Dia desses estava ouvindo uma neurocientista falar sobre felicidade e, de repente, ela lança um questionamento ao público: “se você tivesse que mandar um momento da sua vida para o espaço, qual seria esse momento?”.
Esta pergunta era o início de uma reflexão sobre olhar para trás e ver o que é mais importante na sua vida. E se você imaginar este momento de felicidade, muito provavelmente estava cercado por outras pessoas, ao menos uma além de você.
Pensar nisso apenas ilustra que somos seres sociais e que a felicidade está nesta socialização. Porém, se por um lado os nossos maiores momentos de felicidade estão em sociedade, é nela que também temos os nossos maiores momentos de tristeza.
O intuito deste último artigo do ano, que já foi assombroso, não é deprimir ou aniquilar o lindo espírito natalino, mas sim falar sobre felicidade, empatia e esperança.
Era uma vez…
Nesta mesma aula, voltamos ao ano de 1977 para lembrarmos o lançamento da Voyager 2, a sonda enviada pela Nasa, sem tripulação, sem destino e com certeza, sem retorno à Terra.
E qual é então a última missão desta sonda? Pode parecer pretensioso, ou mesmo alienado, mas sua última missão é levar mensagens da Terra para os confins da Via Láctea.
Dentro da Voyager 2, há inúmeras fotos que retratam a vida em nosso planeta. Uma vida sem pobreza, sem guerras e sem lamentos.
Se um dia a sonda for encontrada por extraterrestres inteligentes, eles saberão como é, ou como foi, a vida na Terra. Não a vida real, mas sim a idealização de uma humanidade.
Imaginando um possível E.T. , ao olhar uma dessas imagens, poderia bem iniciar um clássico conto de fadas com “Era uma vez na Terra…” e finalizar com um utópico “e viveram felizes para sempre.”.
Aqui bem cabe algumas outras reflexões: como imagens podem construir realidades distintas das vividas e, claro, o quão importante é mostrar a felicidade, ou melhor, o quanto a felicidade é ansiada.
Ser um ser social
Voltando ao tópico sobre os momentos de felicidade com o outro, é sempre bom lembrar que somos seres coletivos, mas ainda de seleção individual. E o que isso significa? Que precisamos cuidar do nosso bem estar para um altruísmo possível. Nosso bem-estar é fundamental, pois sem ele não é possível viver bem com o outro.
Pode parecer um pouco egoísta, mas se lembrarmos das instruções que a tripulação nos passa, assim que embarcamos em um avião, entre elas está a utilização das máscaras de oxigênio. Coloque primeiro em você e depois ajude o próximo.
Ou seja, se não estamos bem, seguros e saudáveis, as chances de ajudar efetivamente alguém é mínima ou não efetiva. Quando garantimos o nosso bem-estar, somos mais aptos a colaborar com o outro.
Se conhecer, se cuidar, estar consciente das nossas limitações, não só nos propicia momentos felizes, tranquilos e de satisfação, como também nos abre para um bem-estar coletivo. Para conviver melhor com o outro é preciso estar bem consigo mesmo. E, quando convivemos e compartilhamos o nosso tempo com as pessoas com que a gente gosta, nos propiciamos momentos de prazer e felicidade.
Fechando o ciclo, o outro é uma necessidade e por esta razão, sofremos quando não temos uma convivência harmoniosa com quem gostamos, no mínimo nos incomodamos (ou deveríamos). O exemplo recente disto é a quarentena e o isolamento social e o quanto isto nos desestruturou emocionalmente.
E a empatia?
A palavra empatia está amplamente difundida, mas conhecer o seu conceito não significa que a pratiquemos. Na verdade, cabe primeiro polir esta pedra e saber o que realmente é a EMPATIA.
Podemos ver a empatia como sentir o que outra pessoa está sentindo ou entender o que ela está pensando. É verdade que, se imaginarmos o que essa pessoa está sentindo, poderemos sentir empatia, mas não necessariamente. Estar triste com a situação de outra pessoa pode provocar compaixão ou pena, mas não são sentimentos de empatia. Empatia vai muito além disso. Empatia envolve presença e escuta de verdade.
Ser empático é olhar sob o referencial do outro sem confundir-se a si mesmo. É o exercício afetivo e cognitivo de buscar interagir percebendo a situação vivida por outra pessoa, além da própria situação.
Voltando a pensar em autocuidado e altruísmo, para ser empático é primordial a busca pelo autoconhecimento, pois ao avaliar as nossas facilidades e as nossas dificuldades, os nossos limites e as nossas aberturas, saberemos onde encontrar o outro.
Nos conhecendo e nos respeitando, facilita a nossa escuta, a nossa compreensão e a nossa comunicação, com respeito, transparência e assertividade.
Enfim, quando a gente fala, espera-se ser ouvido, mas não uma escuta qualquer e sim um ouvir respeitoso, atento e colaborador. E só criamos esta escuta à medida que temos consciência de nós, quando nos abraçamos com todas as nossas limitações e potencialidades, quando nos cuidamos e quando nos amamos.
Essa tal felicidade
Muito se diz desta tal felicidade, mas afinal o que ela significa? Partimos da sua subjetividade, de como individualmente a vemos. O que propicia felicidade para mim, foi construído ao longo da minha jornada, das culturas, dos valores, das experiências e, na verdade, não é estático. A felicidade não é, e sim está em constante construção e transformação.
Temos muita dificuldade em enxergar e aprender que o ideal não é a extrema felicidade, pois a associamos com a ausência total da tristeza. Ninguém sente falta da tristeza e dos momentos tristes, queremos sim fugir deste sentimento.
Então qual é o ideal? Enxergar e ter a consciência de que a felicidade não significa uma vida feliz. A felicidade é momentânea; a vida feliz é uma construção, repleta de contrastes e com foco no longo prazo.
A felicidade é o que podemos sentir por um momento. A nossa vida é feita de momentos, que não podem ser consecutivos e eternamente felizes, até porque o nosso cérebro se habituaria com a felicidade e então não nos sentiríamos mais felizes.
Leia também: Liberdade, isolamento e saúde mental e Como me livrar da culpa materna?
Somos feitos de momentos contrastantes e ambivalentes. Podemos mudar de um humor eufórico para uma grande melancolia em um único dia. Porém, se pensarmos bem, os melhores momentos são os de equilíbrio, onde entrelaço um sorriso a uma lágrima.
Buscar ser feliz o tempo todo é como buscar ficar frustrado o tempo todo. Temos que parar de buscar e passar mais a desfrutar dos momentos, sejam felizes ou nem tanto.
Viver intensamente os momentos felizes, sabendo que terá um fim, fará com que minha percepção e memória deste momentos no futura seja alargada. Ao contrário, viver os momentos tristes, conscientes que terão o seu fim, reduzirá a nossa memória de tristeza e a nossa percepção de dor que a acompanha.
Estamos vivendo a pandemia, mas não somos a pandemia. Este é um momento transitório, que terá seu fim. Pensar desta forma nos facilita compreender o que realmente precisamos; ou seja, a construção de uma vida simples e justa – nem menos, nem mais – essa tal felicidade.
Então, você levaria este momento para o espaço?
1 Comentário
Marcela, muito importante sua reflexão! Aliás, ler seu artigo no último dia de 2020 foi um presente! Você tem toda razão, “Estamos vivendo a pandemia, mão somos a pandemia.” Feliz 2021!