Em fevereiro de 2019, fui abordada por uma repórter do Jornal Metro – filiado à Band (rede brasileira de jornalismo e entretenimento) – para uma entrevista sobre a educação domiciliar (Homeschooling), que pratico aqui nos Estados Unidos.
Como já mencionei em outros textos (se você perdeu, leia aqui), na atualidade do nosso trabalho, diria que Isadora e eu estamos em transição para uma nova etapa; ou seja, para o modo de educação extremamente desafiador que é o Unschooling (educação autodirigida).
Confesso que é essa característica de desafio o que torna o Unschooling extremamente mágico para mim. Eu sou daquelas pessoas exploradoras que acreditam em tesouros escondidos e amaria me juntar a um grupo para correr o mundo e desenterrá-los, sabem como é?
Mas confesso também que nunca imaginei que aqui, nos Estados Unidos, eu viria a ser a provedora direta da educação da minha filha. Afinal, jamais me colocaria por livre e espontânea vontade nessa posição devido à minha absoluta ignorância em relação ao modo de funcionamento de um sistema educacional em que existem opções a serem feitas entre educação e escolarização.
As inseguranças nesse processo, minha gente, são muitas. Mas a liberdade e fé numa vida livre de abusos acadêmicos sutis e diários são sentimentos maiores, que encobrem qualquer medozinho comum, tais como o medo da Isa não pertencer ao ambiente em que vive, o medo dela ficar estranha demais e não encontrar sua tampinha da panela…
Quando surgem esses medos, procuro me concentrar no que sei que dá certo, pois é o primeiro mandamento do Unschooling: a absoluta confiança na sua cria.
No entanto, no período da mencionada entrevista com a Natália Moura da Band de Brasília, nosso trabalho estava nesse estágio que descrevo a seguir. Espero que a entrevista lhes seja esclarecedora.
Boa leitura!
Entrevista na Íntegra
Como funciona o Homeschooling no EUA?
Homeschooling é a prática familiar ou não-escolar de educação dos filhos. Nos EUA como um todo, o governo se apropria, por lei, da educação das crianças (Sistema Americano de Ensino Público). Porém, existe também garantido por lei o Homeschooling nos 50 estados americanos. Existem várias modalidades de Homeschooling: o radical, em que os pais entram com uma requisição (affidavit) que pode ser online perante o Departamento de Educação do estado em que residem, declarando que serão os responsáveis pela educação dos filhos. E assim, eles mesmos educam as crianças da forma que acharem melhor. Por outro lado, existem escolas particulares que entram com essa declaração perante o Departamento de Educação e seguem currículos e cronogramas diferenciados de ensino para poucas crianças, incluindo algum tipo de estudo religiosos, por exemplo. E por último, existem as escolas públicas denominadas “charter schools” que também fazem um trabalho educacional mais especializado, porém ainda levando em conta o currículo escolar adotado pelo Sistema de Ensino Público Americano.
Como ele funciona, na prática, para você? Como é a sua rotina?
Moro na região de São Francisco na Califórnia e aqui existem todas as modalidades de Homeschooling. Atualmente, minha filha de 10 anos está matriculada em uma “charter school” diferenciada, que apenas sugere o currículo e eu trabalho com minha filha essa sugestão da forma que acho mais relevante. Na verdade, escolhemos juntas o que vamos estudar a cada dia. Estudamos pela manhã e à tarde os assuntos elegidos, dependendo do caso. Se for Matemática, trabalhamos no computador e depois fazemos receitas para entendermos as frações, por exemplo. Se for Ciências/Geografia/Estudos Sociais, vamos a museus, planetários ou parques e comparamos nossas impressões com as dos livros/atlas. Se for Inglês, lemos juntas livros e escrevemos em nossos blogs e jornais. Minha filha se interessa muito por arte e animação, então ela faz um curso interativo online para aprender especificamente sobre isso. No caso da Educação Física, praticamos ioga em casa e ela vai para a academia com o pai fazer natação. O importante é que toda situação vivida por nós é motivo de aprendizagem, então aproveitamos todas as chances que encontramos para trazer à consciência como funcionam as coisas na vida real.
Qual o motivo que te levou a escolher esse tipo de ensino?
O bullying escolar sofrido há dois anos. As escolas do ensino público californiano são extremamente competitivas e não lidam bem com as diferenças. Esse foi o nosso caso. Isadora sofreu bullying durante 8 meses sem dizer nada porque achava que as escolas americanas eram assim mesmo. Veja, emigramos para os Estados Unidos há 5 anos apenas e já moramos em duas cidades diferentes por conta do trabalho. Quando finalmente minha filha conseguiu nos dizer o que estava acontecendo naquela escola, o sofrimento já tinha lhe causado um bom estrago. Ela desenvolveu pânico e PTSD (Desordem Pós-Trauma) e não conseguia sair de casa. O remédio foi o Homeschooling, e com ele, os melhores aprendizados de nossas vidas.
Quais são os mecanismos que o país estipulou para garantir que as crianças e os jovens estejam realmente estudando? A que regras você fica submetida?
O requerimento e registro (affidavit) perante o Departamento de Educação autoriza os pais a trabalharem com as crianças, mas também os submetem à fiscalização contínua, que acontece efetivamente. Entenda, as pessoas assumem uma responsabilidade social ao educarem seus próprios filhos. Se as crianças demonstrarem problemas educacionais, a comunidade em que ela está inserida informa ao Departamento de Educação. São dedos-duro mesmo, sem piedade nem “jeitinho brasileiro”. Mas é que a vida em comunidade é muito importante para o californiano, que geralmente usa o Homeschooling para educar muito melhor e com recursos mais avançados os seus próprios filhos, para que eles sejam cidadãos realmente diferenciados e grandiosos, à la Steve Jobs, entende? E Homeschooling dá trabalho! As regras são as seguintes: uma vez por ano esse requerimento e registro do seu filho como “homeschooled child” (criança educada fora da escola) tem que ser renovado perante o Departamento de Educação. Com essa renovação, são pedidas “provas de educação”, ou seja, todos os materiais e registros que os pais têm de trabalho com os filhos. Se não tiverem as tais “provas de educação”, o requerimento não é renovado e a criança tem que voltar para a escola pública.
No meu caso, a “charter school” mensalmente convoca reuniões comigo e com minha filha que faz alguns testes, que são enviados ao Departamento de Educação. Foi constatado no último teste, de acordo com o seu nível de conhecimento, que Isadora, com 10 anos, poderia estar frequentando a sétima série, se estivesse na escola comum! Assim, frequentemente reavaliamos as nossas opções, pois temos a liberdade de escolher com o que queremos trabalhar. Meu intuito é não participar mais da “charter-school” no ano que vem, pois os testes ainda nivelam muito o conhecimento que minha filha adquire ao nível escolar apenas. E para que educamos nossos filhos? Não é para a escola, é para a vida, para que eles possam ter espírito crítico, discernimento e que sejam capazes de agir e construir um mundo muito melhor! Assim, minha próxima aventura será com o Unschooling, que é simplesmente a “não-escolarização” da Isadora. Com isso, estaremos submetidas àquelas regras que regem o affidavit, o mencionado requerimento perante o Departamento de Educação.
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