Esse é um texto um pouco diferente dos meus anteriores. Até o momento, escrevi dando dicas de como se adaptar a morar em outro país com os filhos. Agora, chegou a hora de voltar para o Brasil e quero dividir com vocês essa jornada: como é se adaptar novamente ao seu país. Neste primeiro de três textos, conto como foi a nossa ida para a Itália e a decisão de retornar ao Brasil.
Como nos tornamos imigrantes
O desejo de viver em outro país sempre foi muito forte em mim, desde pequena. Lembro de, aos 12 anos, passar algumas tardes em enciclopédias (sou do tempo em que não havia internet ou Google!) escolhendo em quais países gostaria de estudar. Mas a vida algumas vezes nos leva para outras direções. Assim, após terminar a escola, entrei na faculdade. Foram dez anos de estudo total, entre graduação, residência médica e especialização em terapia intensiva pediátrica. Em um dos anos da residência, quase que um plano de morar seis meses no Canadá tomou corpo, mas acabou não dando certo.
Depois: casamento, mudança de cidade, trabalho, mais estudo, gravidez, voltar para São Paulo, mestrado, mais outra gestação. Quando meus meninos estavam um pouco maiorezinhos (o pequeno com 4 anos), a vida entrou em uma rotina mais fácil de ser gerida, mais previsível. E, confesso, mais chata. Acho que foi a primeira vez em muitos anos que pude sentir tédio. Era só isso? De casa para o trabalho e do trabalho para casa, parando na escola no meio? Foi quando veio a vontade avassaladora de viver mais, de ter novas experiências, de mostrar o mundo para meus meninos.
A família acompanhou o desejo. E assim começou a “aventura imigrar”. Estava no início do doutorado, avaliei muitos países em que poderia fazer minha pesquisa, onde conseguiríamos viver com uma bolsa de estudos, como aumentar a renda, como adaptar as crianças, enfim, como melhor viver. No início da pesquisa tudo levava para o Canadá (olha ele de novo), mas após um ano houve uma mudança de rumo e a possibilidade de um tempo na Itália ficou bem forte. E nos jogamos de cabeça.
No total foram dois anos de preparação para a imigração. Como já havíamos tido a experiência de mudar de estado no Brasil, combinamos que nos mudaríamos para a Itália sem tantas expectativas. Por dois a três anos a permanência no país da bota estava garantida. E esse seria o tempo que ficaríamos lá. Se no meio do caminho houvesse mudança de rumo, com a possibilidade de permanência, pensaríamos se ficaríamos em definitivo ou não.
A experiência de viver na Itália
Enfim a mudança chegou. Nunca senti tanto medo na vida! No meu texto sobre as Fases da Imigração escrevo bastante sobre isso. A imigração para mim veio em etapas. Acho que nos três primeiros meses mal sabia o que acontecia, de tão assustada que estava, de tão preocupada com o bem-estar dos meus meninos, de tentar o dia todo entender uma língua que não era a minha e que, no dia a dia, era bem diferente da que eu havia estudado na escola de italiano.
Depois, dos três aos nove meses, tudo entrou em “velocidade de cruzeiro”. A família se adaptou melhor, passei a me comunicar melhor, entendia mais a cultura, as gírias, o jeito de vestir. Meus meninos se adaptaram e começaram a ter amigos.
Aos nove meses de vida na Itália, meu marido começou a trabalhar em outro país e novo choque veio: ficar sozinha com os dois filhos, me readaptar, me organizar melhor para dar conta de tudo. Mais três meses de pânico inicial. Depois, nova “velocidade de cruzeiro”. Como dizem na Itália, se a vida nos dá limão, façamos limoncello! E tudo foi entrando novamente nos eixos.
Muito mais trabalho, necessidade de organização militar para dar conta de tudo, tarefas contadas nos minutos, mas deu. E a nova sensação de potência, de ser capaz de vencer desafios. Um entendimento ainda maior do país, da difícil política italiana, de piadas que antes eu não entendia, uma compreensão bem mais profunda da cultura em que estava inserida, com seus pontos positivos e negativos. Os meninos nessa fase estavam muito bem adaptados, entendendo melhor a importância da experiência que estavam tendo.
Por que voltar?
Apesar dos inúmeros pontos positivos da imigração (maiores que os negativos), as saudades da família e dos amigos começaram a aumentar ao invés de diminuir. O Brasil estava em uma situação econômica e política difícil (independente da corrente ideológica, todos eram unânimes neste ponto), mas ainda assim o “bichinho do retorno” mordia dia a dia. Li e pesquisei muito sobre a depressão dos imigrantes e identifiquei vários pontos em nós. Trabalhei muito nisso, mesmo assim a vontade de voltar crescia permanentemente.
