Hoje o Mães Mundo Afora apresenta uma entrevista com a pediatra brasileira, mãe de dois filhos, Lidia Araújo. Em função da profissão do marido, que é diplomata, Lidia já morou em diferentes países. Atualmente mora em Luanda, Angola, mas já está de malas prontas para retornar ao Brasil. Nessa entrevista ela conta um pouco sobre a adaptação familiar em diferentes países e sobre o trabalho voluntário que realizou em um hospital público de Angola.
Mães Mundo Afora: Gostaria que você falasse um pouco sobre o seu trabalho no Brasil.
Lidia: Sou pediatra concursada do Hospital Universitário de Brasília. Trabalho no ambulatório de Pediatria, atendendo pacientes e supervisionando internos e residentes.
Você já morou em diferentes países em função da profissão do seu marido. Quais foram os países? Como fica a sua vida profissional quando você se muda?
Morei no Peru, Estados Unidos, Canadá e Angola. Quando me mudo para outros países, normalmente é difícil exercer a Medicina, pois costumam exigir a revalidação do diploma, que é um processo longo e burocrático.
No Peru, atuei como pediatra em uma clínica durante um ano. No Canadá, fiz um estágio em um hospital pediátrico de Ottawa. No momento, após 8 meses, estou encerrando a minha atuação no trabalho voluntário como pediatra num hospital público de Luanda, Angola, pois estou voltando para o Brasil com a minha família.
Você tem uma casal de filhos adolescentes. Como eles encaram as diferentes mudanças de país?
Quando me mudei para o Peru, ainda não tinha filhos. O meu filho mais velho nasceu lá. A nossa segunda mudança foi para os Estados Unidos. O meu filho ainda era pequeno e a minha filha nasceu durante o período que moramos lá (embora tenha nascido no Brasil). Depois dessas duas experiências, nós voltamos para o Brasil, onde moramos por seis anos. A primeira mudança com as crianças já maiores foi para o Canadá. Na época os meus filhos tinham 9 e 11 anos.
Como foi adaptação das crianças no Canadá?
Quando chegaram no Canadá já falavam inglês com fluência e isso ajudou muito na adaptação. Eles rapidamente se integraram ao ambiente escolar e foram muito bem recebidos. Os canadenses acolhem muito bem as crianças que vem de fora, na minha opinião. Foram para a escola pública do bairro. Escolhemos o bairro onde iríamos morar em função da escola que queríamos, pois é necessário morar na região para ter direto à escola. Em Ottawa, há 4 sistemas públicos de ensino: francês laico, francês católico, inglês laico e inglês católico. Eles foram para uma escola católica em inglês, mas tinham metade das aulas em francês.
E como foi a sua adaptação?
Adorei o período que vivemos no Canadá, apesar do inverno rigoroso. Já falava inglês quando cheguei e aproveitei o meu tempo para aperfeiçoar o francês. Também participei como voluntária em algumas atividades na escola das crianças. É um país fácil de se adaptar, a cidade é muito segura e as crianças têm muito mais liberdade do que nos outros lugares em que morei. É comum ver crianças de 6, 7 anos voltando sozinhas da escola. No Canadá, impressiona o espírito de comunidade. As pessoas se unem para buscar soluções para problemas do bairro ou da escola. Por exemplo, era necessário reformar a biblioteca da escola. Os pais se uniram e cada um ajudou como pode: um que era arquiteto planejou a reforma, outro que era pintor ajudou a pintar e assim por diante.
Queria que você contasse um pouco sobre a mudança para Angola. Como foi o processo de mudança?
Nos mudamos para Angola em dezembro de 2018, após três anos em Ottawa. Foi uma grande mudança. Me preparei muito para essa nova experiência, mas foi um choque conhecer a realidade da África subsaariana ao vivo. Luanda é uma cidade que cresceu e se modernizou muito nos últimos anos, graças à renda que Angola obtém com a exploração do petróleo. Mas infelizmente ainda há muita desigualdade social. A baixa do preço do petróleo nos últimos anos levou a uma crise econômica grave. O desemprego em Luanda é altíssimo.
Como foi a adaptação de vocês?
A adaptação não foi fácil, pois sair do Canadá para Angola é uma mudança de realidade muito grande e as crianças sofreram muito no começo. Eles sentiam muitas saudades dos amigos que fizeram no Canadá. Aos poucos, fomos nos adaptando e vendo as cosias boas que o lugar oferecia, como a possibilidade de falarmos a língua portuguesa e compartilharmos elementos culturais semelhantes. Os angolanos, apesar das dificuldades, são um povo muito amável e simpático. Eles têm um carinho especial por nós brasileiros.
Como surgiu a ideia de trabalhar como pediatra voluntária?
Um dos motivos de termos escolhido Angola como posto foi justamente a possiblidade de eu poder trabalhar como médica. Dei entrada no processo de revalidação de diploma e pude atuar com um registro temporário. Optei por atuar em um trabalho voluntário em um hospital público, o Hospital da Divina Providência, que atende a população menos favorecida. Minha motivação de trabalhar como médica pediatra em Angola sempre foi voltada para o trabalho voluntário. Apesar de ter recebido convites para atuar na Medicina privada, optei por permanecer apenas no Hospital da Divina Providência.

Arquivo pessoal da Lidia
Equipe médica
Como foi a chegada e a adaptação no Hospital da Divina Providência?
Fui muito bem recebida pelos colegas do hospital. Como Angola está ainda se reestruturando após o fim da longa guerra civil, não há muitas vagas de especialização para os médicos lá. Muitos fazem residência no Brasil, especialmente no IMIP (Instituto de Medicina Integral Professor Fernando Figueira) de Recife. Eu trabalhava na Emergência e na Enfermaria de Pediatria, com os pacientes já internados. As condutas médicas eram sempre muito similares às que eu aprendi no Brasil, exceto o nome comercial de alguns medicamentos, que em grande medida eram importados da Europa e da Índia.
O que você aprendeu com essa experiência que vai levar para a sua vida?
O trabalho voluntário foi uma experiência transformadora, pois aprendi muito mais do que ensinei. Aprendi a tratar enfermidades que no Brasil não vemos tanto, como malária. Vivenciei a realidade da saúde pública em Angola. O hospital onde eu trabalhava possui uma parceria com a Igreja Católica e com a Embaixada da Itália, então a estrutura era razoável, recebíamos apoio e doações dessas e outras instituições. O hospital é referência em Luanda para tratamento de desnutrição e infecção por HIV. Os medicamentos anti-HIV são doados pela governo dos Estados Unidos através do PEPFAR (President’s Emergency Plan for AIDS Relief), que é uma iniciativa da Casa Branca para mitigar o afeito da infecção por HIV na África subsaariana. Enfim, apesar das difíceis condições sócioeconômicas da população, acredito que o atendimento prestado no hospital era muito bom, tanto pela excelência do corpo clínico como pela disponibilidade dessas doações.
Você e sua família estão mudando de volta para o Brasil. Como você avalia esse tempo que passaram em Angola?
Esse período de um ano de dois meses em que moramos em Angola foi uma experiência de vida muito valiosa, inclusive para os meus filhos. Eles puderam ampliar muito a visão que tinham do mundo ao vivenciar uma realidade oposta à que eles estavam acostumados em Ottawa, no Canadá.