Meus sogros partiram ontem de volta para a casa deles, no Brasil, depois de 30 dias conosco na Austrália. Posso dizer, sem dúvida alguma, que foi o mês mais feliz para a nossa família desde que nos mudamos para cá, em fevereiro. Foi somente quando a casa ficou cheia que percebi, com clareza, o quanto a solidão vinha machucando ao longo do tempo.
Coincidência ou não, o sol voltou a dar as caras por aqui bem quando eles vieram, então tudo teve um impacto positivo no nosso astral. Foram dias de muitos passeios e de mostrar a cidade a eles. Vimos a Sydney Harbour Bridge (aquela ponte famosa que sempre aparece na TV), assistimos a um concerto de música clássica na Sydney Opera House, passeamos nos lindos parques, pegamos praia, comemos fish and chips (prato típico de peixe frito com batata frita), levamos a turma toda para ver cangurus e coalas. Podemos dizer que aproveitamos bastante.
Mas a maior alegria mesmo, para mim, estava longe dos pontos turísticos. Existe algo mágico quando estamos perto da família e que se manifesta naqueles momentos aparentemente banais do cotidiano, em que ficamos em casa jogando conversa fora ou tomamos um café na esquina.

Família reunida na Austrália
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Era gostoso perceber como as manias dos meus sogros iam se adaptando ao novo país. O queijo Minas, sempre presente nos lanches da tarde, logo virou a ricota australiana. Minha sogra passou a amar o café piccolo latte e a tomar uma xícara todos os dias, antes de buscarmos juntas meu filho na escola.
Todos os dias eles elogiavam o quanto a Austrália propicia qualidade de vida e segurança e eu preciso concordar com eles. Apesar de todas as dificuldades, é um país incrível para morar com crianças. A vida ao ar livre, o incentivo aos esportes, os milhares de parques bem cuidados. Foi graças à companhia deles que finalmente comecei a ver o copo meio cheio e não mais meio vazio.
Afeto de avós
Nem preciso dizer que eu não fui a única a me beneficiar da alegria trazida por eles. Acho que não há nada mais potente e precioso que amor dos avós. Nós estamos acostumados a ver nossos filhos experimentando este amor principalmente via Skype ou nas férias, então ficamos meio bobos ao ver as cenas cotidianas de carinho. Eu me emocionava constantemente ao observar a troca de afeto entre eles e os pequenos rituais que foram criados neste pequeno espaço de tempo.

Histórias com a vovó antes de dormir.
A avó fazia questão de cozinhar todos os dias para o neto: arroz, feijão preto, carninha moída, ovinho cozido. Aquela comida bem caseira, que eu tenho certeza que ela cozinhou muito para os filhos e que, agora, repetia com todo o amor do mundo para alimentar meu filhote. Sempre que o Filipe comia bem, o avô colocava moedas num cofrinho e batia palmas, dizendo que ele estava forte como o Maciste, um personagem do cinema italiano que foi popular na infância dele. Maciste era o homem mais forte do mundo! Lipe curtiu a referência e adorava mostrar o muque para o vovô.

Fortão para subir na árvore com o vovô!
Outro momento precioso era a hora do jornal, pois parecia que estávamos de volta ao Brasil. Sentávamos todos juntos e assistíamos ao Jornal Nacional do dia anterior. Eu ficava só um pouquinho e logo ia colocar o Lipe para dormir. Nesse processo prosaico de ver TV, no melhor estilo “A Grande Família”, uma coisa me chamou a atenção. Meu sogro gostava de ficar todos os dias no mesmo sofá – um móvel que, até a chegada dele, pensávamos em vender ou doar. De repente, aquele sofá desprezado ganhou vida. E não era só o vovô que gostava de ficar ali. Lipe passou a sentar-se ao lado do vô, numa espécie de ritualzinho dos dois. Várias vezes flagrei meu filho olhando para o meu sogro cheio de admiração no sofá que passou a ser deles: era onde eles liam juntos e onde viam desenhos em inglês, que o vovô não entendia nada mas que o Lipe “ensinava” para ele.

