Como morar sozinha em outro país com filhos pequenos e sobreviver
Dias atrapalhados todos temos, mas lembro de um dia especialmente atrapalhado. Meu filho maior tinha 5 anos, o pequeno oito meses e eu já havia voltado a trabalhar com carga total, inclusive dando plantões em hospital. O meu mais velho sempre teve um sono bem leve e acordava com frequência. O caçula sempre dormiu maravilhosamente bem desde os dois meses. Mas naquela semana específica, o mais velho começou a dormir melhor e o pequeno a acordar de duas em duas horas. Assim, com inúmeras atividades somadas à privação de sono, fiz umas cinco trapalhadas bem grandes no mesmo dia, incluindo esquecer de que naquela semana eu era a responsável pelo lanche coletivo de todas as crianças do jardim em que meu mais velho estudava.
Ter visto a cara da professora quando cheguei de mãos abanando foi das piores lembranças da minha vida. Sair correndo para um mercado, quando deveria estar indo trabalhar, foi outra das piores. E naquele momento me dei conta de duas coisas: nunca minha vida seria tão intensa e cheia de atividades quanto naquele período e se eu não me organizasse melhor, eu não sobreviveria.
Assim, passei a dedicar um tempo da semana para organizar as atividades da semana toda. Melhorou muito a nossa vida! Só não imaginava que, se acertei no segundo pensamento (só me organizando poderia sobreviver), errei feio no primeiro: quando nos mudamos para a Itália, a vida passou a ser mais intensa e cheia de atividades do que quando meu segundo filho ainda era bebê. E tive que subir um degrau a mais no nível de organização para fazer a vida funcionar sem enlouquecer.
Estudar, trabalhar, cuidar da casa e das crianças sem ajuda
Como contei no meu texto anterior, sobre como envolver as crianças nos serviços domésticos e formar indivíduos confiantes e conscientes, vim para a Itália para cursar um Doutorado. E se no Brasil trabalhava somente fora de casa, na Itália todas as minhas atividades, dentre estudar e trabalhar, eram em casa. E outra enorme diferença é que no Brasil tinha uma maravilhosa rede de apoio na gestão da casa e da agenda dos meus dois meninos. Na Itália, tudo seria feito por mim, sem nenhuma ajuda. Se eu não me organizasse e estabelecesse limites para as atividades, seria impossível dar conta de tudo.
Realmente os primeiros meses foram bem bagunçados.
Primeira lição aprendida: todos estávamos em uma nova rotina, iniciando novas atividades, aprendendo como seria esta nova vida. Não podia esperar uma organização exemplar com tanta mudança! Demorou três meses até que as atividades estivessem melhor estabelecidas e que eu pudesse começar a me programar eficiência.
Segunda lição aprendida: se não tem um mínimo de planejamento, a desorganização é crescente. Demorei ainda umas boas semanas para me organizar, apesar da rotina começar a se estabelecer. E muitos imprevistos, por esquecimento e por falta de atenção, atrapalhavam ainda mais a execução das tarefas essenciais, tornando tudo ainda mais confuso. Durante duas semanas mal consegui estudar e trabalhar, porque a rotina da casa e das crianças tomava quase todo o meu dia. Foi quando dei um basta e tirei duas tardes somente para pensar na minha organização.
Terceira lição aprendida: organização aumenta a produtividade. Nos dois dias seguintes consegui estudar um pouco e trabalhar em um relatório que tinha para entregar. Não foi uma maravilha, mas melhor do que nas semanas anteriores. Ainda tinha muito espaço para melhorar, mas já era um bom começo.
Sobre gerenciar recursos finitos
Pouco tempo antes da imigração, li um texto sobre Psicologia Econômica – que estuda as relações humanas envolvendo escolhas diante dos chamados recursos finitos ou escassos. No artigo, a autora falava sobre a relação humana com o dinheiro, mas também com outros recursos tão ou mais escassos, como o tempo. Lembrei deste texto e o reli nessa época.
