A rede de apoio que me falta
Nos últimos anos, tem se falado muito de rede de apoio. O termo não existia na época da minha infância, quando minha mãe era a responsável por três crianças em São Paulo, distante de toda a sua família. Mas a rede estava lá. Ainda que pequena, existia.
Lembro que uma vizinha revezava com ela a ida e vinda da escola. Minha mãe olhava a filha de outra vizinha quando esta precisava sair, e até eu o fazia quando tinha uns 12 anos.
Na era do telefone fixo, em que celular era raro e caro, quando não havia brinquedotecas ou lugares para deixar as crianças numa emergência, contar com a ajuda dos da vizinhança era fundamental. Sinto que essa geração tinha mais facilidade para conhecer e se comunicar com o entorno, algo que eu, por exemplo, tenho mais dificuldade.
Rede de apoio familiar
No interior, de onde vem minha família era mais fácil. Sempre tinha um bebê ou criança pequena no clã. E sempre tinha minha avó e tias para cuidarem quando a mãe precisava sair. Ou, quando o bebê acabava de nascer, tinha a sopa que ia para a casa da recém-parida, as frutas. Era possível alguém fazer as compras de mercado, se necessário, ou a comida quando a correria não deixa o tempo para a preparação.
Mais do que isso: toda tarde minha avó prepara o café e o alpendre da sua casa é o ponto de encontro das irmãs (ela teve 5 filhas). Era a mãe com o bebê chegar que a disputa para quem ia pegar no colo começava, e ela conseguia um momento de “uma folga”. As crianças maiores brincavam umas com as outras enquanto as mulheres conversavam.
Não existia ficar trancada em casa com bebê, o filho mais velho sozinha, tendo que se virar e dar conta de tudo o tempo todo. Claro que nunca foi fácil. Mas acredito que só o fato de poder entregar o bebê por alguns minutos a outros, conversar e tomar um café gostoso dava uma aliviada. Eu sinto uma falta enorme de fazer isso.
H. Stephen Glenn, no prologo do livro de Jane Nelsen,“Disciplina Positiva” (Ed. Manole), fala sobre a transformação e o isolamento que se criou com a migração para a cidade no modo de criação dos filhos.
[…] No final da Segunda Guerra Mundial, ocorreu um movimento de migração em massa de pequenas cidades e comunidades agrícolas para centros urbanos e suburbanos. […] A sabedoria e o apoio de parentes e amigos de longa data se perderam […] Em vez de seguir a sabedoria das gerações que haviam aprendido umas com as outras, eles (casais com filhos) se isolaram.”
Leia também: Ter uma rede de apoio é fundamental
Em uma conversa com a minha avó, que ilustra muito bem isso, ela me contou que sua filha mais velha, quando nasceu, chorava muito e não aceitava ficar na cama para que ela pudesse fazer seu trabalho. Então no meio da tarde, as vizinhas que já haviam terminado seus afazeres domésticos passavam na casa dela e pegavam a bebê para que a minha avó pudesse fazer o serviço.
Era a solidariedade da vila. Mas nossa sociedade mudou, criou muros, migrou.
E cá estou eu, em outro país, com uma bebê e sem conhecer quase ninguém. Eu nunca me senti super à vontade para pedir ajuda mesmo aos familiares do meu marido que moram na mesma cidade. Eles estão sempre ocupados, com tantos afazeres que me sinto atrapalhando, afinal um bebê demanda muita atenção e energia. Agora que começo a me abrir mais para essa possibilidade, vendo que minha filha é mais independente.
Não é fácil criar um bebê a apenas 4 mãos. Numa cultura diferente. Grávida do segundo, procuramos por outras soluções, que demoraram a aparecer como opções justamente por essa visão tradicional do apoio da família. Vamos partir para serviços pagos como a assistente maternal, além da creche (garderie).
Você pode ler mais sobre essas opções nestes dois textos: Assistente maternal na França: como contratar uma e Creches francesas: adaptação e diferenças
Existem grupos de apoio a pais e troca de experiências. Quando minha bebê nasceu, eu não falava bem o francês ainda e não gostava de falar em francês com as pessoas. Por isso, não procurei esses grupos. A enfermeira que me acompanhou no primeiro mês, me indicou um. Mas a vergonha e o cansaço foram maiores. Além disso, a gente ainda luta internamente contra aquela ideia de que temos que dar conta de tudo e que pedir ajuda é um atestado de fracasso.
Para as conversas, desabafos e reclamações, tenho uma rede de apoio virtual que criei para sobreviver ao primeiro ano da minha filha, experiência que contarei num próximo texto.
No mais, a gente vai dando jeitinho. Encontrando caminhos, desconstruindo e reconstruindo. Mas o café da tarde no alpendre no interior não tem como substituir. Esse faz a maior falta. É aquele apoio que não só alivia o peso da maternidade como também aquece o coração.
7 Comentários
Oi, Mariana, amei seu texto, muito obrigada por compartilhar! Calou muito fundo em mim, que também me vi assim, como você, tendo uma filha no Canadá e sem família por perto. Também porque percebi seu apreço por sua avó. A minha era meu Norte, meu tudo. Morreu exatamente um mês antes de eu ter filho. Vou seguir seu blog, adorei mesmo. Força aí, a coisa melhora, você vai ver! E boa sorte com o segundo!
Oi Mariana,
Adorei o seu texto. É verdade! A rede de apoio é algo que não tive por aqui… Mesmo tendo amigos e cunhadas relativamente perto, a rotina e o costume das pessoas é diferente. Tive minha mãe apenas nos 2 primeiros meses da minha filha. Graças a Deus meu marido pode trabalhar em casa, então ele foi minha salvação. Mesmo assim, aquela vontade de ter minha mãe por perto para ajudar ou pelo menos segurar minha filha enquanto eu tomava um café, nunca tive. Interessante que quando fui ao Brasil com minha filha pequenininha, também não tive muito apoio das pessoas não… Não fui esperando ninguém ser babá da minha filha, mas no final acabei cuidando de 3. kkkk Mas tudo bem! Agora, com ela maior, eu voltarei para passearmos e já tenho amigas com filhos maiores também, assim poderemos combinar algo pelo menos para eu poder ir ao cabelereiro que mais amo lá. Enfim, seu texto tem tudo a ver com a realidade de muitas mães que conheço. Ontem mesmo eu disse a uma amiga que um dia olharemos para trás e teremos orgulho dessa nossa trajetória, pois ela nos faz mais forte. Obrigada por compartilhar as suas experiências. Abraços e tudo de bom aí.
Infelizmente é muito mais comum do que deveria. Eu percebo que mães que têm apoio conseguem levar com um pouco mais de leveza. Essas coisas de poder ir ao salão, passar um tempo livre fazem muita diferença. Mas a gente vai fazendo como pode e da. Força para você! beijos
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