Geralmente escrevo textos compartilhando experiências pessoais, mas dessa vez quis experimentar um outro formato. Como terapeuta de família, pensei em trazer informações que possam ser úteis para as famílias mundo afora. O conceito de ciclo de vida das famílias é bastante usado na terapia de família. Carter e McGoldrick, duas autoras americanas que são referências no assunto, desenvolveram essa proposta no final dos anos 80. Elas descrevem os estágios naturais do ciclo de vida da típica família americana de classe média da seguinte forma:
- jovens adultos saindo de casa,
- o novo casal,
- família com filhos pequenos,
- famílias com filhos adolescentes,
- lançando os filhos e seguindo em frente, e
- família no estágio tardio.
Além dessas fases, as autoras incluíram o divórcio e o segundo casamento, cada vez mais frequentes na sociedade moderna.
Há muito material acadêmico disponível on-line sobre esse tema e se quiser conhecer mais acesse o site profissional, em inglês, da Monica McGoldrick
Premissas importantes para entender o funcionamento das famílias
- As famílias compreendem três ou quatro gerações
As famílias compreendem pelo menos três gerações: pais, filhos e seus avós. E a cada mudança de fase, todas as pessoas devem se acomodar simultaneamente às transições e novos papéis. Em outras palavras, quando nasce um bebê inaugurando a fase família com crianças pequenas, os membros do casal conjugal tornam-se pais, seus pais passam a ser avós, seus irmãos passam a ser tios. Há, portanto, uma reacomodação de papéis.
Leia também: Morar longe da família: como cuidar dos vínculos afetivos
- Os eventos esperados e os não previstos
Ao longo do tempo, durante o desenvolvimento da família, nós nos deparamos com os eventos que são esperados (aquelas seis fases descritas acima) e eventos que não foram previstos. Dentre esses, podemos citar o nascimento de uma criança doente, uma doença crônica na família, um acidente, uma morte prematura, pandemia, processo de migração, dentre outras. Todos eles, os esperados e os imprevistos, são desencadeadores de estresses e dificuldades.
- Estresse não é necessariamente algo negativo
Temos a tendência em considerar estresse como algo negativo. De fato, ele pode causar ansiedades, mas eventos positivos também geram estresse, no sentido de fortes emoções. Quem nunca ficou nervoso ou ansioso no primeiro dia de um emprego novo? Ou no dia do casamento ou até no nascimento dos filhos?
Morando na Itália percebi que os italianos usam a palavra emozionato (emocionado) para se referir ao estado de estar sob o efeito de fortes emoções, sejam elas positivas ou negativas. Quando estamos nessas condições agimos muito mais com o coração do que com a razão.
Clique aqui para ler mais sobre estresse positivo e negativo.
As mudanças de fase
Para que a família consiga passar para a fase seguinte do ciclo de vida, ela precisa lidar com os desafios da fase anterior. Poderíamos comparar com um videogame: você só muda de fase depois que cumprir todas as etapas da fase precedente. Mas, na vida real, não podemos afirmar que a cada fase o jogo fica mais difícil. Cuidado com as generalizações. Isso realmente depende das experiências de cada pessoa e de cada família.
A cada fase, lidamos com inúmeros desafios, e isso não é necessariamente ruim. Nós crescemos, amadurecemos e nos realizando quando ultrapassamos (superamos) os obstáculos que aparecem pelo nosso caminho. Desafio não é sinônimo de problema, mas exige esforço e empenho de todas as pessoas da família que deverão se organizar e se adaptar às novas funções.
Família inserida no contexto
As famílias devem ser consideradas no contexto (tempo e espaço) em que estão inseridas. Muita gente não sabe, mas a noção da infância foi uma invenção do século XVIII. Já o conceito de adolescência surgiu no século XIX. As fases de ninho vazio e da terceira idade também são muito recentes, desencadeadas pelo menor número de filhos e pelo aumento da expectativa de vida da população madura.
Quem acompanha sabe que no Mães Mundo Afora temos famílias espalhadas pelos vários continentes. Certamente o modelo de família na Itália não é o mesmo do Brasil, que não é o mesmo da Índia ou dos países africanos. Em cada país, as famílias têm as suas especificidades e por isso é tão importante considerar o contexto.
Vou explicar melhor como as autoras descreveram o ciclo de vidas das famílias americanas. Tal conceito é utilizado por terapeutas do mundo inteiro, mas sempre com adaptações. Os jovens americanos, italianos e alemães geralmente saem de casa para cursar a faculdade em outra cidade, mas, de acordo com a cultura de cada país, eles vão ser mais ou menos independentes das suas famílias.
Além dessas variações de intensidade de um comportamento, temos famílias com características muito diferentes, de acordo com a cultura do país em que estão inseridas. Em algumas culturas o esperado é que as quatro gerações morem na mesma casa, já em outras culturas o padrão esperado é o da família poligâmica. Há muitas variações.
Então, podemos dizer que cada cultura possui as suas características específicas mas, de uma forma geral, as famílias seguem aquelas seis fases. As adaptações no conceito do ciclo de vida da família serão sempre necessárias, seja no interior das famílias, a cada nova fase, ou na sociedade para incluirmos os diversos modelos de família. Neste link você encontra alguns modelos de família brasileira.
Conflitos e funcionamento das famílias
Da minha experiência como terapeuta de família gostaria de compartilhar duas considerações importantes com os leitores.
1 – Família saudável não é uma família sem conflitos. Família saudável é aquela que consegue solucioná-los, seja por conta própria ou com a ajuda de especialistas. Esse processo gera crescimento e amadurecimento dos seus membros e consequentemente leva ao fortalecimento dos vínculos afetivos.
Por outro lado, há famílias que insistem em viver em uma falsa harmonia. Elas evitam abordar temas que poderiam gerar conflitos e, assim, tornam-se cada vez mais distantes. Ou seja, com medo de assuntos difíceis, conversam cada vez menos. A famosa frase de autor desconhecido ilustra bem esse modelo: “o silêncio constrói muros e não pontes.”.
2- Cada família vai encontrar a sua forma de funcionar. Não existe um modelo infalível de funcionamento. O que serve para uma família, provavelmente não servirá para outras. Cada família é única, tem a sua história e carrega os seus valores. Não podemos olhar ou analisar as famílias por meio da nossa visão de mundo. Vale reforçar também que não existe uma visão correta de mundo.
No próximo texto vou apresentar os desafios e os impactos da migração nas diferentes fases do ciclo de vida e você é o meu convidado!
PS.: Vale lembrar que este é um texto informativo que visa apresentar aos leitores o conceito do ciclo de vida da família de uma forma breve. Este não é um espaço de formação de profissionais, nem de intervenção terapêutica.
4 Comentários
Carla, muito informativo o seu texto, acho que o que mais importante é que cada ser é único, assim como cada família e o mais importante é que consigam resolver os seus problemas sem ou com ajuda profissional, a conversa é extremamente importante!
Obrigada Tati! Sim! Não existe uma receita que sirva para todos.
cada família vai encontrar a sua forma de funcionar!
Adorei o texto Carla! Continue nos informando sobre o assunto que é de grande valia pra todos nós! Um beijo!
Obrigada Tati!