Quem nunca ouviu que, para criar um filho, é necessário uma vila inteira? Pois bem. Olhei no Google Maps e nada. Quando se é mãe mundo afora, parece que a vila fica cada vez mais distante. Quase que no Triângulo das Bermudas.
Sejamos honestas, a maioria das mulheres expatriadas, foram expatriadas por “amor”. Quase que invariavelmente, a mãe expatriada veio acompanhando seu companheiro na aventura, algumas a sua companheira, e alguns poucos homens vêm por conta da esposa que foi contratada por alguma empresa. São inúmeros depoimentos sobre a vida de mães expatriadas. E é claro, que tudo isso que falei, e falarei, está diretamente ligado ao patriarcado, mas eu não vou entrar nisso agora, se não este texto virará um livro. O fato é que mães aceitam a mudança em busca de uma vida melhor para si e para os seus filhos, sem colocar na balança a distância, a cultura do novo lugar, e a solidão que terá de ser enfrentada.
São diversas autoras que escrevem em seus blogs sobre a vida da mãe/mulher expatriada, aqui você encontra algumas: Camila Furtado, Carolina Pombo, Fabiana Santos e Natália Campos Marchi.
Se você é mãe, você sabe o que é a solidão materna. Se você acha que não viveu essa solidão, parabéns você é uma privilegiada, mas eu honestamente desconheço uma mãe que nunca se sentiu só após a maternidade. Quando somos mães, a distância entre o que conhecíamos e nossa “nova vida” aumenta. As noites mal dormidas, os dentes nascendo, as vacinas, as febrinhas e o botão da sobrevivência ativado. Isso já seria assim morando na cidade em que se nasceu, mas quando se é mãe mundo afora, nós temos de adicionar umas novas camadas de solidão à pilha adquirida com a maternidade.
No novo país a função da mãe, geralmente, é simplesmente (e tudo isso) ser mãe, e aí essa solidão pode aumentar em muito. Imagine: você chegou num país no qual não fala a língua, é inverno (sugestão, se possível não mude no outono/inverno) e você não conhece ninguém. Seu marido sai para trabalhar de manhã e volta somente de noite. Sua vida é resumida em cuidar da casa e das crianças. Não, eu não acho que isso é necessariamente um problema, mas isso é estar só. É interagir apenas com crianças e não com outras pessoas adultas, algo extremamente necessário para manter o psicológico em equilíbrio.
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Os meses passam e nossa vida quase que não muda. A rotina pode se tornar maçante, e a distância pode dobrar de tamanho por conta da saudade do que se tinha. A mudança, como quase tudo na vida, pesa mais para a mulher. Começamos então a busca por amigas novas, como se tivéssemos mudado de escola. E essa é a sensação mesmo, trocar figurinhas pelo Facebook ou Instagram, ou nos famosos grupos de WhatsApp com aquelas mães que você nem conhece, mas que já considera “pacas”, só por estarem ali, na mesma situação que você.
Só que os dias passam, e vocês começam a se conhecer melhor. E é aí que as diferenças podem começar a aparecer. E aquela vila que parecia que poderia algum dia surgir, começa a colapsar sem ter tido ao menos sua fundação preservada. É começar do zero atrás de zero. Me questiono muito sobre o quanto que vale toda essa mudança. Não é raro ver mães, principalmente em cidades pequenas, afastadas de grandes centros, que não conseguem fazer uma amizade e seguem sofrendo em silêncio, ou fazendo desabafos para desconhecidas no Facebook em momentos de desespero.
É a cidade que não é tão bacana, as pessoas não são tão amigáveis, os preços são maiores do que se esperava, e por aí vai. O sonho de uma real vida melhor não se concretizou, porque a verdade é que tudo demanda tempo, disponibilidade e um punhado de sorte. Passados os primeiros meses de adaptação, a ficha começa a cair. Às vezes, demora um pouco mais. A minha ficha começou a cair um ano após minha mudança de cidade. Eu não culpo meu parceiro pela mudança, mas se eu tivesse refletido melhor sobre o impacto que essa mudança teria na minha vida, eu talvez tivesse batido mais o pé, ou tentado achar soluções que me mantivessem mais próximas da minha rede de apoio. E a minha mudança nem foi tão grande. Eu já morava na Holanda, mas em Amsterdam, e “por amor” mudei-me para Rotterdam.
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Confesso que a expressão me mudei por amor me dá nos nervos. Nós deveríamos nos mudar porque queremos, por nosso amor por nós mesmas, por nós querermos buscar mais experiências para nosso engrandecimento, e só de termos esse pensamento em nós já faz uma enorme diferença. Mudar por amor ao outro não é nem saudável e nem um ato de altruísmo, é só inocência mesmo. Porque um dia, a realidade pode bater a sua porta e você vai descobrir que sua vila é só você, você mesma e o espelho, e que o suporte que você precisa ficou do outro lado do oceano.
“There is no place like home” (Não há lugar como o lar) diria Doroty, e, às vezes, o lar não é onde estamos, e sim onde nosso coração está. O meu vem chegando, lentamente, onde moro hoje. Dia após dia. É um processo. São encontros e desencontros. Aos poucos, a vila vai se formando. E vila de imigrante e expatriada é um pouco ponte de safena. Ela ajuda a nos manter vivas e pulsando. Mas ela não constrói um novo coração.
3 Comentários
Texto perfeito e perfeitamente escrito. Hoje após 4 anos morando no Canadá começo a me adaptar, mas confesso que sempre que uma situação surge (principalmente com relação às crianças) me questionou se realmente tomamos a melhor opção.
Justamente por não falar a língua e nunca ter saído do país, fiquei com muito medo de chegar aqui e ficar na sombra do meu marido e não ter capacidade nem de ajudar os meus filhos (quando viemos eles tinham 7 e 5 anos), por este motivo decidi vir 40 dias antes do meu marido e meus filhos, fiquei em uma casa de família e fiz um curso de francês. Quando meu marido e filhos chegaram, eu já conhecia a cidade e já tinha achado um lugar para ficar….. não foi fácil, principalmente pelo motivo de que foi a primeira vez que me separei dos meus filhos, primeira vez que saí do país, e não falava nada da língua…. mas confesso que foi bem menos difícil do que seria se eu tivesse chegado aqui junto com eles.
Oii Clarissa, muito obrigada pelo seu comentário. Realmente deve ter sido menos difícil. Vejo algumas famílias fazendo o mesmo movimento. Já é assustador chegarmos zó, eu posso imaginar desembarcar com a família inteira de uma vez!!!
Oii Clarissa, muito obrigada pelo seu comentário. Realmente deve ter sido menos difícil. Vejo algumas famílias fazendo o mesmo movimento. Já é assustador chegarmos só, eu posso imaginar desembarcar com a família inteira de uma vez!!!