A importância dos cursos pré-natais para brasileiras na Inglaterra
Quando engravidei na Inglaterra, em 2016, a midwife (parteira) me apresentou a oportunidade de fazer o curso pré-natal gratuito no hospital onde a Clara nasceria. Nunca havia falado de cursos pré-natais, pois no Brasil eles não são comuns, exceto para aqueles envolvidos no movimento do humanização do parto.
Esses cursos têm dois grandes propósitos: informar a mulher ou o casal sobre a fisiologia do parto, amamentação e cuidados com o bebê; e incentivar o contato entre as mães para que elas possam criar uma rede de apoio materna. Eu fiz o curso do governo e, seguindo o conselho de amigos locais, fizemos também o do NCT (National Childbirth Trust), este último pago. O curso do governo durou dois dias, um para o parto e outro para amamentação. O do NCT durou três dias, com a mesma agenda, porém com um dia extra cobrindo cuidados básicos com o bebê.
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Achei os cursos de extrema importância para mim, tanto pelas informações quanto pelas redes de apoio que formei. A vida diária de um expatriado é recheada de choques culturais, alguns engraçados, outros bastante estressantes. Como mulher e mãe expatriada, que já passou por uma gravidez e um parto fora do Brasil, acredito que as mulheres e casais que têm seus filhos fora do Brasil precisam tomar muito cuidado para que o choque cultural não afete negativamente suas gestações e partos. E porque eu falo isso? Porque é inegável que o cenário obstétrico brasileiro é muito diferente daquele da Inglaterra e outros países desenvolvidos.
O cenário obstétrico brasileiro
O Brasil é um dos países com o maior índice de cesarianas no mundo. Enquanto a Organização Mundial de Saúde recomenda uma taxa de 15% de partos cirúrgicos o Brasil possui um índice de 44%, sendo que na rede particular esse número ultrapassa os 80%. Os motivos para essas taxas são muitos, que incluem problemas institucionais e culturais o que é tão complexo que merece um artigo só para esse assunto.
Ao mesmo tempo, vários mitos cercando o parto normal também emergiram. Assim sendo, desde a década de 70 o parto normal vem se tornando uma raridade, e quando ele acontece, na maioria dos casos são marcados por um dos tipos de violência contra a mulher mais graves e menos discutidos que é a violência obstétrica.
A não ser que uma mulher seja envolvida com o movimento de humanização do parto, é dentro deste cenário de cesáreas desnecessárias e violência obstétrica que ela tem filhos. E como toda prática cria em torno de si uma cultura, a maior parte de nós internalizou essa cultura cesarista que, inconscientemente ou não, nós corremos o risco de carregar conosco quando nos mudamos para o exterior.
Quando morei na China, por exemplo, a maioria das minhas amigas eram europeias. Eu ficava horrorizada com aquelas histórias de trabalhos de parto de 30 horas, fórceps, horas fazendo força. Eu cresci ouvindo que parto não pode passar de 12 horas e vendo a maior parte da minha geração nascer por cesáreas, portanto, achava esse sistema europeu uma loucura.
Um novo olhar
Tendo como parâmetro o Brasil, às vezes é muito difícil para uma mulher aceitar o sistema obstétrico britânico. As diferenças são gritantes: por aqui uma mulher só vê um obstetra em caso de necessidade, pois o normal é ter seu pré-natal feito por midwives (parteiras); os partos são em geral normais e o índice de cesáreas gera em torno de 20%. É comum as mulheres terem trabalhos de parto considerados longos, de horas e até dias.
Antes de optar por uma cesárea, os médicos usam métodos menos invasivos, como induções e, caso o trabalho de parto já esteja avançado, instrumentos como fórceps ou ventosa. Tudo isso é quase inimaginável no sistema brasileiro, em especial na rede particular. Em geral, dá-se pouquíssimo espaço para o parto normal e no primeiro soluço (ou às vezes sem soluço algum) a cesárea é indicada. Já conheci muitas brasileiras e parentes de brasileiras que ficaram horrorizados com a forma como o parto é conduzido aqui devido a estas diferenças. Portanto, se a gestante não se informar, isso pode trazer um estresse desnecessário.
O curso pré-natal, seja do governo ou do NCT é um bom começo para começar a ver o parto normal de forma diferente. Saber que ele é o melhor e que entre o parto normal violento e a cesárea desnecessária, há a boa assistência obstétrica baseada em evidência científica e respeito.

Fonte: Arquivo pessoal
O mesmo vai para o parceiro(a) e familiares, em especial se eles estarão presentes no parto. As pessoas que cercam uma gestante durante seu trabalho de parto devem estar calmas justamente para poder oferecer apoio e segurança para aquela mulher. Se os acompanhantes chegam aqui com com a cultura obstétrica brasileira, as chances de que eles mesmos ficarão preocupados serão grandes e passarão isso para essa mulher que precisa de calma nesse momento tão intenso e delicado que é o trabalho de parto.
É preciso ressaltar que não estou dizendo que todo o parto na Inglaterra é respeitoso. Longe disso. Mas em geral, as práticas aqui são mais atualizadas e humanizadas. É claro que não basta se informar sobre fisiologia do parto. É preciso também procurar conhecer sobre os hospitais da região onde se mora e o mais importante: saber das experiências de outras mulheres. Se há muitos relatos negativos sobre um determinado hospital ou birth centre (casa de parto), muito provavelmente o seu atendimento lá será ruim também. Mas levando em conta um cenário normal, onde a equipe é atualizada e respeitosa, a mulher estar informada ajuda muito, principalmente quando ela está fora de seu país e/ou necessita de intervenções.
Rede de apoio
O outro grande motivo para fazer um curso pré-natal é a rede de apoio. Vivendo longe de nossas famílias, mesmo que nossas mães e outros familiares visitem, eles não estão conosco o tempo todo. A maternidade, em especial no início, vem permeada de dúvidas e muitas vezes solidão. Mesmo com amigos e familiares por perto, o apoio de alguém que está passando pela mesma situação que você é muito diferente pois são pessoas que estão “no mesmo barco” e isso alivia muito qualquer sensação de que só você está de cansada, ou com dificuldades para amamentar ou qualquer outra dificuldade que nós enfrentamos como mães de primeira viagem.
As mães que conheci nos cursos foram uma rede de apoio essencial. Tirávamos dúvidas, dividíamos momentos e histórias engraçadas, saíamos para tomar café ou almoçar. Hoje em dia, já com filhos maiores, as amigas do curso pré-natal viraram simplesmente amigas e agora as saídas para beber cerveja já são mais frequentes que encontros com filhos. É muito legal olhar para trás e ver que nós fizemos essa jornada juntas, apoiando umas às outras.
Baseado na minha experiência, o curso pré-natal foi um grande ganho. Aprendi muito e conheci pessoas maravilhosas. Mas mais do que isso, ao entrar no meu parto informada, eu me senti protagonista dele, mesmo tendo acabado em uma cesárea de emergência. Não existe protagonismo sem informação e para isso os cursos com certeza ajudam muito.