Relato de um parto no Brasil e outro na Espanha
Sabe aquele sonho de ter um parto normal? Infelizmente, não consegui realizar. Passei por duas cesarianas, uma no Brasil e outra na Espanha. Ambas foram pelo sistema público de saúde. Hoje compartilho minha experiência com vocês e descrevo um pouco como funciona o sistema de saúde pública em cada país.
Pré-natal no Brasil
Quando descobri minha primeira gravidez morava no Rio de Janeiro. Possuía um plano de saúde particular que não cobria os gastos do parto. Ainda sim, estava disposta a pagar por um parto natural. Foram muitas tentativas frustradas de encontrar um médico privado que topasse esperar o tempo do bebê. Sabia da dificuldade por ouvir dizer, mas quando nos deparamos com inúmeros profissionais dizendo não ao parto natural, há algo que se preocupar.
Por sorte uma amiga, que havia recém-parido seu filho de parto normal, me disse para buscar pelo sistema público de saúde (SUS). Ela relatou que havia passado pelo mesmo e que no sistema público encontrou uma política que ainda apoia partos normais.
Consegui fazer meu pré natal na Maternidade escola da UFRJ. Uma maternidade que é referência no Brasil. Apesar de algumas instalações terem equipamentos bem antigos, tive um bom atendimento profissional com uma ginecologista e um nutricionista.
No último trimestre da gestação, acabei desenvolvendo diabetes gestacional que foi controlada com dieta e exames de sangue semanais. Como as idas ao hospital ficaram mais constantes, era impossível não perceber a simpatia de cada funcionário.
Parto no Brasil
Cheguei a 40 semanas de gestação sem nenhuma contração. Na reta final, como o bebê ganha muito peso, passei a ter cuidado redobrado na alimentação para não aumentar nem o meu, que já havia engordado 20 quilos, nem o do bebê que na última ultrassonografia tinha uma estimativa de possuir três quilos e meio. A médica que me acompanhou no pré-natal sabia do meu desejo de ter um parto normal, por isso agendou uma indução.
Dei entrada no hospital dia 8 de julho de 2016. Fui levada à monitoração para escutar os batimentos cardíacos do bebê. Depois, passei para a ultrassonografia. Na sala estava o médico responsável pela ultra, a obstetra e alguns alunos. Durante a ultra fui informada que a estimativa do peso do bebê era de quatro quilos e que um parto normal poderia causar algum tipo de dano. Além disso, a indução poderia ser um processo largo e muito doloroso sem garantia de que conseguiria ter o parto natural.
Naquele momento, fiquei sem palavras. A falta de informação, o medo de causar algum mal à minha filha, o medo da dor mencionada pelos médicos me fizeram encarar sem pensar. Na sala da cirurgia, havia a equipe médica, anestesistas, enfermeiros e alunos para acompanhar o parto. O pai só pode entrar quando está tudo pronto para tirar o bebê da barriga. Diferente da rede privada, não se pode fazer fotografias. Mas pra dizer a verdade, nunca iremos esquecer aquele momento.
Pós-parto no Brasil
A cesariana é uma cirurgia muito violenta. Saí da sala do parto enrolada em um lençol. Me colocaram na cama e fui para um quarto compartilhado com mais cinco mulheres. Logo veio a enfermeira com minha filha para iniciar a amamentação e fazer o pele a pele. Foi muito difícil esse início, porque ainda estava sob efeito da anestesia. Por conta da cirurgia, o leite demora a descer e o bebê fica mais tempo sugando até sair o colostro. De fato, tive uma enfermeira me estimulando a amamentar o tempo todo. Até me senti pressionada, mas hoje entendo como foi importante esse acompanhamento.
Pré-natal na Espanha
Minha segunda gravidez, morava em Madrid. Teresa estava com seis meses. A notícia no início foi assustadora. Só pensava no meu parto no Brasil, em tudo que havia passado. Toda a dor estava bem viva na minha memória. Mas precisava dar início ao meu pré-natal. Para se utilizar o sistema de saúde pública na Espanha é necessário estar cadastrado no INSS do país, chamado de Seguridad Social, seja a pessoa trabalhadora autônoma ou colaborador de alguma empresa.
Porém, o acesso a saúde pública é garantido a todas as mulheres grávidas, independente se estão legais ou não no país.
