Parto humanizado no Chile
Depois de sofrer violência obstétrica no meu primeiro parto, quis uma experiência de parto humanizado na segunda gravidez, quase quatro anos depois. A situação era diferente, agora tínhamos um plano de saúde particular e poderíamos optar por uma equipe que caberia no nosso orçamento.
Mesmo antes de engravidar, eu já tinha em mente algumas possibilidades e assim que o positivo veio, corri para conseguir horários nos médicos e obstetrizes já recomendados.
Tinha feito a lição de casa e levava sempre o meu caderninho de perguntas-chave a tiracolo. Assim, descartei vários profissionais que não estavam de acordo com as minhas necessidades. Em algum momento, meu marido questionou meu nível de exigência com o médico, achando que estava exigente demais.
Não demorei tanto quanto imaginava em encontrar minha equipe para esse novo processo de maternidade. Acreditar que um nascimento com respeito deveria ser uma prioridade sempre; entender que no parto, o protagonismo deve ser da mulher e o médico deveria ser fonte de informação (e não de terrorismo) e acompanhamento foram os fatores determinantes para sentir afinidade entre nós.
Conhecendo a obstetriz
Como comentei no texto sobre meu primeiro parto (leia aqui), no Chile o acompanhamento do parto normal é feito pela obstetriz. O médico fica a disposição mas somente atua em caso de necessidade de intervenções, então, fomos conhecer a obstetriz que trabalhava com meu médico.
Meu marido ainda não estava totalmente convencido, acreditava que eu estava sendo inflexível por querer um parto natural quando chegamos na consulta com a obstetriz. Mas ali tudo mudou. Ela foi bastante direta e racional, esclarecendo que “mulheres sabem parir e bebês sabem nascer”, mas que vivemos na era moderna e nem todas estamos preparadas emocionalmente para abraçar nossa dor e parir sem intervenção. Deixou claro que analgesia era uma possibilidade, caso fosse solicitada.
No final, um aviso ao meu marido: “Sua esposa vai precisar de seu total apoio. Se você não se sente apto para acolhê-la nesse momento, vou solicitar que se retire para que ela tenha a paz que precisa para trazer sua filha ao mundo”. Pronto. Não estar presente no parto da pequena não era uma possibilidade.
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A partir daquele momento, tudo fluiu e relaxamos. Houve uma mudança de planos inesperada que nos levou a uma nova médica, mas continuamos com a segurança de que a equipe mantinha o foco. Fizemos todos os exames necessários, menos ultrassons do que na primeira gravidez, com apoio da equipe. As consultas eram leves, informativas, acolhedoras. Assim, chegamos ao final da gestação, meus pais vieram do Brasil e fizemos o chá de bebê quando eu tinha 36 semanas.
Chegando a hora do parto
Depois disso, as contrações de treinamento ficaram mais dolorosas mas espaçadas ao longo dos dias, uma parte do tampão mucoso foi expelido e a obstetriz mandou ficar atenta à frequência das contrações, relaxar e deixar as malas prontas. Alguns dias depois, fomos à consulta, entregamos uma cópia do plano de parto na clínica, e preenchemos alguns documentos para acelerar o processo burocrático da admissão quando eu chegasse já em trabalho de parto.
Domingo 31 de janeiro de 2016, pouco antes de sair para almoçar com a família, o trabalho de parto engrenou de vez, ainda que lentamente. Decidimos ir ao almoço ainda assim, já que estaríamos perto da clínica. Avisamos a obstetriz e a médica através de mensagens e ambas pediram que ligássemos quando saíssemos em direção à clínica.
Passei o almoço entre contrações e chamegos com o filho mais velho, comendo o que conseguia, me preparando emocionalmente para o que ainda estava por vir. Voltamos pra casa e continuei ativa, andando pela praça, brincando com o filhote, falando com a bebê que estava por vir.
Onze horas da noite, depois de comer pizza e assistir um pouco de TV. Fomos deixar meu filho na casa de meus sogros e assim, com dores intensas e constantes que só pioravam, sentada no carro e sem liberdade de movimento, partimos para a clínica.
