A cultura canadense da confiança e da independência
Meu nome é Maristela, sou arquiteta, casada, tenho um filho de 3 anos e atualmente moramos no Canadá. Viemos passar nossas férias de 2015 em Montréal, na província de Quebec, e voltamos para o Brasil com a “pulguinha de morar fora” na bagagem. Nem imaginávamos que, menos de um ano depois, estaríamos desembarcando em Montréal novamente com 6 malas e sem data para voltar.
Meu marido veio estudar por 18 meses e assim faríamos um teste para decidirmos o que realmente queríamos para a nossa família. Uma das partes que mais temíamos era o fato de aqui ter um inverno longo e rigoroso.
Não fazíamos ideia se conseguiríamos nos adaptar não somente ao inverno, mas também a todos os desafios que envolvem mudar de país. Viemos com o coração aberto e dispostos a nos esforçarmos para aproveitar a experiência. Teste finalizado e o desejo de ficar aqui foi confirmado: nosso intuito é caminhar para uma residência permanente em breve.
Criar um filho longe dos familiares (embora meu esposo tenha um irmão e um primo morando aqui), não é o nosso maior desafio. Desde que morávamos em Brasília, longe de nossas famílias, já tínhamos noção que teríamos uma grande missão pela frente. Obviamente encontramos diferenças culturais quanto à criação dos filhos e nós adaptamos aquilo que nos é interessante e o que funciona para a nossa família – respeitando nossas limitações enquanto pais expatriados.
Se tem algo que eu aprendi com a cultura local em quase dois anos de vida materna em outro país foi a ter mais confiança. Ao chegar no Canadá, foi preciso aos poucos confiar nas novas professoras, nos novos médicos. Confiar na minha forma de maternar e confiar na capacidade do meu filho. As crianças são criadas com mais autonomia e são encorajadas a serem capazes de vencer desafios sempre que possível. Aqui é muito comum vermos grupos de crianças passeando pelas ruas, indo aos parques, bibliotecas, museus e piscinas públicas, guiados por suas cuidadoras da creche/escola. Temos a confiança de que eles poderão fazer todo o trajeto em segurança, seja andando ou utilizando o transporte público.
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Foto: Arquivo pessoal.
Lembro que, na primeira ida do meu filho ao parque com a creche, fiquei escondida atrás de uma parede observando se realmente ele chegaria em segurança, já que não era normal para ele sair andando aos 2 anos de idade, atravessando ruas movimentadas e semáforos. E quando constatei que era possível, me emocionei ao vê-lo usufruindo da liberdade que ele tem direito. Acredito que essa confiança é facilmente adquirida com a qualidade de vida, segurança, espaços públicos pensados nas famílias e o respeito pelas crianças. Se os filhos não estão com os pais, geralmente, estão na creche/escola. Babás são chamadas esporadicamente e por poucas horas. Isso nos mostra que, pais nativos ou não, a responsabilidade é nossa e precisamos construir essa relação diariamente.
Moro em um prédio onde os vizinhos são muito receptivos, as crianças brincam soltas entre o jardim e nossas varandas. Tentamos estabelecer uma pequena rede de apoio, assim nos ajudamos sempre que possível. São muitos os fatores que contribuem para encarar a criação do meu filho longe da família como um desafio a ser superado a cada dia, com leveza e praticidade.
Aprendemos com a cultura local a apreciar o simples e tentar fazer o que é possível. Não é comum ter uma faxineira, por exemplo. Ambos os pais se ocupam das tarefas domésticas e dos cuidados com as crianças. Crianças também participam de tais tarefas, de acordo com sua idade. São ensinadas desde cedo a se vestirem, se calçarem e se alimentarem sozinhas; a carregarem as suas próprias mochilinhas; sempre com palavras de incentivo: “você é capaz!”.
Importante dizer também que Montreal é uma cidade multicultural, aqui nós convivemos com famílias de várias nacionalidades. Interessante acompanhar de perto os seus costumes e por que não aprender um pouquinho com eles?
Observar os pais nos parquinhos, lidando com os filhos em variadas situações é um dos meus passatempos preferidos. Uma oportunidade de entender melhor as especificidades de cada criança e incentivarmos desde cedo aos nossos filhos o respeito às diferenças e a importância da empatia. As culturas se entrelaçam e o diferente passa cada vez mais despercebido.
Isso se soma ao que sempre vamos carregar da nossa cultura e valores. Obviamente às vezes a saudade bate, queremos o aconchego da família, há momentos da solidão materna e um certo medo de não encontrarmos respostas aos constantes questionamentos que nos fazemos. Mas logo me lembro dos motivos que me fizeram escolher mudar e procurar um novo cantinho para continuar construindo a minha vida ao lado do meu esposo e filho. Tentando nos adaptar a cada novidade, certos que jamais seremos os mesmos pais que um dia trocaram uma certa comodidade na terra natal e resolveram se estabelecer em outro país.
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