Violência Obstétrica no Chile
Em 2012, cheguei grávida de cinco meses a Santiago e, fazendo as contas, o mais viável seria ter meu parto dentro do sistema público chileno. Naquele instante, fui incluída para ter meu acompanhamento médico durante a gravidez e o parto de forma totalmente gratuita.
O controle foi feito no consultório do bairro de minha residência por uma matrona (algo similar às obstetrizes no Brasil) e o parto seria no hospital que correspondia ao meu setor. Como eu tenho hipotiroidismo, fui encaminhada como gravidez de risco, já que minha necessidade de remédios é constante e a falta de hormônio pode causar problemas ao bebê. Todos os exames e remédios foram feitos gratuitamente, eu tinha direito a 4 ultrassons feitos no consultório, mas pelas semanas gestacionais com as quais eu cheguei, somente me restavam duas.
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Tive acesso à um curso para mães, onde se falou de alimentação na gestação, cuidados com o recém-nascido, parto e amamentação. Entre as 34 e 37 semana, um veículo do próprio consultório leva as gestantes para conhecerem o hospital ao qual serão encaminhadas para o parto.
O parto normal é altamente incentivado no sistema público, mas infelizmente ainda há muita violência obstétrica, o que faz muitas mulheres temerem essa opção. Naquela época, eu pude perguntar a pessoas próximas, que me contaram com clareza sobre a crueldade como havia sido o nascimento de seus filhos.
Percebi que a episiotomia, o corte que se faz no períneo, era parte dos procedimentos padrão do Hospital Luis Tisné, onde tive meu filho. Além disso, a bolsa d’água era frequentemente estourada de forma artificial, o uso de oxitocina sintética não era opcional e por vezes as mulheres não faziam ideia do que havia no soro, havia um excesso de toques durante o trabalho de parto, a monitoração fetal era feita de forma ininterrupta e somente era permitido parir em litotomia, ou seja, deitada na maca, em posição ginecológica. Sem opções, me preparei o melhor possível para fazer dessa experiência o menos estressante para mim e para meu bebê que estava para nascer.
O dia do parto
No dia que o trabalho de parto começou, fiquei o máximo que pude em casa, mas considerando que morava longe do hospital e era meu primeiro parto, a ansiedade não me permitiu ficar mais tempo esperando o processo de forma mais natural.
Ao chegar, o primeiro toque e monitoração fetal. Depois de confirmar que o trabalho de parto estava iniciado, me levaram para uma sala comum com outras gestantes e logo sofri a primeira violência. Eu era a única em trabalho de parto, as demais estavam ali por gravidez de risco e necessidade de repouso. Senti uma angustia por mim, que não podia verbalizar minhas dores nas contrações e por elas, que estavam no mesmo quarto que uma mulher saudável, em vias de ter um bebê enquanto elas precisavam se resguardar para que seus filhos permanecessem o máximo de tempo possível em seus ventres.
Consegui convencer a matrona a que me enviasse a sala de pré. O protocolo permite que a parturiente seja levada à sala de pré-parto somente a partir dos 6 cm de dilatação e eu ainda tinha cinco.
Meu marido foi meu acompanhante, mas sua presença somente foi permitida na sala de pré-parto e, ainda assim, ele não pôde ficar o tempo todo ao meu lado. A cada vez que eu era examinada, pediam para que ele se retirasse e depois o chamavam de volta.
Oxitocina sintética e rompimento da bolsa
A impossibilidade de me movimentar somada à oxitocina sintética no meu soro fazia com que as dores fossem insuportáveis e pedi anestesia assim que cheguei na sala de pré-parto. Não tive que esperar muito, ao contrário da maioria das histórias que ouvi antes de que chegasse meu momento e me senti agradecida por isso. Com a anestesia, conseguimos até dormir uns instantes entre exames de toque e monitoração. Em algum momento da madrugada, sem aviso, romperam minha bolsa. Eu já sabia que isso era um procedimento rotineiro nesse hospital.
Depois de longas 11 horas de trabalho de parto, o dia amanheceu e o marido aproveitou para tomar café da manhã rapidamente, na cafeteria do hospital. Veio a mudança de turno e a matrona que continuaria a me acompanhar fez o que seria o último exame de toque, confirmando que estávamos quase no fim do processo. Me mandaram então para o centro cirúrgico e correram para chamar meu marido.
O final do ciclo
Enquanto me colocavam no estribo, na pior posição imaginável para parir e com a anestesia quase no fim de seu ciclo, pude sentir as contrações finais bem de leve, somente o suficiente para saber quando fazer força, mesmo com a matrona e a enfermeira tentando dirigir a hora em que eu deveria empurrar, eu fiz o que sentia que meu corpo precisava. Logo me fizeram a episiotomia, quase no momento final da expulsão. Foi mais rápido do que eu imaginava e pude sentir como terminava o ciclo de minha gestação, com meu filhote chegando ao mundo exterior.
A enfermeira logo puxou uma parte de minha bata para que meu filho fosse colocado diretamente no meu peito, em contato com minha pele. Enquanto ele vinha para meus braços, falei em português com ele e o chorinho cessou. Fizeram uma limpeza superficial enquanto ele estava comigo, meu marido cortou o cordão umbilical e massageavam meu ventre para tentar acelerar a saída da placenta, enquanto a matrona costurava os pontos da episiotomia.

Foto: Arquivo pessoal
Ficamos uns 40 minutos pele com pele e logo o levaram para medir, pesar e fazer os exames necessários, na presença do meu marido. Assim que tudo terminou, veio a que, para mim, foi a pior parte de todo o processo. Durante a recuperação, enquanto esperam a anestesia passar e avaliam o bebê com mais detalhes, ficamos separados e a presença do acompanhante não é permitida nem com a mãe, nem com o pai. Passaram horas sem saber do meu pequeno, deitada numa maca sem informação e com uma enfermeira que vinha verificar se eu ainda estava anestesiada.
Uma chamada telefônica e logo vieram me avisar que meu pequeno teve hipotermia e precisaria ficar em observação. Fui enviada ao quarto, sem meu bebê, sem acompanhante e sem apoio emocional. Minha família somente soube do acontecido com meu filho quando entraram para me visitar.
Se não fosse pelo apoio da família, certamente minha forma de viver o puerpério (que ainda assim não foi tão fácil), teria sido bem mais difícil, somente considerando o tratamento dado pelo sistema.
De lá para cá, algumas coisas mudaram, mas o índice de violência obstétrica no Chile ainda é alto. Em 2015, foi criado o Observatorio de Violencia Obstétrica (OVO Chile) e as mulheres começaram a falar mais sobre o assunto e empoderar-se em seus partos, passando a ser mais exigentes com o atendimento dado.
Por minha parte, para meu segundo parto, tive a oportunidade de vivenciar um parto humanizado através do meu plano de saúde. Mas esse é papo para outro texto.
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[…] comentei no texto sobre meu primeiro parto (leia aqui), no Chile o acompanhamento do parto normal é feito pela obstetriz. O médico fica a disposição […]