A processo prévio de admissão acelerou nossa entrada. Foi realizado o exame de toque e constatado que estava com 5 cm de dilatação. Em questão de minutos já estava na sala de atendimento integral ao parto. Recebi uma bola de Pilates e uma camisola. Avisaram que ninguém entraria para incomodar, mas poderíamos solicitar a presença da enfermeira caso fosse necessário e assim foi.
O parto
Eramos somente nós dois, e assim que me acomodei na bola, senti o processo acelerar. O marido virou ponto de apoio e, concentrado me dizia palavras de segurança, o que me ajudou a manter o foco. Tentava lembrar de tudo o que aprendi, vocalizar a dor, movimentos circulares e respirar. Parece tão poético quando a gente escreve assim, mas a verdade é que eu me sentia possuída, ofegante e rouca, tocando meu limite com a ponta dos dedos a cada contração e parecia que os intervalos já não existiam mais!
Pedi que perguntasse onde estava minha obstetriz e assim que ele levantou, eu apoiei as mãos na maca. Ao mesmo tempo em que ele saiu, senti passos apressados entrando e falei que parecia que minha bebê estava chegando. A obstetriz pediu um lençol para colocar no chão e disse que ia ver como estava minha dilatação. Colocou as luvas e no mesmo instante, senti a necessidade de fazer força. Em um grito animalesco, senti como vinha ao mundo minha pequena. Meu marido, ao lado da obstetriz, a viu primeiro. Ali, dentro da bolsa ainda íntegra, sem se desligar totalmente do útero, pude ver como ela decidia chegar a este mundo. Num giro, a bolsa estourou e pudemos vê-la em toda sua beleza.
Por entre minhas pernas, a obstetriz passou a pequena para meus braços enquanto a enfermeira abaixava a maca onde eu estive me apoiando, sentia braços me direcionando e me auxiliando a subir ali. Deitei com a pequena no peito para amamentá-la e a obstetriz, acariciando a minha filha disse: “você nasceu livre, de uma mulher livre”.

Arquivo pessoal
Faltavam apenas alguns minutos para as 3 horas da manhã. Enquanto estávamos ali, namorando nossa filha sem interrupções, chegou minha médica e então cortamos o cordão, quando ele já não pulsava mais. Pude ver minha placenta, ainda que a clínica não permitisse que eu a levasse comigo. Minha pequena foi medida e pesada rapidamente junto ao meu marido enquanto a médica me massageava para ajudar a contração do útero.
O pediatra auscultou o coração dela, observou com carinho, falou suavemente conosco e disse que ela estava ótima e que passaria para nos ver no dia seguinte. Nesse ambiente cheio de respeito,eles nos levaram para o quarto, de onde não fomos mais separadas até nossa alta.
Foi uma catarse, uma sensação única de poder. Sei que tive uma dose de sorte de não ter precisado de nenhuma intervenção e que somente pela pesquisa que eu fiz, consegui encontrar minha equipe realmente humanizada com tanta facilidade. Desde o parto do meu primeiro filho, busquei me rodear de mulheres que me apoiassem na maternidade.
Mas desde o nascimento de minha pequena, eu me esforcei mais em ser rede de apoio para outras mulheres que buscam informação para um parto respeitado. E você, é rede de apoio para alguém?
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1 Comentário
Olá. Como vai?
Me chamo Júlia Martin, moro atualmente em São Paulo, no Brasil, mas meu marido está sendo transferido para Santiago e por isso devemos nos mudar no próximo mês.
Estou com 24 semanas de gravidez e tinha tudo organizado aqui no Brasil para um parto humanizado no hospital.
Agora não sei bem por onde começar no Chile, por isso peço seu apoio com informações.
Não abro mão de ter um parto humanizado, mas tenho preferência pelo ambiente hospitalar. Você sabe me dizer a média de preços para um procedimento assim em Santiago? Quais hospitais são referências em parto humanizado? Onde encontro profissionais como uma obstetra, doula e fisioterapia pélvica?
Desculpe tantas perguntas, mas estou bastante perdida ainda hehe
Desde já agradeço sua atenção.
Beijos