Lipe e vovô no sofá que virou xodó.
Chegadas e partidas
De repente, essa mesma casa cheia de vida ficou vazia de novo. Era a hora da despedida. Nosso coração ficou pequenininho e procuramos deixar o Filipe ciente de que vovô e vovó iriam embora. Acho que mencionei a proximidade da viagem, bem por alto, quando faltava uma semana.
Na véspera, paramos com mais calma para conversar com ele e explicar exatamente o que iria acontecer. Dissemos que eles iriam pegar o avião para voltar ao Brasil. Ele perguntou apenas: “mas por que eles precisam voltar?”. Respondi que lá era a casa deles. Lipe logo mudou de assunto e não fez novas perguntas.
No dia seguinte, quando ele acordou, vovô e vovó não estavam mais conosco. Ele perguntou por eles e eu disse que já estavam no avião. Silêncio. Meus olhos se encheram de lágrimas e, em vez de esconder, eu falei pra ele que eu e o pai dele estávamos tristes e com saudades. Perguntei se ele sabia o que era saudade, e ele disse: “é quando alguém vai embora”.
Aos três anos e meio, penso que ele já entendeu este sentimento. A resposta dele, tão inocente, me fez cair no choro. Sim, filho, saudade é quando alguém vai embora. Todos estamos um pouco tristes, mas vai ficar tudo bem. Amanhã falaremos com eles pelo computador. Vem cá e me dá um abraço. A vida seguiu, apesar do coração apertado.
O mais difícil, nessas despedidas, é olhar a casa e as dinâmicas do mesmo jeito, porque tudo está diferente, tudo foi transformado pela passagem daquelas pessoas que amamos. Então o sofá sem graça passa a ser o sofá do vovô. A hora do café passa a lembrar nossos pais. O cantinho da casa em que os avós liam com as crianças ganha outro colorido. Tudo fica cheio de memórias e de alguma melancolia.
Se nós, adultos, sentimos tudo isso, com certeza o mesmo acontece com as crianças. Talvez com menos consciência quanto menor a idade, mas o sentimento está ali e é muito importante conversar e acolher. Explicar o que vai acontecer, falar sobre os sentimentos, mesmo que pareça abstrato. Não deixe de fazer isso, porque penso que o não-dito pode dar uma sensação de desamparo muito grande. Pode ser interessante, durante a conversa, lembrar das pessoas queridas que já tivemos de deixar para trás, mas que continuam na nossa vida. O amiguinho de outro país, os primos e assim vai. Reforçar que o amor vai sempre além das fronteiras físicas.
Retomando a rotina
Nosso ninho está vazio, mas procuramos manter algumas dinâmicas iniciadas pelos avós, como forma de suavizar o baque da partida. Uma delas é o ritual de colocar moedas no cofre sempre que o Lipe come tudo.

O cofrinho virou personagem central da casa 🙂
Meus sogros já chegaram ao Brasil e voltamos à dinâmica do Skype. Toda manhã damos um alô e agora eles têm muito mais assuntos para conversar com o neto, já que sabem o nome dos coleguinhas da escola, dos parquinhos preferidos, dos brinquedos inseparáveis.
Seguimos alimentando a alma com a ajuda da tecnologia, e assim vamos até a próxima visita, quando a casa voltará a ficar com aquele tumulto gostoso. Ah, como eu gosto de casa cheia! Para a minha sorte, minha mãe chega em breve. E aí começaremos tudo de novo.
7 Comentários
Texto lindo! Chorei.
Obrigada, Geisa!<3
Até chorei quando li esse texto, lindo!
Obrigada, Maria de Jesus! Que bom que você gostou do texto 🙂 Continue nos visitando aqui no Brasileirinhos pelo Mundo!
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