Puerpério longe da família: um aprendizado.
Viver fora do Brasil e longe da família e amigos de longa data é, por si só, difícil. Quantas vezes me vi tristonha por perder momentos tão importantes (e outros corriqueiros) da vida dessas pessoas queridas? Quantos casamentos, aniversários, gestações e nascimentos não vi de perto? E também em quantas separações e desilusões não estive por perto para acalentar a dor? O tempo vai passando e vamos nos acostumando a viver esses momentos virtualmente (e ainda bem que isso hoje é possível!). Mas quando eu engravidei me dei conta de que apesar de ter aprendido a acompanhar esses momentos importantes dos outros à distância, não tinha me preocupado em sequer pensar que um dia seria eu a protagonista de um desses momentos, e as pessoas com quem eu mais gostaria de dividi-lo estariam longe.
Ter engravidado em outro país significou não ter minha mãe por perto acariciando a barriga e sentindo os primeiros movimentos. Não ter minha vó para abençoar a barriga. Não ter meu pai curtindo a gravidez da sua filhinha carregando a sua primeira neta. Nem meu irmão com medo bobo de tocar e machucar ou falando com voz de bobo para esse bebê tão desejado. Não tive minhas melhores amigas me paparicando e vivendo comigo essa mudança tão radical na minha vida. Fui eu quem tive que mandar fotos semanais e explicar a imagem do ultrassom via mensagem. Mandar videos da barriga pulando porque eles não podiam sentir essa emoção ao vivo. Foram eles, desta vez, que tiveram que conter a tristeza que cabe dentro da alegria de dividir tamanho momento somente de forma virtual.
Eu tive a sorte de a minha mãe conseguir vir para o nascimento da sua primeira neta. E só quem já teve bebê fora do seu país sabe da angústia e ansiedade de não saber se a passagem aérea era para muito cedo ou muito tarde. Por sorte, ela chegou cinco dias antes do parto, então aproveitou os últimos instantes da barriga, esteve no hospital logo que a bebê nasceu e me acompanhou no início da minha vida como mãe, nos primeiros dias do pouco falado puerpério.
O puerpério
Se alguém procurar no dicionário o que é puerpério vai encontrar a seguinte definição: “período que se estende do parto até que os órgãos genitais e as condições gerais da mulher estejam normalizadas” e o “conjunto de sintomas que ocorrem durante esse período”. Ah, como eu queria que fosse simples assim!
Ao ler essa definição eu (quase) ri. Percebi que nunca mais vou sair do puerpério, já que não sei mais o que seriam as minhas condições gerais normalizadas. O puerpério é, para mim, muito mais do que um dicionário é capaz de definir. É o momento de renascimento da mulher após o parto. É um momento de tristeza e de alegria, de vontade intensa de chorar às vezes, de muitas dúvidas e sentimento de não saber nada.
Eu me preparei muito para o nascimento. Eu li muito sobre puerpério. Mas, no fim, quando ele chegou, eu não sabia era nada! É um processo de luto muito intenso. A mulher que eu era antes do nascimento da minha pequena e a vida vivida até então morreu, acabou, e eu não tinha a menor ideia de quem eu seria como mãe ou como viver essa nova vida. Eu estava perdida, com um bebê que dependia inteiramente de mim e me sentindo extremamente sozinha, mesmo que super bem acompanhada pelo meu marido, minha mãe e amigos queridos que fiz ao longo desses anos vivendo fora. E em meio a muitas fraldas sujas, lágrimas (suas e do bebê) e leite vazando, você tem que se reencontrar como mulher.
Viver o nascimento e o puerpério longe do Brasil me trouxe uma outra dimensão da falta que alguns amigos e família me fazem. Toda aquela história de rede, de que é preciso uma aldeia inteira para educar uma criança, começou a fazer sentido, e eu senti um medo enorme de não dar conta de tudo sozinha sem minhas raízes, como achava ter feito até então.