Sim, meu recurso mais escasso no momento inicial na Itália era realmente o tempo. Eu tinha muitas atividades a serem realizadas nos três anos de doutorado, desde aprender italiano ao ponto de escrever uma tese até estar disponível para meus filhos nas suas necessidades. Assim, não podia tomar decisões sobre o (escassíssimo) tempo baseadas nas minhas escolhas inconscientes, nas minhas crenças muitas vezes infundadas. De maneira alguma! As decisões quanto ao meu tempo deveriam ser o mais racionais possíveis.
Organização e mudança de hábitos
Conto aqui como me organizei. Cada um tem um método próprio, baseado em suas características. A metodologia que utilizei funcionou para mim e espero que ajude muitas mães que imigram.
Primeiro listei todas as minhas metas, tudo que eu tinha que cumprir nestes três anos. Enumerei tudo mesmo, desde escrever e defender a tese até fazer mercado todas as semanas. Separei estas atividades por prazos (curto, médio e longo prazo) e por frequência (aquelas que eu faria uma única vez, que deveria fazer anualmente, semestralmente, mensalmente, quinzenalmente e diariamente). Sugiro não desesperar neste momento, porque a lista é longa! Mas só tendo em mãos tudo o que temos que fazer em determinado tempo é que podemos realmente nos organizar.
Curti essa lista por uns quinze dias, mudando prazos, frequências, me adaptando melhor. Meu objetivo nessa fase foi reduzir minhas expectativas irreais. Lembro que reavaliando as reais necessidades, e quanto elas custavam de tempo, resolvi fazer compras de mercado semanais e não mensais. Isso porque levo meu filho mais velho no futebol na sexta à noite e costumo ficar 1 hora esperando. E ao lado do futebol existe um bom mercado. Em uma hora não consigo fazer uma comprona, mas consigo fazer uma compra média. Então, otimizando o tempo, era melhor fazer a compra semanal naquele período, já que eu ficava ociosa, do que tirar outras horas e ir uma vez só por mês no mercado. Fiz várias adaptações desse tipo e consegui encaixar muitas atividades que nem imaginava como faria.
Depois da lista feita, com a frequência das atividades, estabeleci datas limites e fui encaixando tudo em uma tabelona. Segui a programação por um mês e vi o que tinha conseguido cumprir e o que não deu certo. Sentei novamente e refiz a planilha.
Sigo essa tabela há um ano e meio e vem dando certo. Lógico que imprevistos acontecem e tenho que fazer algumas readaptações. Alguns prazos perdidos, outras tarefas cumpridas antes do prazo, mas na média tudo caminha bem.
E os resultados?
Descobri que com essa auto-organização, os ganhos foram enormes. Aumentei muito a minha produtividade, reduzi o estresse do dia a dia e aumentei minha qualidade de vida (incluindo poder viajar em alguns fins de semana, afinal, moro na Itália, né?!).
Mas confesso que o que mais me impactou foi a motivação. Não fico com a sensação de estar devendo, de não ter cumprido os acordos, coisa bem comum antes de estabelecer essa organização. Como dizem os italianos, “piano piano si va a lontano” (algo como “devagar devagar se vai andando”).
Aproveite o fim de ano e as resoluções de Ano Novo e se organize! Garanto que seu próximo ano será bem melhor! Feliz 2019 para todos!
1 Comentário
[…] Quando nos decidimos pela imigração e começamos a coloca-la em prática, tantas pequenas coisas foram aparecendo que percebi rapidamente que somente daria certo se trabalhasse com listas e com um mínimo de organização. E assim aprendi a me organizar por meio de listagem de atividades. Tão simples para tanta gente, mas eu não sabia muito como trabalhar desse jeito. Funcionou tão bem para mim que escrevi um texto sobre isso: “Como morar sozinha em outro país com filhos pequenos e sobreviver”. […]