“Olha o pão quentinho, olha o pão quentinho…” Quando você fecha os olhos e se imagina escutando essa frase, situa-se em alguns lugares: numa simpática rua com vendedores locais, numa feirinha artesanal ou mesmo em uma padaria acalentada pelo cheiro do trigo no forno. Jamais, todavia, imaginei-me escutando essa gastronômica frase dentro de uma sala de parto. E, para a minha surpresa, essa foi apenas uma das coisas bizarras que aconteceram durante a incrível experiência de dar à luz em Israel.
Israel possui um sistema público de saúde digno de muitos elogios: paga-se uma mensalidade quase que irrisória para o acesso a médicos, exames e hospitais, todos de excelente qualidade. Algumas empresas operam esse sistema como se fossem diferentes planos de saúde – daí decorrem algumas variações de benefícios e valores, mas a essência, de oferecer acesso irrestrito ao atendimento de saúde por um preço insignificante, é igual em todas as operadoras.
O parto é um dos assuntos que, independente do plano de saúde, é democrático: não importa, inclusive, quanto dinheiro se tenha, não há serviço de parto particular (em hospital). Qualquer cidadã israelense tem o direito de dar à luz no hospital de sua escolha sem custo algum. O parto é sempre gratuito, na maioria das vezes normal (a cesárea ocorre apenas emergencialmente ou em casos de risco) e 100% das vezes curioso (ao menos aos olhos de uma imigrante que ainda acha graça no modo grosso-fofo com que os israelenses se tratam).
Chegada à maternidade
Cheguei na maternidade com a bolsa estourada, mas sem contrações. Traduzindo para os homens: ainda de bom humor. Então, ainda feliz e de bem com a vida, comecei a achar graça em tudo aquilo que parecia de tudo, menos uma maternidade. A sala de espera anterior à sala de parto era um corredor com aproximadamente dez mulheres, que mais pareciam estar numa aula daquelas de queimar 1.000 calorias na academia: todas equipadas com o seu kit bola de pilates + avental + marido israelense que sabe se impor e berrar para que a esposa seja abençoada com uma epidural.
Como no meu caso o terceiro item era impossível, pois meu marido é brasileiro e acha que as coisas se resolvem sendo pedidas com jeitinho, restou-me ficar pulando na bola de pilates até a hora que o bom humor se esvaiu por completo e eu quase fiz um strike nas enfermeiras com a bola que me pertencia.
As enfermeiras com certeza fazem uma escala de “nível de Israel” no sangue das parturientes. Se você não está suficientemente nervosa e impaciente, ainda não tem Israel no sangue e não merece um tratamento digno de quem está parindo. Assim, apenas quando viram que as veias do meu pescoço saltavam mais que a barriga de 38 semanas, concluíram que já seria um bom momento para trocar a minha bola de pilates por uma confortável cama de parto. Lá, depois de mais alguns berros e horas, finalmente me foi concedida a graça da epidural.
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Os partos em Israel, desde que a gestação não apresente riscos, são conduzidos por parteiras e não médicos. Ao passo que em muitos hospitais no Brasil cada parto conta com mais de três médicos, em Israel cada parteira que é responsável por três partos. Isso significa que até chegar em nove dedos de dilatação a parturiente é deixada sozinha entre checagens pontuais, esperando a sua vez no revezamento.
Se uma mãe de primeira viagem já é naturalmente assustada, imagine em outro idioma. Eu e meu marido nos olhamos algumas vezes: “cadê o nosso diploma de medicina em hebraico para sabermos se já estou com nove dedos de dilatação?” / “era para estar com dor agora?” / “e se a nossa filha nascer e não tiver ninguém aqui?”, nos perguntávamos sem saber se era para rir ou chorar de desespero.
Resolvemos chamar a parteira, que não apareceu rapidamente, pois, como dito, cuidava ao mesmo tempo de outros partos. Chamamos de novo. Nada. E mais uma vez.
“O que é menina?”, disse a parteira entrando no quarto. “Você já chamou três vezes, parece até que está tendo um filho…”.
Então, ao verificar que eu já tinha condições de começar o trabalho de parto, ela colocou suas luvas e preparou os assistentes que a ajudariam a trazer tranquilamente uma pessoa ao mundo.
A incrível experiência de dar à luz em Israel
Assistente #1: a balança. Ela serve para pesar o recém-nascido e é o primeiro instrumento de trabalho. Mas, antes de receber o bebê, ela é usada como uma mesinha auxiliar para a parteira, que despeja ali todos os formulários, luvas e outros objetos que estiverem com ela. Engana-se quem pensa que após tudo isso há algum processo de esterilização antes de receber o serzinho que poucos segundos antes estava no útero limpinho da mãe. Entre sentimentos de profunda alegria e emoção por estar dando à luz, eu era assaltada por surtos de nojinhos desesperadores ao imaginar a sujeira que estava naquela balança esperando minha filha.

Foto: arquivo pessoal
Assistente #2: os familiares. No meu caso, marido e irmão, que também não passaram por nenhum processo de higienização (nem lavar as mãos? Não, nem isso, para o horror da Sra. nojinho de germes que aqui escreve). Eles serviram como apoio de pernas anestesiadas, fotógtrafo e segurador de prato para o despejo da placenta.
Assistente #3: a trilha sonora. As maternidades israelenses deram um jeito de inibir os berros de dor de uma mãe para não assustar as demais: permitiram que vendedores de bagels entrassem na ala de partos para anunciar a venda do pão quentinho.
“Empurra, força, respira, olha o pão quentinho. Empurra, força, respira, olha o pão quentinho”, é o que se escuta, de uma forma tão inesperadamente bizarra que, quando percebe-se que é real e possível que haja um vendedor de bagel na porta de uma sala de parto, você entende que nada mais pode ser impossível. Deve ser uma técnica para incentivar as mulheres no parto, só pode…
Parto em Israel: humano, emocionante, natural e aconchegante
Mas se havia muitos medos de que germes contaminassem a minha (ainda nem nascida e intocável) filha, a finalização do parto, de forma absolutamente humana, ilustra como é a vida em Israel: “Venha, coloque a sua mão e sinta a sua filha saindo de você, receba-a neste mundo com seu marido cortando o cordão umbilical”.
Tudo em Israel parece ser assim: imensamente mais árduo e sofrido, mas de um jeito que o esforço faz valer a pena cada minuto. Humano, emocionante, natural e aconchegante. Aqui não há mordomia, quando muito há ajuda. Em absolutamente todas as ocasiões devemos colocar a mão na massa se quisermos ver acontecer – exatamente como foi o parto. Mas depois, com o resultado nas mãos e o sentimento de conquista e realização no coração, entendemos o quão engrandecedora e especial é essa experiência de ser ativa e participante. Até no próprio parto – desde a necessidade dos berros por anestesia até a efetiva condução do bebê ao mundo. É maravilhoso. Tão acalentador quanto um pão quentinho…
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