Eu sou carioca da gema (e da clara também), e meu marido é alemão de Berlim. Ambos de cidades grandes, porém de contextos tão distintos. Ele, homem europeu; eu, mulher latina. Um relacionamento intercultural tem os mesmos desafios de um relacionamento entre pessoas da mesma nacionalidade, exceto pelo… país. Bom, e o que é o país de origem, né? Estamos falando de cultura, língua, folclore, crenças, hábitos, experiências…
Estar em uma relação com alguém de outra origem requer estudo – além de paciência – e, claro, estar aberto para aprender o tempo todo. Aqui vou abordar três questões que acredito serem mais importantes quando falamos de um relacionamento entre duas nacionalidades: a língua e a cultura, os filhos e sua criação e educação, e a troca e os ganhos para todos.
A língua e a cultura
O português dele não é excelente, e nem o meu alemão, então a nossa língua de comunicação é o inglês, no qual ambos somos fluentes. É nessa língua que encontramos o nosso denominador comum. Mas não pense que seja fácil! Em certos momentos eu quero mesmo é falar português e garanto que ele também tem lá os seus instantes em que gostaria de falar sua língua materna. Nós dois estamos continuamente traduzindo sentimentos, emoções, palavras, e toda tradução perde sempre algum valor da frase original. E eu, com lua em virgem, faço questão de entender cada vírgula. Haja diálogo! Risos.
No Brasil temos a cultura de três refeições diárias. Na Alemanha é um café da manhã, um lanche e então uma comida “quente” na janta, ou uma comida “quente” no almoço e no jantar um pão, o famoso “Abendbrot”, que pra mim é um café da manhã à noite. Ele diz que tenho fome o tempo todo e que não é preciso duas refeições quentes por dia, uma basta. Pra mim salsicha não é uma refeição. A nossa solução é eu ter sempre meu lanche comigo pra evitar o mau humor causado pela fome, já que ele não come tanto como eu.
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Temos que ser flexíveis e nos adaptarmos constantemente para seguirmos adiante juntos. Quando a gente anda nas ruas, eu ando sempre preocupada se alguém vai levar a minha bolsa, de olho se alguém está nos seguindo. Ele não entende essa ansiedade gerada pelo medo de ser uma mulher que cresceu no Rio. Essas diferenças são fáceis de resolver, mas até a gente entender qual era o problema, demorou um pouco.
O povo latino tem o estereótipo de que é mais caliente e o europeu, por sua vez, mais frio. Nós nos encaixamos nesse estereótipo, mas meu marido mudou muito desde que nos conhecemos. Lembro que uma vez, bem no início da nossa relação, eu fui abraçá-lo repentinamente e ele levou um susto, como se eu fosse bater nele ou algo assim. Até hoje a gente acha graça disso, mas com a diferença de que agora ambos tomam a iniciativa pra um abraço surpresa.
Por sorte nossos feriados são bem similares e a gente comemora de uma forma bem parecida, mas sempre temos que fazer um ajuste aqui e outro ali para que os dois se sintam representados. A mesma coisa na criação da nossa pequena.
Filhos e criação
Nossas diferenças ficaram um pouco mais agudas quando a nossa filha chegou. O jeito brasileiro de criar e educar crianças é bem diferente do jeito europeu. Em algumas vezes tivemos desencontros sérios sobre esse tema, porém por eu ser educadora com experiência internacional consegui gerenciar isso de uma forma positiva. Hoje nós dois lemos e nos informamos, e através da nossa perspectiva, com a nossa história de vida, escolhemos juntos o melhor caminho para nossa filha.
Em todo e qualquer relacionamento haverá diferenças de opiniões, experiências e também de desejos. O que nos ajuda é estar sempre abertos a entender a história do outro e ouvir de mente aberta o que o outro tem a dizer. No Brasil é de praxe furar as orelhas das meninas assim que nascem. Meu marido sempre questionou isso, e quando ele me explicou a perspectiva dele, de que ela deveria escolher se gostaria ou não de usar brincos, eu entendi e concordei. Acima de tudo tem que ter respeito pelo que o outro tem a dizer, mesmo que a gente não concorde.
Nosso debate agora é sobre a língua da casa. Quero muito que a nossa filha fale português, porém só eu falando acho difícil, ainda mais porque ela vai frequentar uma escola alemã e em casa nossa a língua é o inglês. Por fim, acho que com a língua portuguesa sendo falada em casa todos saem ganhando: meu marido pratica e a pequena aprende. Chegamos à conclusão que é ideal que a gente se esforce pra falar português.
Trocas e ganhos
E é sob essa perspectiva que gosto de ver o relacionamento entre duas culturas tão distintas: todos saem ganhando. A diversidade faz com que a gente se questione sobre as nossas crenças e sobre coisas que estão tão arraigadas na nossa cultura, mas que nem sempre tem que ser daquela forma. O outro jeito não está errado, é apenas diferente. E é na diferença que a gente cresce, que a gente aprende que pode ser feito de outra forma e que funciona também. É assim que a gente abre outros caminhos e possibilidades na nossa vida.
É nessa troca de experiências, de cultura e de história que todos saem ganhando. Tanto nós como casal, quanto a nossa filha e, claro, a nossa família. Quem diria ouvir das nossas mães o desejo de aprender uma nova língua pra poder participar ainda mais das nossas vidas! Desafios? Muitos! Mas sem desafios a vida fica tediosa e a gente gosta é de emoção. Na nossa mistura alerioca a gente tem muitas diferenças, mas também temos muito amor.
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