Parto normal na França
Desde que anunciei a minha segunda gravidez, uma pergunta muito comum dos amigos brasileiros era sobre o parto. E ela vinha geralmente de duas formas: “você vai tentar o parto normal novamente?” ou “você vai querer parto normal de novo?”.
Eu acho curiosa essa forma de colocar o parto normal, como uma vontade ou tentativa. Ninguém deveria tentar o parto vaginal. Ele deveria ser a via de parto natural, e a cesariana, a cirurgia para salvar mãe e filho quando houvesse necessidade. Mas entendo essa colocação, pois é assim que o parto normal é tratado no Brasil, um dos países campeões de cesárea no mundo .
Os médicos, muitas vezes, vêm com aquela frase “se tudo der certo, faremos o parto normal”. Uma balela, como já sabemos. Há variações que não impedem que o parto aconteça, mesmo que não esteja “tudo certo”. Para mim, a frase deveria ser “não se preocupe, se for necessário faremos a cesariana”. Veja algumas indicações reais de cesárea aqui.
O parto normal é a regra na França. Em 2014, o país tinha 18,7% de nascimentos por cesariana. O recomendado pela OMS é de 10% a 15%.
Dados e procedimentos na França
No consultório, jamais me foi questionado que tipo de parto queria. Discuti episiotomia, clampeamento de cordão, os procedimentos logo após o parto, posições para parir, anestesia. Mas tudo é presumido para o parto normal.
Na visita à maternidade, conhecemos as salas de pré-parto, parto e parto natural (apenas uma delas). Sim, pois embora o parto normal seja a regra, o conceito de parto natural ainda caminha lentamente quando comparado a países como o Reino Unido e a Holanda. Isso significa que intervenções como aplicação de ocitocina, anestesia, rompimento da bolsa, posição ginecológica ainda são bem comuns por aqui. Leia mais neste artigo do Le Monde.
Os custos são pagos pelo sistema de saúde até certo valor. O que ultrapassa, deve ser bancado pela mutuelle (que é como um convênio) ou pela própria gestante. Dependendo da renda, é possível obter um complemento do sistema de saúde e ter tudo custeado por ele. As variações de valores dependem do local escolhido para o parto, dos profissionais para o pré-natal, etc.
Dá para escolher a cesárea?
Essa era uma curiosidade que tinha, mesmo sem nunca ter tido interesse em passar por uma. Perguntei a um médico e ele me disse que os médicos até faziam em casos excepcionais e me deu um exemplo: se o pai da criança é um marinheiro que irá passar meses no mar, está prestes a embarcar e a mulher já atingiu as semanas necessárias para a maturidade do bebê, então eles aceitam fazer a cirurgia ou uma indução. Segundo ele, é preciso justificar casos excessivos de cesariana ao governo.
Os médicos não são obrigados a aceitar fazer a cirurgia, mas devem encaminhar a gestante a um local ou profissional que a atenda. Eles são orientados a, num primeiro momento, entender as razões que levam a mulher a escolher essa via de parto e orientá-la ou indicar um acompanhamento especial que possa ajudar a reduzir medos, traumas etc.
Esse texto explica um pouco mais sobre isso e fala um pouco dos casos mais comuns que levam a uma cesariana.
Data prevista para o parto
Uma diferença do Brasil e da França é em relação à data prevista para o parto. Enquanto no Brasil ela é calculada para a 40° semana de amenorréia (ausência de menstruação), aqui ela é na 41ª e chamada de terme.
E se o bebê não nasce até lá? Bem, então é feito uma avaliação no dia e um monitoramento mais “de perto” , que pode ser marcado para dois dias depois. Então, outra avaliação é feita e remarcada para daí dois dias e assim vai até completar-se 42 semanas de gestação, quando uma indução é feita. Se a indução não funciona, a cesariana é realizada.
Segundo o meu médico, 90% dos bebês nascem antes da data prevista.
Sistema de sage-femme
Sage-femme é uma enfermeira obstétrica que pode te acompanhar no pré-natal (sem a necessidade de consultas com médico obstetra), durante todo o trabalho de parto (elas fazem o monitoramento de batimentos cardíacos, contrações, aconselham posições para aliviar a dor, massagem, exercícios) e, na maioria dos casos, no parto também. Em diversos hospitais, o médico só é chamado para o parto caso tenha uma intercorrência, como, por exemplo, a necessidade de usar o fórceps.
Além disso, elas são as responsáveis pelos cursos de preparação ao parto, garantidos pelo sistema de saúde francês gratuitamente (4 sessões). Um bom momento para conhecer algumas delas que podem estar de plantão no dia do seu parto.
Acredito que esse sistema de acompanhamento do trabalho de parto pelas enfermeiras garanta o sucesso do parto normal aqui. Afinal de contas, o médico não precisa abandonar o consultório por horas para esperar o decorrer do processo.
Leia também: A minha experiência com o parto normal nos EUA
Se a maternidade define que são os médicos que fazem o parto, deixando apenas o trabalho de parto por conta das enfermeiras, como no meu caso, ele é acionado apenas no momento do expulsivo. O parto pode ser feito tanto pelo plantonista do estabelecimento quanto pelo próprio obstetra que faz o pré-natal e cujo consultório é na maternidade. Depende do horário e do dia que o nascimento ocorre.
Já estive em dia de consulta em que o meu obstetra foi chamado pra atender uma emergência, desceu para a ala de parto e a consulta atrasou meia hora. Quando existem alguns partos no mesmo dia, a secretária entra em contato com as pacientes e remarca a consulta.
Todas nós podemos!
Não me esqueço quando grávida da minha filha mais velha, um dia conversando com minha cunhada, mãe de dois, ela me disse: “não tenha medo, todas nós conseguimos”. Sinto que é esse o pensamento aqui. Parir é normal. Se você precisa de ajuda, você terá. Se precisar de uma cesariana, ela será feita. Mas você vai conseguir, e o caminho de praxe é o parto vaginal.
Espero ter conseguido esclarecer um pouco da visão que se tem do parto normal por aqui. O assunto é complexo e longo, por isso tantos links foram acrescentados. Minha intenção não é jamais demonizar a cesariana, cirurgia que salva tantas vidas, mas mostrar como um sistema organizado, com atendimento adequado e o assunto tratado de forma natural nos deixam confiantes de passar por esse momento tão especial que é o parto.
Leia mais em “Gravidez e parto na França” – Parte 1 e Parte 2
3 Comentários
Lindo texto Mari, está de Parabéns!
[…] contei no último texto, a regra aqui na França é o parto normal, exatamente o que eu sempre quis. Descobri minha […]
[…] Leia também: Parto normal na França […]