaxia para o medo é o conhecimento, sempre. Quando conhecemos, temos mais conceitos e menos idealizações. E a vivência ficará bem mais próxima da realidade. Com menos idealizações, menor será a chance de nos frustrarmos e maior será a chance de “dar certo”.
Autofatores
Nenhuma imigração é “tranquila”. Os processos de mudança, internos e externos, tomam dimensões inimagináveis. Eu brinco que parece que vivi duas vidas em uma única, a primeira antes de imigrar e a segunda após. E como diz uma amiga, imigrar não é para fracos. Brincadeiras à parte, na plataforma “Brasileiras pelo Mundo”, a Vanessa Coelho Trajano escreve de maneira bem profunda sobre isso no texto Saúde Mental dos Imigrantes.
A partir disso, parto com uma pergunta fundamental: por que você deseja imigrar? Quando pensei pela primeira vez em imigrar com minha família, com meus filhos, minha primeira pergunta foi “por que quero imigrar?” As respostas a esta pergunta simples podem ser as mais variadas, mas eu as classifico em dois grupos: “você pretende imigrar para fugir ou para se encontrar?”
E isso leva aos autofatores. Posso querer imigrar porque as condições econômicas no país em que vivo estão muito ruins, porque não tenho segurança em andar nas ruas, porque não concordo com os paradigmas da sociedade em que vivo, em um monte de outros porquês de fuga. Não gosto do exterior onde vivo e quero fugir deles para um lugar melhor (real ou não). Ou posso querer imigrar para viver experiências interessantes, porque estou disposta a me rever em meus conceitos e pré-conceitos, porque quero saber se dou conta de segurar emocionalmente meus filhos quando eles precisarem, porque quero ser uma pessoa melhor do que eu sou atualmente. Esses são motivos de reencontro comigo mesma. Quero encontrar a pessoa que eu sou e talvez uma versão melhor de mim.
Se a resposta da primeira pergunta (“por que quero imigrar?”) for por fuga, desculpe a notícia, mas as chances de dar certo são menores já de saída. Por outro lado, se a resposta for para se encontrar, as chances de dar certo são maiores. Óbvio que o exterior influencia (viver em um local em que se pode andar tranquilamente à noite é bem mais fácil que viver cercada e com medo). Mas não há lugar perfeito neste mundo. Todos os locais são fáceis e difíceis. Como outra máxima brasileira: tudo tem seu lado bom e seu lado ruim.
Sobre sensações
Viver no Brasil tem cheiro de café recém-coado, som de mesa de almoço de família no domingo, magia de Natal com calor, sensação de areia de praia no corpo com o sol gostoso (e quente) de inverno. Infelizmente também tem cheiro de medo, de insegurança quanto ao emprego, de cansaço extremo em duas horas de trânsito (sendo que o dia mal começou).
Viver na Itália, onde eu vivo há quase dois anos, tem cheiro de pãozinho italiano recém-assado na panneteria, de pasta al pomodoro e vinho da casa como só os italianos sabem fazer, de azeite de oliva no pão, de pegar filho na escola a pé, de convivência maior com filhos porque economizo duas horas em que passaria no trânsito. Mas também tem gosto de solidão, de primeiro Natal com o núcleo familiar de quatro pessoas e não com aquela família imensa que não sabia se ia caber na mesa (que é bem grande), de vento frio no rosto quando chega o inverno, de tristeza porque o sol nasce às 09h e se põe às 17h, de raiva porque não soube responder o desaforo à altura (porque não sei falar direito a língua), de choro quando vejo um filho sofrendo preconceito.
Importante é ter em mente que estas situações não são o ponto principal. Estas situações são somente os heterofatores, que serão melhores ou piores em determinados contextos e países. O que conta de verdade são os autofatores. Topo tudo isso? Tenho força para me enfrentar sozinha em um inverno sem amigos, só com meus filhos? Dou conta dos filhos que necessitam de mim emocionalmente quando nem eu sei se dou conta de mim em situações que me exigem muito?
Qual o seu propósito? De novo, por que você quer imigrar: para fugir ou para se encontrar?
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