Aqui o ginecologista mal fala com você. A consulta é muito rápida e o foco é o bebê. O primeiro ultrassom é realizado entre a 10ª semana e 12ª de gestação e nesse mesmo período também é realizado um exame de sangue que serve para analisar risco de alterações como síndrome de down e diabetes gestacional.
A partir daí, somos cuidadas pela matrona (parteira). A parteira atende a mulher em todas as frentes. Ela realiza certos controles, como monitorar os batimentos cardíacos do bebê, medir a pressão arterial, monitorar o peso. Mas com certeza sua função mais importante é ouvir e responder às inúmeras dúvidas que as mulheres têm quando engravidam.
Ela proporciona infinitos cursos de primeiros cuidados com o bebê. Foi com a minha matrona que aprendi que a mulher é a protagonista principal do seu parto. No site El parto es nuestro (o parto é nosso) encontrei muito informação. Essa foi a maior diferença em fazer o pré-natal na Espanha. Acesso à informação. Sem achismos ou palpites. Informação profissional para te fazer entender, conhecer e se conectar com seu corpo. Informação é arma!
Parto na Espanha
Passei meu pré-natal todo com acompanhamento da matrona. Engordei apenas oito quilos com muita disciplina e exercício. Já sabia que teria que passar por outra cesariana porque havia menos de dois anos da minha primeira gravidez. Ter consciência foi fundamental para o meu psicológico, porque estaria sozinha. O pai não pode entrar em momento nenhum. Ele fica do lado de fora para receber a criança depois do nascimento. O pele a pele também é realizado pelo pai. Demos entrada no hospital Gregorio Marañón dia 7 de dezembro de 2017. Fui levada para a sala de parto, chamada de quirófano.
Senti-me segura mesmo não falando espanhol fluente. De fato, você não tem a simpatia do brasileiro, o calor humano, mas tem gente que é gente no mundo inteiro e tive sorte de ter um parto realizado por uma equipe com ótimos profissionais. Como vinha de dois partos seguidos, a cirurgia demorou um pouco mais que o normal. Uma das grandes diferenças que notei foi a atenção comigo. Eu era a protagonista principal.
Melissa foi sacada da minha barriga e a trouxeram até mim. Em seguida a levaram para o pai fazer o pele a pele. Fui levada até uma sala para descansar e esperar o efeito da anestesia passar. Isso foi bem diferente, porque me senti mais acolhida e preparada para começar a amamentação. Depois que a mulher passa por uma cesariana, ela realmente precisa de repouso. Essa coisa de visitas, família, fotos, festa que nós brasileiros fazemos realmente não existe na Espanha. A cirurgia é levada muito a sério. Mas, de verdade, o que uma recém-operada necessita?
Pós-parto na Espanha
Seis horas depois do parto fui levada para um quarto privado. O hospital Gregorio Marañón oferece quartos individuais. Não são todos os hospitais públicos, porém como se pode escolher e conhecer as instalações antes do parto, optei por um que tivesse. Queria ter privacidade com minha filha já que ficaríamos sozinhas. E assim foi. Ao entrar no quarto, me deparei com Melissa nos braços do pai. Imediatamente a segurei e dali partimos para a amamentação. Como não era mãe de primeira viagem ,nem esperei a orientação da enfermeira. Loga a meti nos peitos e dali começamos nossa história.
Acho que depois de tanto tempo longe essa era a melhor forma de dizer: “oi, meu amor, aqui estou pronta para você, é a mamãe!”
4 Comentários
Parabéns! Muito orgulho dessa mulher guerreira que como mãe sabe ,numa narrativa clara, doar sua vivência contribuindo assim para o fortalecimento de outras mães.
Não poderia ser diferente. Com a herança que recebi, impossível ter outra trajetória. Te amo
Parabéns, Liana Azeredo, pela sua linda história de vida! Vivenciou a maternidade no Brasil e na Espanha com suas diferenças culturais.Encarou grandes desafios, e hoje é mãe de duas lindas filhas, Teresa e Melissa (muito fofa). Uma grande lição de vida: sua identidade com a maternidade, vislumbrando para o trabalho com mulheres e mães.
Parabéns!!!
Obrigada pelo carinho e apoio.