Nesse meio tempo fomos passar férias no Brasil. Acredito que foi a primeira vez que pude ver de verdade o meu país e a Itália. Senti também isso nas crianças. Tivemos um entendimento profundo da realidade, dos pontos positivos e negativos dos dois países. E, sem que nos déssemos conta, a decisão pelo retorno se instalou de forma avassaladora.
Há muito tempo, quando me preparava para imigrar, li um texto sobre o retorno após a imigração. Infelizmente não lembro mais o autor ou o título, então peço muitas desculpas a quem seja por usar suas ideias maravilhosas sem citá-lo. Ele dizia que, após 15 anos morando em outro país, foi se decidindo por voltar sem que percebesse de modo consciente. Essa decisão não foi intempestiva, era formada por pequenas coisas do dia a dia. Saudades de uma comida, de uma situação, de um modo de viver, incômodo por uma situação presente, por um comentário. E, quando ele tomou consciência, viu que a decisão de voltar estava tomada.
Assim foi conosco.
Afinal, imigrar deu certo ou não?
Na minha opinião, não existe dar errado em nenhuma situação em que se possa aprender. Aprender de modo formal e de modo informal. Aprender para ter diploma ou aprender para viver melhor. Assim, imigrar deu muito certo. Somos todos pessoas melhores. Respeitamos mais o outro, respeitamos culturas diferentes das nossas, falamos mais de uma língua (meu filho mais velho, aos 13 anos de idade, fala quatro idiomas). Entendemos e discutimos políticas migratórias, a situação dos refugiados, percebemos o quanto havia de preconceito subliminar em nós sem que nos déssemos conta, somos pessoas mais empáticas. Imigrar só nos fez crescer e evoluir como indivíduos.
Quanto ao externo, como já afirmei, percebemos que pontos positivos e negativos existem em qualquer lugar do mundo. Por vezes temos dificuldade em entender estes pontos de maneira mais racional e menos emocional, hipervalorizando ambos. Imigrar nos deu uma dimensão bem mais racional do que julgamos bom ou ruim em ambos os países.
Fecho este texto com dois conselhos.
O primeiro deles é “se for possível, imigre!” Não interessa se por um tempo ou se “para sempre”. Imigrar amplia os horizontes, nos faz crescer, nos faz indivíduos melhores.
O segundo conselho é “se possível, imigre com a possibilidade de escolha em retornar ou não”. Convivo com os mais diversos tipos de imigrantes e percebo que nosso país de origem sempre vai ter um lugar muito, muito especial em nós. Saber que a chance de voltar é muito pequena ou nula traz grande sofrimento, algumas vezes insuportável. Por outro lado, saber que podemos voltar a ele, caso decidamos por isso, traz muita paz e liberdade.
Segundo Martha Medeiros,
“independência nada mais é do que ter poder de escolha. Conceder-se a liberdade de ir e vir, atendendo suas necessidades e vontades próprias, mas sem dispensar a magia de se viver um grande amor. Independência não é sinônimo de solidão. É sinônimo de honestidade: estou onde quero, com quem quero e porque quero.”
Imigrar nos torna livres e independentes!
4 Comentários
Amei o texto estou vivendo a mesma fase e ler o seu texto me deixou mais tranquila para organizar a minha volta TB sei como e conflituoso está decisão
[…] também: Chegou a hora de voltar para o Brasil – parte 1 e parte […]
Muito bom seu texto. Sou imigrante há 2 anos e 6 meses…Depois de muito ponderar, penso em voltar ao Brasil no procimo ano. Estou com uma dúvida e não conheço ninguém que fez o processo inverso…Voltar para o Brasil.
Meu filho do meio estava na quarta serie no Brasil, chegando na europa em setembro foi matriculado no inicio do quarto ano. Ou seja, atrasou um ano e ele até hoje não se conforma… Hoje conversei com ele sovre a possibilidade de voltarmos. Ele ficou em pânico, pq dusse q ahira iria atrasar mais um ano. Pq ele era para iniciar o setimo ano em fevereiro se estivesse no Brasil. Se voltarmos em fevereiro, o ano letivo aqui não terá concluído, pq acaba em junho. Se esperarmos junho, ele chegará no Brasil e perderá seis meses de estudk da setima. Como foi a experiencia de vocês nesse sentido?
Olá Luciana! Foi muito bom ler seu comentário. Estou com meu marido na Espanha fazem 3 anos e nós agora decidimos voltar e sei bem o que vc falou da cultura das mudanças do aprendizado, do dar certo. Meu marido tem a cidadania Espanhola e a minha saiu agora, o que nos propiciou uma vida maravilhosa aqui, desde saúde, segurança, moradia e tantas outras. Mas agora bateu aquela vontade sim de voltar “prá casa” e levar dentro de nós tantas experiencias e lembranças deste mundo encantado. Na realidade estou procurando uma forma de saber o quanto será seguro fazer a mudança das coisas com relaçao ao Brasil. Sei que podemos levar as coisas mas ainda nao estamos muito seguros dos tramites. Obrigada!