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Foto: Pixabay
Durante as primeiras semanas como mãe, acredito que uma mulher acabe se redescobrindo também como filha. E a relação com a minha mãe se modificou. Depois de anos morando fora, eu me vi dependendo dela novamente e revivendo e reelaborando coisas da nossa relação. E como seria isso se ela não estivesse por aqui? Em pleno carrossel de emoções que é o puerpério precisei me despedir dela, que tanto me ajudou estando aqui (e que no início da gravidez achei que não precisaria, doce ilusão!). Descobri que a despedida, que tinha se tornado já parte da minha vida, nunca mais será a mesma. Porque a partir de agora eu me despeço da minha mãe e da vovó da minha filha. E ela, ainda tão pequena, terá que aprender através de mim a viver nesse intenso chegar e partir.
Mas não é só de tristeza e baby blues que se vive as primeiras semanas. A escuridão e as incertezas dos primeiros dias ou semanas pós-parto vão, pouco a pouco, abrindo espaço para outros sentimentos e descobertas. Aquela amiga querida, mesmo longe, vai se fazer mais presente através de longos áudios via WhatsApp. Aquela outra, que o tempo tinha afastado, vai se aproximar porque sabe que você está vivendo uma fase única e precisa simplesmente de um abraço, mesmo que virtual, ou vai querer simplesmente ouvir suas angústias e te acolher porque já esteve na sua situação. E as amizades feitas no novo país ganham uma nova cara. E a aldeia se forma.
E a luz começa a aparecer, pequenina, lá no fim do longo percurso que pode ser o puerpério. Às vezes parece que o túnel diminui, às vezes a luz se afasta um pouco. E eu vou me inventando e reinventando, sempre me perguntando como seria se todo esse processo estivesse sendo vivido ao lado daquelas pessoas especiais que deixei no Brasil.
10 Comentários
Amanda,
Escrevi um texto exatamente esse mês sobre o mesmo tema! Como é difícil pra nós! Senti absolutamente tudo que vc escreveu! Com a diferença que minha mãe embarcou no dia que minha filha nasceu, já que a pequena antecipou um pouco… só posso dizer que com certeza nos tornamos muito mais fortes com isso.. todo meu carinho pra vc ❤️
Quero ler seu texto também! É um momento que mexe muito com a gente, né? Abraço!
Que texto bonito, Amanda! Que vocês sejam muito felizes, mães e filhas, em suas novas descobertas!
Amanda, que texto maravilhoso! Descreveu todos os meus sentimentos e acredito que de várias mães também! Obrigada!!
Maísa (Santiago, Chile)
Obrigada, Maísa! É sempre bom saber que os meus sentimentos são aqueles de tantas recém-mamães!
Parabéns Amanda! Eu que ainda nao sou mãe não consigo imaginar como é passar essa fase, mas com a ajuda de relatos como o seu ja vou me preparando quando minha hora chegar. Obrigada por dividir sua experiencia.
Fiquei emocionado com o seu texto e apesar de ainda não ser mãe me identifiquei com os diversos aspectos da vida longe das raízes e já me preparo psicologicamente (se é que é possível) para quando chegar a minha vez! Um grande abraço e espero ler muitos textos seus por aqui!
Por mais que a gente se prepare, é um momento bem delicado na vida… mas vale a pena! Beijo
Oi Amanda! Outro texto seu me encaminhou para este.. só posso dizer que muitas lágrimas correram aqui enquanto lia.. principalmente sobre a relação com nossa mãe.. no meu caso, é a pessoa que eu mais gostaria de estar compartilhando cada momento e sensação bem de perto, assim foi como ela sempre esteve perto de mim.. porém, agora, me encontro na mesma situação de estar longe de todas pessoas queridas e buscando formar minha rede por aqui com uma bebê a caminho.. Um abraço e muita coragem e amor para vcs!! Gitana
[…] maternidade sem rede de apoio pode ser extremamente pesada. Quem, como eu, viveu isso longe da família sabe bem disso. E amamentar exclusivamente em livre demanda sem um suporte (especialmente […]